A Morte do Primeiro Donatário no Morro do Moreno
Coutinho contava mais de setenta anos. Não obstante a idade avançada, o velho desbravador, doente e fraco, ainda encontrou um pouco de fôlego para tentar alguma coisa em favor do torrão capixaba. Em maio de 1558, empreendeu sua última viagem, sempre a procura de financeiro. Mas a ajuda lhe era sistematicamente negada.
Da vila de Ilhéus escreveu ao governador geral uma carta na qual exteriorizava toda a angústia de sua alma por não haver conseguido vencer os obstáculos surgidos ao longo dos vinte e três anos de donataria. Com humildade agradeceu a ajuda recebida do destinatário no combate à rebelião dos silvículas, sem a qual os moradores da Capitania seriam exterminados. Disse que a gleba agora estava em paz. Os selvagens não mais constituíam um perigo para os colonos. Depois de informar sobre a desfeita e o desacato sofrido dos colonos por haver proibido a escravização dos índios, suplicou uma carta de recomendação com a qual ele tentaria no Reino a captação de recursos necessários ao reerguimento do seu senhorio.
- E Mem de Sá deu a tal carta de recomendação? – perguntou Felipe Gonçalves, sempre muito interessado como os outros em conhecer detalhes da história.
- Não se sabe. Em face das circunstâncias, pessoalmente não acredito, -respondeu Diógenes. E acrescentou: - Há dúvidas, também, se o seu estado de saúde lhe permitiu velejar para Portugal ou se ficou a perambular pelos portos do Nordeste à procura de tratamento para a saúde combalida.
Com as sobrancelhas um pouco suspensas e os lábios ligeiramente repuxados para o canto da boca, em sinal de dúvida, interrogou Francisco Chagas:
- Quando ele retornou ao Espírito Santo?
- Tudo indica que foi após o primeiro trimestre de 1560, porque, ao passar Mem de Sá por aqui em janeiro daquele ano, a Capitania estava sem o seu capitão-mor.14
- Pelo tempo decorrido, dois anos ou quase isso, acredita ter ele rumado mesmo para Portugal, só retornando depois das malogradas tentativas de obtenção de recursos junto à Coroa.15 Não creio, por isso, haver ficado todo esse tempo nas costas do Norte e do Nordeste.
Após a opinião manifestada por Chico Chagas, Quintela retomou a palavra para descrever a situação da Colônia, então agravada com a enfermidade do donatário.
- Sem saúde e endividado, Vasco Coutinho nada mais tinha a fazer senão em seu sítio, na Praia da Costa, amargar com resignação o golpe que o destino inexoravelmente lhe reservara. Desacreditado de todos e vilipendiado pelos colonos, o infeliz ancião ainda em sonhos fugidios pensava às vezes na possibilidade de um dia receber proposta de alguém para formar uma sociedade a fim de recuperar o seu “vilão farto”.
Passaram-se os dias e cada vez mais crítica era a situação da Colônia. Suas esperanças desvaneceram e ele não conseguia se desvencilhar do pesadelo que o afligia há tantos anos. Por conseguinte, não lhe restava alternativa senão renunciar. Vasco, apesar de estar em idade provecta e alquebrada por sofrimentos físicos e morais, teve, entretanto, lucidez para compreender que chegara a hora da renúncia, pois o povo estava preste a deixar tudo para trás e seguir rumo às capitanias vizinhas.
Em nova passagem pelo Espírito Santo, Mem de Sá é logo procurado pelos moradores. Sabiam da existência da carta-renúncia do capitão-mor e assim pediram ao governador geral que tomasse a Capitania em nome do rei. Imaginavam que, com a administração da gleba diretamente subordinada ao soberano, grande seria a segurança dos colonos com promissores dias para a Colônia.
Por sugestão dos próprios colonos, Mem de Sá designou Belchior de Azeredo para administrar a Colônia, o que lhe dava o direito de exercer todas as funções compatíveis com as de capitão-mor. Tratava-se de pessoa de confiança dos colonos e muito querido dos padres da Companhia. Não é demais repetir que a sede da Capitania estava na vila de Vitória.
Desiludido e angustiado por tristes recordações, morreu o primeiro donatário da Capitania do Espírito Santo na casa onde sempre morou, no sopé do Moreno. Sua morte aconteceu antes de outubro. Ano de 1561. Não se sabe o dia e o mês.
Trecho transcrito do livro: Vila Velha, seu passado e sua gente, 2002
Autor: Dijairo Gonçalves Lima
Compilação: Walter de Aguiar Filho, maio/2012
Nota do Site: Diógenes é um personagem fictício
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