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A união das mulheres. Os anos 40 – Por Francisco Aurélio Ribeiro

Orminda Escobar Gomes, que viria a ser premiada, em 1951, pela obra Lendas e milagres no Estado do Espírito Santo

Em 1937, Abílio de Carvalho publica um artigo no Diário da Manhã intitulado "As mulheres na literatura espírito-santense". Nele afirma que: "Só podemos compreender a emancipação da mulher pela cultura, pelos vôos da inteligência (...) Não serão gestos espalhafatosos e discursos histéricos que irão dar à mulher o lugar de que ela necessita, dentro da sociedade". Cita como exemplos de feminismo: "o gênio imortal de Mme Curie" a obra suave marginalizadora de Selma Lagerlof e Gabriela Mistral, "a maga da poesia.

Abílio de Carvalho lamenta o escasso número de mulheres capixaba cultas, pouco mais de meia dúzia, enquanto as praias e os salões regurgitam de indumentárias berrantes e "mis-en-plis" "up to date". Nada mais atual. Segundo ele, até 1915, "nunca se falou nem houve noticia de nenhuma mulher intelectual espírito-santense". E cita os valores surgidos naquela década: leda Braga, Helena Maria Ribeiro, Maria da Rocha, Annete Castro, Vera Larica, Antonieta Bós Palmeira e Elvira Cunha. De todas elas, apenas Annete de Castro Mattos teve maior projeção, publicando livros e participando de associações.

Maria José Albuquerque, citada por A. de Carvalho, era cearense que veio criança para Vitória, tornando-se professora respeitada e poeta apreciada por seus trabalhos publicados na imprensa. Elmo Elton publica, em sua antologia, seu poema "Olhos verdes"'(16). A. de Carvalho comenta seus poemas "talhados na alforja do sofrimento" e transcreve como "talento da poetisa” o soneto

VIDA

Vivo, penso e nem sei se a vida se resume

Em bacanal de amor, ou num pouco de pranto.

Porque, se às vezes surge envolta num perfume,

Logo o mesmo se evola a espairecer no manto

 

Por isto, refletindo e olhando à luz do lume

Da alma, nos sobe à mente a dúvida e o quebranto.

Quê é a vida? A indecisão que, ora a gente presume

Seja um viva, um prazer, uma tristeza, um canto

 

Às vezes nos sorri o riso benfazejo

que nos alenta e indica o sol da primavera,

mas logo se desfaz na bruma de um desejo.

 

Porém, se é mutação, se é riso e sofrimento,

É o pedestal da Glória e a luz que retempera

A alma do que entrelaça o sonho e o Pensamento.

 

A. de Carvalho cita alguns trabalhos dela de cunho regionalista: "Anchieta", "Vitória", "Araribóia" "Itanhenga", "O sonho de Paes Leme", mas afirma que seu sucesso como poeta foi em os poemas "Maresia" e "Olhos verdes", mais intimistas. Dª Maria José reside, atualmente, no Rio de Janeiro, ainda escreve esporadicamente, mas não chegou a publicar um livro de versos.

Outras escritoras destacadas por A. de Carvalho: Lúcia Castelani, de quem afirma "está longe de ser uma grande poetisa e uma grande intelectual". Dela transcreve o poema "Noite de chuva", cujo lirismo, "de uma suavidade envolvente", faz lembrar Ribeiro Couto, no seu "Jardim das Confidências", afirma. Seguindo as pegadas de L. Castelani, cita Arlete Cipreste. "interessante poetisa e declamadora", apresentada por Almeida Cousin, e transcreve-lhe o poema "Enfurecer-te, jamais!". Depois, cita Yvone Alves Diniz, que publicou, em 1934, o romance Destino de uma mulher, "obra de fundo social, que mereceu ótimas referências e largos elogios da crônica", segundo ele, e foi o primeiro romance publicado por mulher capixaba. Cita, ainda, as iniciantes, Nea Morgado Miranda, Nazia de Almeida e Deolina Monteiro, que não prosseguiram carreira como escritoras. Arlete Cipreste foi uma das fundadoras da AFESL, em 1949, e a sua oradora, na segunda fase, em 1992.

A. de Carvalho prossegue sua citação com Haydée Nicolussi, redatora do Diário de Noticias e poeta modernista: as irmãs Dessaune (Eili, Mirtes e llza). Violeta Costa ou ("Kosta"), com um livro de poemas, Selva Pagã. Virgínia Tamanini, "um dos valores reais de nossa terra", de quem publica o poema "Minha terra", Jilda Lacourt Pena, "mulher de preparo, educadora ilustre", Judith Leão Castelo, "mais modesta e mais letrada"; Hercília Valverde de Castelo, com poemas publicados em O Jornal e Brasil Feminino, do Rio de Janeiro. Dela publica o poema "Erva rasteira'', ao estilo"schopenhaueriano de Augusto dos Anjos". Também relaciona: Guili Furtado Bandeira ("Gui"), que publicou Esmaltes e camafeus, poemas, Maria Stella de Novaes, "um dos expoentes da cultura espírito-santense", que publicara A lição do cenáculo: Ipoméa Braga de Oliveira, editora e co-proprietária da revista espírita Alfa, de Cachoeiro de Itapemirim; Silvia Meireles da Silva Santos, precursora do feminismo "culto e anti exibicionista" no Espírito Santo, e Orminda Escobar Gomes, que viria a ser premiada, em 1951, pela obra Lendas e milagres no Estado do Espírito Santo. De Cachoeira, cita, ainda,Cecília Pitanga, professora que publicava em O Alcantil, jornal local. Deixa para o final o nome de Maria AntonietaTatagiba, "a expressão mais alta das letras femininas no Espírito Santo” que mereceu uma conferência de Maria Eugênia Celso, "o que, de si, vale por uma consagração". Seu livro Frauta agreste mereceu crônica elogiosa de Mendes Fradique.

O artigo de Abílio de Carvalho é sumamente interessante por registrar os primeiros anos de mulheres escritoras capixabas e o acerto de seu vaticínio: os nomes destacados por ele. Maria Antonieta Tatagiba, Maria Stella de Novaes, Haydée Nicolussi, Virgínia Tamanini, Judith Leão Castelo Ribeiro, foram, realmente, os das principais intelectuais capixaba. Seu artigo é clarividente. No entanto, só a união das mulheres, nos anos quarenta, irá destacar-lhes o lugar que irão ocupar na história deste Estado.(17)

Em 1939, a Academia Espírito-Santense de Letras cria mais dez cadeiras, inteirando o número atual de 40. Nenhuma mulher pôde entrar, mas lembraram-se o nome de Maria Antonieta Tatagiba como patrona da cadeira nº 32.

Segundo José Augusto de Carvalho, a década de 40 foi uma época de efervescência cultural-literária, com cursos e conferências patrocinados pelos intelectuais ou organizações existentes. Além da AESL, eram órgãos atuantes o IHGES, fundado em 1916, o Grêmio Literário Rui Barbosa (1932-1938), a Academia Espírito-Santense dos Novos (1934) e a Sociedade Espírito-Santense dc Letras, criada em 1932. Em 1943, foi criada a Arcádia Espírito-Santense, sob a liderança de Augusto Lins, que durou até 1951.(18)

No dia 08/07/1949, sob o patrocínio da Academia Masculina, foi criada a Academia Feminina Espírito-Santense de Letras. Sua primeira diretoria foi assim constituída: Judith Leão Castelo Ribeiro, presidente; Annete de Castro Mattos, vice-presidente; Arlete Cypreste, 1ª secretária; Zeni Santos, 2ª secretária; Maria José Albuquerque de Oliveira, tesoureira; Iamara Soneghet, bibliotecária e Virgínia Tamanini, diretora artística. Além dos homens, na sessão de abertura, discursaram Judith Leão Castelo Ribeiro, então deputada, e Virgínia Tamanini.

Judith Leão Castelo Ribeiro (1906-1982) foi presidente da AFESL somente por seis meses, em virtude de seus muitos afazeres como deputada estadual, cargo que exerceu em quatro legislaturas (1947 a 1963). Como escritora, publicou artigos nas revistas Vida Capichaba, Canaã, Revista da Educação e no Jornal A Gazeta. Em 1980, foi publicado o livro Presença, com seus "Discursos" "Crônicas" e "Páginas serranas".

Anette de Castro Mattos exerceu a presidência da AFESL por vários anos, agregando a presença das seguintes intelectuais: Ivone Amorim, Leonor Miguel Feu Rosa, Doralice de Oliveira Neves, Lúcia Castellani Nunes, Argentina Tristão, Maria Filina Salles de Sá, Ailse Alves Santos, Nilge Limeira, Aurea Adnet, Maria das Graças Neves que assumiu a presidência da AFESL, a partir de 1992. Da primeira Diretoria, estão vivas Arlete Cypreste e Maria José Albuquerque de Oliveira. O número inicial de 12 mulheres que compunham a AFESL aumentou para 23 na gestão de Anette Mattos, hoje ampliado para 30. A AFESL ainda não possui sede própria, reunindo-se no prédio da AESL, hoje não mais exclusiva dos homens. A primeira mulher a entrar na AESL foi a deputada Judith Leão Castelo Ribeiro, em 1981. A segunda, Neida Lúcia Moraes, a terceira Virgínia Gasparini Tamanini e a quarta, Anna Bernardes da Silveira Rocha.(19)

A Academia Feminina esteve em hibernação vários anos e foi reativada em 1992, com 30 acadêmicas e sob a presidência da poetisa Maria das Graças Silva Neves. Na década de 40, algumas escritoras tiveram atuação destacada, dentre elas: Maria Stella de Novaes, com vários trabalhos publicados sobre Botânica (sobretudo orquídeas) e folclore; Leonor Pereira (1915), que publicou três livros de poesia, Versos de amor, Solidão e Sem rumo. Ainda vive, em Cachoeiro de Itapemirim. Yvonne Diniz Miguel, além de peças de teatro, publicou um romance, Destino de uma mulher, em 1934, e posteriormente, poemas, Poeira de sonhos, 1969 e Simplesmente poesia, 1978. Possui inéditos, Arlette Cypreste de Cypreste (1920) foi premiada, em 1947, como terceira melhor poetisa do Espírito Santo com o poema "Cartas de amor", publicado na antologia de Elmo Elton(20). Lúcia Castellani Nunes foi ativista no Grêmio Literário Rui Barbosa e publicou, por vários anos, artigos e poemas no Diário da Manhã, A Gazeta e na revista Vida Capichaba. Tem inéditos, Anette de Castro Mattos, falecida em 1992, foi companheira de Maria Antonieta Tatagiba como professora em São Pedro do Itabapoana. Publicou crônicas e poemas em variados jornais de Vitória, foi presidente da Academia Feminina Espirito-Santense de Letras, e publicou seu primeiro livro de crônicas, Dedo minguinho, em 1949.  Em 1982, publicou Três temas capixabas. Deixou inéditos.

A principal escritora do Espírito Santo, e a mais popular, foi Virginia Gasparini Tamanini (1897-1990), filha de imigrantes italianos de Santa Teresa. Publicou seu primeiro romance-folhetim no jornal O comércio, de Santa Leopoldina, de 1922 a 1923. Escreveu peças teatrais de 1929 a 1931, encenadas com sucesso. Em 1942, publicou seu primeiro livro de poemas, A voz do Coração; em 1949, o segundo livro de poemas, O mesmo amor nos nossos corações. Em 1947, foi vencedora no concurso para a eleição da melhor poetisa do Espírito Santo, na "Quinzena de arte capixaba", organizada por Augusto Lins. Atuou na vida cultural de Vitória, ativamente, tendo dirigido e encenado peças de teatro, no Teatro Carlos Gomes.

Em 1964, publica sua obra mais conhecida, Karina, romance narrado em primeira pessoa e que tem como cenário as regiões colonizadas por italianos, em Santa Teresa. Traduzido na Itália, em 1980, depois de várias edições em português. Karina sai como encarte do Jornal A Gazela, no projeto "Nosso livro", numa tiragem de mais de 40.000 exemplares em dezembro de 1994. Seu segundo romance, Estradas do homem, 1977, tem um ambiente semelhante ao primeiro e seu último livro foi Seiva, aforismos e pensamentos, publicado em 1982, fruto de uma longa experiência de vida acumulada. Dentre os seus pensamentos, citem-se estes: "Um dos venenos da vida é a importância que damos a coisas sem importância". Ou "Nosso maior erro é achar que o mesmo erro nos outros é mais grave".

 

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

(16). ELTON, E. Op. cit, p.197.

(17). CARVALHO, A. de. As mulheres na literatura espírito-santense. Diário da Manhã, Vitória, 19/12/1937, p. 03.

(18). CARVALHO, J. A. Panorama das Letras Capixabas. Revista de Cultura, UFES. Vitória: FCAA, ano VII, nº - 22, 1982.

(19). Discurso de posse dos Acadêmicos de 1922, feito por Arlete Cypreste de Cypreste.

(20). ELTON, Elmo. Poetas do Espírito Santo Vitória: FCAA/UFES, PMV, 1982, p. 193.

 

 

Fonte: Literatura do Espírito Santo: uma marginalidade periférica, 1996, Vitória/ES
Autor: Francisco Aurélio Ribeiro
Capa (execução eletrônica): Renato Costa Neto e Luiz Alexandre Mess
Ilustração: Attílio Colnago
Editoração Eletrônica (texto): Antonio Gil e Alexandre Moraes
Revisão: Reinaldo Santos Neves
Agradecimento especial: Idelze Maria Vieira Pinto
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2021

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