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A história dos cinemas no ES

Cine São Luiz

O PROJETO CINE MEMÓRIA “A HISTÓRIA DAS SALAS DE EXIBIÇÃO NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO”.

A história da arte cinematográfica e da indústria do cinema no Espírito Santo tem aspectos interessantíssimos a serem investigados adequadamente que demonstram como, desde os primórdios do último século XX, a sociedade urbana capixaba incorporou a ida ao cinema à vida cotidiana, e conviveu com as fachadas dos cinemas cobertos de cartazes que compuseram o cenário das ruas da cidade na época dos “cinemas de calçada”¹.

A primeira projeção cinematográfica reconhecida na história, pelo menos com objetivo comercial, foi em 1895, no salão indiano Grand Café, no Boulevard Capucines em Paris com o Cinematográfo Lumière. Em 1896, o cinema chegou ao Brasil e as primeiras exibições ocorreram na Rua do Ouvidor no Rio de Janeiro.

De acordo com Fernando Tatagiba, em A História do cinema capixaba (1998), o Éden Cinema foi palco das primeiras exibições com fins comerciais no Estado. Foi inaugurado em 13 de janeiro de 1907 e pertencia à empresa Camões & Mayo, conforme publicação no Jornal Official de 15 de janeiro de 1907.

Podemos situar a história da exibição cinematográfica no Espírito Santo em três momentos distintos. O primeiro momento, compreendido entre 1907 e 1930, período em que a exibição era dos filmes curtos, com apresentações em parques e teatros. Na época do cinema mudo era necessário o acompanhamento de orquestras e técnica do teatro para dar o som e o sentido dos movimentos dos filmes.

Num segundo momento, as salas ganharam as cidades, os bairros e o interior.

Acompanhado de uma expansão urbana, a ampliação da eletricidade, os bondes elétricos e a urbanização, o cinema ganha sinônimo de modernização e desenvolvimento nos bairros e cidades que contavam com uma sala de exibição. No “escurinho dos cinemas”, as cidades capixabas viviam o momento das grandes salas, que chegavam a 1.500 lugares disputados por todos como forma de status e modernidade, com enorme concorrência nas estréias de filmes oriundos das companhias cinematográficas Atlântida e Vera Cruz².

Num terceiro momento, houve uma retração do público e uma diminuição das salas. Entre 1975 e 1985 houve um significativo desmantelamento do parque exibidor nacional, uma ascensão das pornochanchadas como gênero e uma mudança da geografia das salas.

Segundo José Tatagiba (1998), Vitória chegou a funcionar com 13 (treze) salas de cinema. Durante a nossa pesquisa encontramos o registro de mais de 106 salas funcionando em todo o Espírito Santo. A recuperação da trajetória desses cinemas só foi possível, graças aos arquivos familiares³ dos exproprietários, ex-funcionários e ex-frequentadores das salas de exibição. Os acervos da imprensa local e de arquivos públicos e privados complementaram as informações transmitidas pelo testemunho oral das pessoas que vivenciaram os momentos da “Cinelândia Capixaba”.

A coleção, que compreende as imagens aqui apresentadas e disponibilizadas dos arquivos familiares para o projeto de pesquisa, tem recebido um trabalho de normalização descritiva do acervo, para garantir que futuras gerações de pesquisadores tenham acesso a ele e promovam, assim, novos olhares sobre a história das salas de cinema no Espírito Santo. O acervo do projeto está recebendo tratamento arquivístico conforme as Normas Brasileiras de Descrição de Arquivos (NOBRADE) e sendo organizado para acumular informações sobre o comércio cinematográfico, as políticas estatais para o cinema, as transformações urbanas das cidades e, principalmente, sobre a questão da sociabilidade dos cinemas ao longo da história do Espírito Santo. O acervo do Projeto Cine Memória “A História das Salas de Exibição no Estado do Espírito Santo” teve início no ano de 2000, no curso de Especialização do Programa de Pós Graduação em História, da Universidade Federal do Espírito Santo, que mais tarde resultaria em nossa dissertação de Mestrado em História Social das Relações Políticas, no mesmo programa. A partir daí, o contato com arquivos e depoimentos das famílias Abaurre, Rocha, Caretta, Castro Dalla, que formavam, entre outras, as principais empresas cinematográficas no estado, e de acervos pessoais de freqüentadores, como José Tatagiba e Humberto de Freitas, foi possível reunir essas imagens e informações que trazemos nas páginas desse livro.

Além disso, a imprensa local, composta por jornais e revistas capixaba, disponíveis no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, na Biblioteca Pública Estadual e na Biblioteca Central da UFES – Coleções Especiais, foi fonte de imensa importância no resgate da história desses cinemas.

Os 11 (anos) de pesquisa resultaram numa coleção que compreende 151 fotografias, 12 entrevistas, 4.735 filmes catalogados que foram exibidos entre 1970 e 1985 nos cinemas capixabas, 924 registros de notícias referentes a cinema, nos jornais e revistas locais. Além disso, resultaram em produtos culturais que, como exposições culturais, foram apresentadas em feiras científicas, cinemas, bibliotecas, universidades, eventos científicos e escolas.

Apesar do nome do livro, trouxemos aqui alguns cinemas de bairro e do interior que marcaram a história das salas. As salas acompanharam as mudanças estruturais das cidades e a expansão urbana que se seguiu, com a abertura de novas áreas e a adaptação das ruas e avenidas à passagem dos automóveis pelo centro da capital, conferindo a esses espaços os ares modernos que aqueles tempos requeriam.

Depois, as salas de cinema espalharam-se pelos bairros de Vitória e municípios do interior, como símbolos maiores de sua emancipação e, replicando os hábitos da capital, aumentaram grandemente o público espectador e os negócios, chegando a todas as classes sociais.

Infelizmente, muitos desses cinemas não foram aqui contemplados, já que, ao todo, eram 106 funcionando em todo o estado na época do auge dessa forma de lazer. Ao final desta publicação, colocamos a relação deles por cidade e nome. Porém, temos a intenção de continuar com esse levantamento e, pensando nisso, também ao final do livro colocamos as formas de contato com o projeto, para que quem tiver informações sobre as salas de exibição e que queira contribuir (com depoimentos, imagens, notícias de jornal, etc.) com a pesquisa, possa fazê-lo e ajudar nesse importante resgate.

A PESQUISA E A UTILIZAÇÃO DOS JORNAIS COMO FONTE DE INFORMAÇÃO

Os jornais e revistas são importantes fontes de informação, como documentos históricos, para identificar uma determinada época e lugar. No Brasil, a imprensa periódica nasceu há mais de 200 anos, com a imprensa Régia, que hoje é a Imprensa Nacional, fundada em 13 de maio de 1808. No Espírito Santo, temos registro do jornal Estafeta, criado em 1840 e considerado pela historiografia capixaba como sendo a primeira tipografia do estado (BRITTES, 2010).

Os jornais, além de servir como fonte de informação noticiosa e narrativa ideológica, para demandas específicas, agrega elementos virtuais valiosos, principalmente depois que a fotografia passa a ser utilizada na história da imprensa. Essas imagens sempre vêm acompanhadas de um contexto e uma legenda que favorece a identificação e a contextualização das mesmas. Outro item importante na utilização dessa fonte é a infografia e, no nosso caso, os anúncios dos filmes, da inauguração das salas, das grandes estréias que ocupavam, por vezes, as páginas inteiras ou até mesmo o destaque da capa. No início da pesquisa encontramos um número muito reduzido de imagens nos arquivos públicos.

Apesar de termos um parque exibidor significativo, ao longo de nossa história, o assunto não conta com um material expressivo nos arquivos públicos disponíveis no estado. Algumas imagens, como do Cine Odeon e do Cine Drive Camburi, só foram possíveis graças à recuperação em edições de A Gazeta. O jornal A Gazeta iniciou-se em 1928 e serviu, além das fontes citadas acima, para um levantamento do gênero cinematográfico exibido nas salas locais. No início dos trabalhos foi necessário identificarmos os filmes exibidos nas salas para entendermos melhor a dinâmica da exibição no período de 1970 a 1985

(quando houve maior número de encerramento das atividades das salas de exibição em nível nacional e local). Após a identificação de 4.735 títulos de filmes anunciados no Caderno Dois do jornal A Gazeta, foi possível um cruzamento de dados que nos revelou o gênero, nacionalidade e os títulos que predominaram no auge da exibição cinematográfica no estado, além da programação, da identificação das salas que não haviam sido encontradas, crônicas sobre a situação da cultura cinematográfica no estado, fotos das salas, festivais de cinema, matérias sobre o encerramento, entre outras. Com o cruzamento dessas informações com as entrevistas e outras fontes, foi possível avaliarmos o papel da Embrafilme na obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais nas salas de projeção locais; as influências dos filmes hollywoodianos, no período em questão; a participação das pornochanchadas e

sua aceitação pelo público, na última fase dos “cinemas de calçada” no centro da cidade; o impacto da abertura da censura e a liberação dos filmes pornôs nas salas a partir de 1985, para a mudança do perfil do público nas salas do centro; etc.

Outros jornais foram de fundamental importância na pesquisa. Entre eles destacamos o Commercio do Espírito Santo, o Jornal Official e a Folha do Povo, que permitiram identificar, respectivamente, a primeira exibição cinematográfica feito no estado, em 1901, com o Biographo Lumière; a inauguração do Edén Parque, que foi a primeira sala com exibição cinematográfica no molde que conhecemos, em 1907; e o incêndio do Teatro Melpômene, durante uma exibição cinematográfica, em 1924. atualmente realizando o inventário e a digitalização da Revista “Vida Capichaba”, fundada em 1923, que conta com um acervo disponível do período compreendido entre 1929 e 1970. Esse material contém imagens fotográficas, propagandas comerciais e crônicas sobre o cotidiano capixaba. Além de inventariarmos, estamos digitalizando as fontes para disponibilizar o material futuramente aos interessados pelo tema, nos arquivos e bibliotecas públicas do estado.

 A IMPORTÂNCIA DOS ARQUIVOS PESSOAIS E DA HISTÓRIA ORAL PARA A PESQUISA

No início dos trabalhos, quando nos deparamos com a escassez de documentos nos arquivos públicos, particularmente os acervos fotográficos, procuramos identificar os ex-proprietários e familiares das salas de cinema, como também ex-funcionários e freqüentadores que pudessem contribuir de alguma forma com seus arquivos pessoais e memórias na identificação das fontes já levantadas e/ou pudessem fornecer novos subsídios para a pesquisa.

Identificamos como arquivos pessoais as mais diversas formas de escrita, bem como o acúmulo de documentos e registros relativos à vida pessoal, cultural e pública de uma pessoa, tendo entre elas as narrativas biográficas, autobiográficas, das memórias e da história de vida. A valorização do indivíduo como sujeito histórico possibilitou o preenchimento de determinadas brechas deixadas pela documentação no que diz respeito ao cotidiano, ao comportamento e às experiências de vida (TANNO, 2007, p.110).

Nos acervos pessoais dos entrevistados foi possível encontrar cartas, fotografias, recortes de jornais, ingressos, anotações, etc. E a cada novo entrevistado esses “objetos biográficos” serviam como documentos significativos, que funcionavam como fontes estimulantes no processo narrativo, auxiliando nas lembranças, no decorrer das falas sempre carregadas de significado do passado. (BOSI, 2003)

Sobre a história oral e sua importância para o processo histórico, Delgado (2006) destaca que: A história oral, ao atuar na produção de documentos que têm como referência simultaneamente o conhecimento de processos históricos específicos e a memória individual dos depoentes, é um espaço vivificado da relação fértil entre a história e a memória. É também um método, um meio para a produção do conhecimento, potencializando uma rica visão temporal: sobre o passado vivido, sobre o presente no qual o depoimento está sendo colhido e sobre o futuro, uma vez que o registro de experiências é, na maior parte das vezes, realizado com desejo de transmissão e perenização de experiências. Identificamos na história do parque exibidor cinematográfico quatro famílias que se destacaram. Entre elas, três receberam o projeto de pesquisa, abriram seus arquivos pessoais e aceitaram registrar suas entrevistas para o levantamento aqui apresentado.

Marcelo Abaurre, que tem no seu pai, Dionysio Abaurre, a inserção da exibição cinematográfica nos negócios da família e a construção de várias salas na capital e no interior do estado, possui um verdadeiro tesouro de “relíquias do passado cinematográfico capixaba”. Entre elas, cartazes, cadeiras das salas, projetores, fotos, anotações feitas por seu pai sobre os filmes, as inaugurações e as reformas das salas, bem como uma memória espontânea de grande valor para a identificação dessa história e da documentação recolhida.

Dessa forma, Marcelo Abaurre e seu irmão, Marcos Abaurre, foram fundamentais para conhecer a trajetória de Dionysio Abaurre e suas atividades comerciais, particularmente no setor exibidor cinematográfico na cidade de Vitória e no interior do Estado. Algumas fotografias são únicas e só foram possíveis graças à cessão feita pelos entrevistados para essa pesquisa. No acervo pessoal de Valéria Rocha Dias Lopes, filha de Edgar Rocha, proprietário de cinemas como o Vitorinha e São Luiz, entre seus documentos estavam as fotografias do Cine São Luiz, que, em sua inauguração, contou com a presença de Luiz Severiano Ribeiro, do elenco do filme da Atlântida “Aviso aos Navegantes” e de autoridades locais.

Vale destacar que ir ao cinema, pelo menos uma vez por semana e com a melhor roupa, era uma questão de status, e as inaugurações eram extremamente concorridas. Os cinemas transformavam em evento

social todas as inaugurações ou novidades introduzidas nas salas. No caso do Cine São Luiz, era um cinema que estava numa área nobre da época e num edifício, que tinha o nome de seu proprietário Edgar Rocha, considerado de grandes proporções para o período. Consta na imprensa que foi o segundo cinema no país a possuir ar condicionado e contou, na inauguração, com os artistas do filme que marcou a estréia da sala. A família Caretta, com os irmãos Edson José Caretta e Maria da Penha Caretta, permitiu que a pesquisa identificasse a trajetória de José Caretta e seu papel na construção de uma empresa que teve vários cinemas no Espírito Santo, como o Aterac, o Hollywood, entre muitos outros.

A colaboração de Zegama de Castro Dalla permitiu que identificássemos o funcionamento de salas pelo interior do estado, que foram propriedade de seu pai José de Gama de Castro, e que levaram milhares de pessoas aos escurinhos dos cinemas como Alhambra, Idelmar, entre outros. Atualmente, Zegama continua com a atividade cinematográfica na cidade de Colatina, com o Cine Gama.

Destaco aqui também a importante colaboração do freqüentador assíduo dessas salas, José Tatagiba, que conta com uma pesquisa formadora de um importante acervo sobre a cidade de Vitória e que coloca suas memórias a serviço da identificação da sociabilidade numa época em que os “cinemas de calçada” eram a maior diversão.

Destacamos aqui o alerta para os pesquisadores que utilizam esse tipo de arquivo, para a importância de possibilitarmos o tratamento desses registros e a catalogação desse acervo, tendo em vista que o não tratamento das informações proporciona o risco de perdemos para sempre o potencial dessas informações e colaborações. Isso acontece porque a transmissão desse tipo de arquivo para as gerações descendentes não consegue identificar a riqueza de memória individual de seus detentores e que sem essas contribuições dificilmente serão recuperadas.

Esperamos que este trabalho um dia resulte no museu do cinema no Espírito Santo e possibilite que outros pesquisadores se dediquem ao tema, a partir do momento em que estiver à disposição o acervo em parte aqui apresentado. Aos leitores que viveram essa época o prazer de rememorar os espaços que marcaram várias gerações, aos que não conheceram a possibilidade de conhecerem o tempo dos “cinemas de calçada”.

As imagens selecionadas neste trabalho têm como critério as salas que funcionaram no bairro do Centro, na cidade de Vitória, por ordem de criação. Na sequência, os cinemas de bairro e do interior que, quando possível, vêem acompanhados de notícias ou propagandas na imprensa local, à época de sua existência.

O livro possui 102 imagens, nas quais se busca recuperar os detalhes das salas, inauguração, suas fachadas, telas e momentos que marcaram os seus freqüentadores e proprietários. Nosso objetivo é possibilitar um passeio através das imagens pelos cinemas que marcaram a cidade, os bairros e o interior no seu espaço físico e no cotidiano, como formas de lazer que fizeram a Cinelândia Capixaba da época.

 

Fonte: Memórias Fotográficas – A História das Salas de Cinema de Vitória. Vitória, 2011
Autor: André Malverdes
Compilação: Walter de Aguiar Filho, dezembro/2011



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