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A Casa azulejada da Serra – Os Barbosa Leão

Crédito da foto: João Castello Lopes Ribeiro

Já tivemos oportunidade de apreciar, em cidades do Espírito Santo, duas casas com fachadas revestidas de azulejos portugueses. Apenas duas. Uma delas situava-se bem no centro de Guarapari. Foi demolida, recentemente. A outra, ainda de pé, embora mal conservada, pode ser vista na vizinha cidade da Serra, à rua Major Piçarra, nº 245. Essa rua, por muito tempo, se chamou Senador Nabuco. A casa, vista de frente, não tem janelas, mas três portas protegidas por empanadas. Os azulejos trazem estamparia em azul sobre fundo branco. O telhado, de telhas canal, se conserva intacto. Foi construída em 1873, para que nela nascesse Grata da Conceição Barbosa Leão. O nascimento, festejadíssimo, ocorreu a 31 de outubro daquele ano. O proprietário, Luiz Barbosa Leão, era casado com Vitória Maria do Sacramento Leão. Essa casa, de altas portas internas, teto forrado, não chegou, contudo, a ser residência do casal, servindo apenas, após nascida Grata da Conceição, de hospedaria a amigos da família: - padres, políticos, cometas, representantes de firmas comerciais tanto de Vitória como da Corte.

A Serra, dada a prosperidade advinda de suas lavouras de café, também de seus canaviais, despertava o interesse de muitos. O comércio era ativo. A sociedade local, sempre vivamente interessada em tudo que dissesse respeito à igreja, à música, às letras, mormente à política, gostava de mostrar-se aos de fora, de exibir seus atributos, suas tradições de hospitalidade. A Serra era então cognominada, pelo número de seus escritores e artistas, a Atenas espírito-santense. Foi assim que Luiz Barbosa Leão tratou de requintar a casa nova, mobiliando a sala de visitas com móveis Luiz Felipe, talhados em mogno, mesa central e consolos com tampos de mármore polido, sofá e doze cadeiras de carretilhas com assento de palhinha. Ainda nessa ampla sala, em cujas paredes laterais foram pintadas paisagens com árvores e pássaros sobre a barra e óleo imitando madeira, estavam, artisticamente emoldurados, os retratos de família, bem como um grande espelho veneziano.  Jarras, lampiões de procedência belga, tudo da melhor opalina, se distribuíam pelos móveis. O tapete de chão, enorme e belo, trazia a figura de um leão, tecido em amarelo-ouro, como vaidosa referência ao próprio nome da família: - os Barbosa Leão. Na sala de jantar, ligada à de visitas por corredor à direita, figuravam comprida mesa, dois altos armários, um louceiro, além de cadeiras e bancos. Os armários serviam para guardar finos cristais, a prataria da casa (aparelhos de café, de chá, bandejas, paliteiros, etc), sendo que, no louceiro, ficavam os jogos de louça inglesa, em azul-borrão, completos. Os dunquerques aparavam castiçais de prata, protegidos por donzelas de cristal lavrado. Também de prata, as espevitadeiras. Nos dois quartos, os únicos existentes na casa, o mobiliário, embora mais modesto, era de jacarandá rosa (marquesas e cômodas), arcas e baús de vinhático, as paredes forradas de papel francês, cada quarto com forração de cor diferente, conforme uso de então. Também nesses dois quartos se viam à parede estampas de santos em caixilhos de cedro. O sótão, outra dependência do imóvel, às vezes servia de dormitório, sendo que ali, aproveitando a boa ventilação e claridade, a dona e filhas da casa costuravam em máquinas de mão. A casa azulejada ou a casa nova, como era chamada, não tinha cozinha nem banheiro. A cozinha e banheiro hoje lá existentes, foram adaptados bem depois, já neste século. Os hóspedes se banhavam em bacias de ferro, muito pesadas e usavam urinóis de fabricação alemã. No fundo do quintal havia o que chamavam de casinha, exígua dependência de madeira com teto de zinco, onde eram despejadas, em fossa, sob camadas de cal, fezes e urina. A casa nova, destinado-se apenas, como dissemos, a hóspedes e viajantes (a Serra não tinha hotéis), comunicava-se internamente, através de uma porta, com uma outra casa onde de fato, residia a família. Dessa segunda casa, à direita, parede colada à da primeira, em plano pouco mais baixo, tal ainda se observa (a casa nova tinha calçada alta, de pedra), o pouco que dela representa, hoje menos de um terço, quase nada do que fora antes. Basta se diga que, na comprida fachada, se abriam dez portas para a rua, dez “portas de venda”. Luiz Barbosa Leão mantinha ali, não só na residência, mas armazém de secos e molhados, armarinho sortido. Era a sua firma comercial a mais conceituada daquela praça serrana. Possuía ainda, no mesmo imóvel, bem montada padaria. Os pães (pães, broas e roscas) eram confeccionados em dependência erguida nos fundos da casa, próxima a uma outra dependência, então alojamento de escravos da família. Dessa segunda casa, a parte restante, ainda de pé, era conhecida como a da sala do relógio. Só os cômodos de frente (havia um quarto com oratório e alfaias preciosas, onde, à hora do Angelus, recitavam o terço) eram assoalhados, sendo os demais de chão batido. Nem todos os quartos tinham forro.

No lado esquerdo da casa nova, diga-se ainda, Vitória Maria (Dona Sinhá) mantinha jardim, amplo, com raras espécimes de plantas. Um jasmineiro do Cabo floria a um canto da cerca fronteiriça à rua. Esse jasmineiro, em determinada época do ano, ficava com o caule recoberto de “lagartas moles, pretas, com listras vermelhas”, sendo as mesmas temidas pelas moças porque se dizia, na Serra, credulamente tivesse tais lagartas (janaúbas) qualquer contato com moças, essas engravidariam de imediato.

Afora esse jardim, tinham grande quintal as duas casas do Barbosa Leão, dando fundos para onde é hoje a avenida Getúlio Vargas (ex-rua Gonçalves Dias). A parte lateral, à esquerda, se estendia até a rua da Cadeia (ou rua Nova), hoje denominada Rômulo Castello, onde só havia um prédio, igualmente propriedade da família. Nesse quintal se espalhavam árvores copadas, fruteiras (gabirobeiras, mangueiras, jaqueiras, pés de fruta-pão, laranjeiras, etc), também um cafezal. Ainda um pé de maniçoba, “de caule sedoso, cor de pele de moça”, se via ali. No quintal, além da padaria e do alojamento de escravos, funcionavam um forno (da padaria) e um poço para lavagem de panelas, louçaria, formas, coisas assim.

Vitória Maria, católica praticante, chamou a si a tarefa de cuida da lavagem de toalhas e demais peças de linho da Matriz de Nossa Senhora da Conceição da Serra, tanto que, do outro lado da rua, defronte de sua casa, mandou construir um poço de alvenaria, de borda circular, onde lavava ela mesma, com o auxílio de escravas, todos os paramentos da igreja. Era o Poço do Sacramento. O terreno em volta, pouco abaixo do nível da rua, num recuo, servia de coradouro, era gramado, tinha alguns arbustos, um deles sempre florido de babado de sinhá, tipo de flor assim chamado pelos dali. Era ainda Vitória Maria quem cuidava, zelosamente, da conservação das casulas, das sobrepelizes e alvas, dos véus do sacrário, enfim, dos paramentos da Matriz, bordando-os ou remendando-os no que se mostrava exímia. “Sabia bordar a ouro”.

Luiz Barbosa Leão, abolida a escravidão, se despediu dos escravos, dividindo com eles terras que possuía em Putiri, no município da Serra. Alguns escravos, no entanto, preferiram fixar-se em Betes, outros na Muribeca, localidades próximas. Putiri se tornou um núcleo de lavradores negros. Cumá Luciana (Cuma é corruptela de comadre), ex-escrava, foi para Putiri com outros de sua raça, mas vinha sempre visitar os antigos patrões. Na Matriz da Serra, às cinco horas da manhã de cada primeira segunda-feira do mês, os negros, de opa branca com cola verde, assistiam à missa mandada celebrar pela Irmandade de São Benedito, a que pertenciam. Traziam da roça pequenos “agrados” para Donha Sinhá: farinha de mandioca, infalivelmente.

 

Fonte: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Nº 31/33. Ano 1980/ 1982
Autor: Elmo Elton
Compilação: Walter de Aguiar Filho, dezembro/2011



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