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A Cultura e a Constituinte - Por Gabriel Bittencourt

Constituição Brasileira de 1934

O constitucionalismo no Brasil surgiu no bojo da Independência, que, aliás, muito tem a ver com os movimentos constitucionalistas que explodiram na península ibérica no século passado.

Ainda não havia sido declarada nossa emancipação política e já o príncipe-regente D. Pedro, em atendimento à representação do Conselho de Procuradores-gerais das Províncias, decretava, a 3 de junho de 1822, a convocação de uma Assembleia Constituinte e Legislativa (dissolvida aos 12 de novembro de 1823 e substituída por um Conselho de Estado que elaborou a Carta, sob a orientação do Imperador, então outorgada ao país a 25 de março de 1824).

A Constituição de 1824, preocupada com a manutenção do status quo das elites que apoiaram a solução monárquica, primava pelo governo monárquico, hereditário, constitucional e representativo. Não resistirá, incólume, às reações armadas, notadamente, a revolução pernambucana de 1824, da qual adveio o Ato Adicional de 1834.

Essa constituição, no entanto, vigou até 1889, evoluindo, consideravelmente, no sentido de uma monarquia parlamentar, mas não chegou jamais a criar os meios de uma participação popular na vida do país. Totalmente omissa à cultura do povo, cuja massa trabalhadora continuou escrava até 1888.

Proclamada a República, sobreveio a Carta de 1891, em cuja arquitetura sobressai-se a figura ímpar de Rui Barbosa. Adotou os princípios do federalismo, do presidencialismo, do liberalismo político e da democracia burguesa, influenciado pela constituição norte-americana, sem perder de vista as constituições da Argentina e da Suíça. Não fez jus, porém, nesse instrumento, à titulação, posterior, de Patrono da Cultura Brasileira.

O regime de 1891, como se sabe, sustentando o sistema viciado que caracterizou a Primeira República, tornou-se inconciliável com as reivindicações proletárias que empolgavam o mundo pós-guerra e criou campo ao advento da Revolução de 1930.

Mas o regime de exceção, capitaneado por Vargas, é surpreendido pela Revolução Constitucionalista de São Paulo, de 1932, que, embora vencida, dá margens à Constituinte de 1933 e à Constituição de 1934.

É aí, no plenário dessa constituinte, que se adota uma nova concepção sociológica-democrática do Direito do Estado, atendendo-se, sobretudo, aos moldes da Constituição alemã de Weimar.

Teve vida efêmera, porém. A luta entre o proletariado organizado e a burguesia conservadora selou seu destino: A chamada "Intentora Comunista" forneceu o álibi de 1937 e sua revogação.

A ditadura de Vargas suprime os partidos políticos e concentra todo o poder nas mãos do chefe supremo. No campo cultural, manifesta-se a mão-de-ferro do Departamento de Imprensa e Propaganda, situação que permanece inalterada até 1945, quando o pais, primando pelo Estado de Direito, depõe Vargas e promulga, no ano seguinte, a Constituição de 1946.

Os fatos que se sucedem, de ampla influência no âmbito constitucional, são por demais conhecidos: a renúncia do presidente Jânio Quadros, a Reforma Parlamentarista de 1961, o Movimento de 1964, a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969.

Em nenhum desses documentos, entretanto, encontramos um instrumento real de promoção e proteção à cultura nacional. Na Constituição em vigor, apenas os artigos 179 e 180 a ela se referem. O primeiro tão somente declara livre as ciências, as letras e as artes. O segundo, afirmando que "o amparo à cultura é dever do Estado", destaca, no seu parágrafo único, a proteção ao património artístico, histórico e paisagístico. É realmente muito vago.

Quando refletimos que, no campo da literatura, por exemplo, o produtor cultural esbarra-se a toda hora em obstáculos intransponíveis, fruto desse poder ancilar que é a burocracia, manifesto nos privilégios e discriminações, oportunismo, compadrio, paternalismo, percebidos nas decisões do poder público na área, nas condições, no desvirtuamento da opinião pelos meios de comunicação de massa, em todas as partes em que imperam os vícios do autoritarismo, ficamos imaginando a realidade dos demais campos culturais e sobretudo as dificuldades e particularidades regionais que compõem o todo nacional.

No Espírito Santo mesmo, na medida em que as publicações capixabas destinam-se não necessariamente ao mercado local, embora tem sido a premissa verdadeira, sofre o autor espírito-santense, como os dos pequenos estados brasileiros, com o desinteresse dos editores, dos livreiros e dos empresários da área, que buscam um rápido e lucrativo retorno do capital investido, não se importado com a promoção dos novos valores emergentes. Assim sendo, assistimos hoje, no estado, a uma grande maioria de publicações financiadas pelos próprios autores, ficando, portanto, a produção literária local nos justos limites da ação individual.

Essa, aliás, já é uma tradição nossa, podendo-se datá-la desde Afonso Cláudio, primeiro presidente de Estado do Espírito Santo, que, apesar do cargo que ocupou, só conseguiu publicar sua magistral História da Literatura Espírito-santense, em 1912, graças a seus próprios esforços, apesar das autorizações à publicação em 1906 pelo Presidente da República, e em 1909, pelo Estado.

A partir deste manifesto de nível local, em linhas gerais, acreditamos, ninguém tem dúvida que é necessário democratizar a sociedade. Ninguém deseja uma cultura ditada pelo governo, ou dele dependente. Mas a sociedade brasileira necessita de um Estado sensível ao problema cultural e que aproxime as regiões com oportunidades iguais, para que as lacunas culturais sejam preenchidas satisfatoriamente, como reivindicam importantes segmentos nacionais.

Quando se pensa que, em breve, a se seguir o esboço traçado pela nova ordem política, sensível aos anseios do povo brasileiro, defrontaremos com a tarefa de buscar o reordenamento jurídico da Nação, é natural que os produtores estejam preparados para discutir e repensar as Instituições culturais, reclamando providências e apontando caminhos e observância dos princípios universais que protegem a liberdade e a dignidade da pessoa humana, cuja expressão pode e deve atingir a cultura em benefício maior da comunidade nacional como um todo.

A Gazeta — Vitória (ES), 16 de agosto de 1985.

 

Fonte: Notícias do Espírito Santo, Livraria Editora Catedra, Rio de Janeiro - 1989
Autor: Gabriel Bittencourt
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2021

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