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Academia de Jornalismo – Por Rogério Medeiros

Capa do Livro: O Diário da Rua Sete – 40 versões de uma paixão, 1998 - Capa: Anderson Marques

Depois que Francisco Lacerda de Aguiar (Chiquinho) deixou o Governo do Estado, em 1965, entregou O DIÁRIO para Cacau Monjardim, Jakaré (Fernando Jakes Teubner) e Edgard dos Anjos. Edgard criou um tablóide que saía às quintas-feiras e outro que saía no domingo com reportagens, humor e coluna social.

O Edgard e o Jakaré fizeram uma sociedade para tocar o jornal como arrendatários. Na verdade, o que o Chiquinho não queria era bancar o jornal. Ele queria alguém para bancar um jornal que o defendesse quando fosse atacado. E isso era feito.

Mas Edgard não ficou nisso. Ele tentou fazer um grande jornal, criando uma academia de jornalismo. A garotada que queria aprender a trabalhar em jornal ia lá e se candidatava a um estágio. Quem passasse no teste virava jornalista. Um dos mais talentosos era Rubinho Gomes, um garoto precoce, que tinha 16 anos quando iniciou a carreira. Pra mim ele é um gênio do jornalismo. Se tivesse leme, se tivesse bússola, esse cara teria sido um astro do jornalismo brasileiro. Era de um bom gosto fantástico. Diagramava, escrevia, editava, fazia tudo. O Marien também era estrela e, nesse período, escrevia a coluna Pedra 90, que fez muito sucesso. Havia também Amylton de Almeida, Barreto (um policial que era ao mesmo tempo repórter de Polícia), Mariângela Pellerano, Maura Fraga, Jorge Luiz de Souza, Paulo Torre, Hesio Pessali, Erildo dos Anjos, Tinoco, que era revisor.

Eu cheguei nO DIÁRIO devagar. Comecei nA Tribuna em 1963, como fotógrafo, tendo sido o primeiro repórter fotográfico do Espírito Santo. Nessa época, A Gazeta tinha um contrato com um estúdio, que só fazia foto pra ela.

Cheguei nO DIÁRIO como fotógrafo dos cadernos do Edgard, que pagava mais do que ganhava o pessoal da redação. Levei pra lá minhas máquinas, o laboratório fotográfico foi instalado e o jornal começou a fazer sucesso estampando na mesma edição (pela primeira vez na imprensa capixaba) fotos relativas ao fato noticiado. Na véspera de sua posse como governador, Christiano Dias Lopes Filho anunciou seu secretariado na Praia da Costa, às 8 da noite. Nós fomos lá, fizemos as fotos e publicamos no outro dia. Enquanto isso, A Gazeta noticiou o fato e anunciou que daria "total cobertura fotográfica no dia seguinte". E nós já estávamos publicando as fotos. Foi um escândalo.

Naquela época os jornais funcionavam com clichês. O DIÁRIO já tinha sua própria clicheria. Só não tinha o laboratório, que montaram quando eu cheguei, nem as câmeras, que eu levei. Nessa época, eu me meti a fazer reportagem também, trabalho que foi me atraindo cada vez mais.

Um fato marcante do período foi a chegada de Paulo Makoto, um fotógrafo do Rio. Ele tinha vindo ao Espírito Santo fazer um free-lance cobrindo um seminário sobre desenvolvimento promovido pelos Diários Associados do Assis Chateaubriand, e aqui pegou uma hepatite. Quando eu o descobri, ele estava numa pensão, doente, sem dinheiro. Já tinha vendido praticamente todo o seu equipamento fotográfico para pagar o tratamento. Aí eu o levei para O DIÁRIO, onde ele passou a cobrir Polícia, que era o grande assunto do jornal naquele período. Na verdade, o Makoto fazia entre 80% e 90% das fotos publicadas pelO DIÁRIO na época.

O jornal sempre publicava matérias sobre o Esquadrão da Morte, muitas feitas por Gerson Camata, que também trabalhava na Rádio Vitória e chegou a receber ameaças de gente envolvida com o esquadrão.

A fase em que O DIÁRIO pode ser classificado como academia de jornalismo se inicia com Cláudio Bueno Rocha, que dirigiu com grande talento uma equipe igualmente talentosa estruturada por ele praticamente a partir do nada. Tinha coisa que só acontecia no O DIÁRIO daquela época. O José Casado, por exemplo, hoje um dos jornalistas de maior destaque nO Estado de São Paulo, foi à redação para devolver um livro que tinha pegado emprestado de alguém. Como todo dia aparecia gente nova na redação, o pauteiro pensou que ele fosse um dos novos repórteres e entregou uma pauta para ele. Ele pegou a pauta, saiu e fez a matéria, passando a trabalhar no jornal. Hoje é um grande jornalista.

Para ilustrar as matérias nacionais, um hábito dO DIÁRIO na época era fotografar o Jornal Nacional. Assim que o Cid Moreira aparecia na tela, um fotógrafo ia pra frente da TV providenciar o material que faltava para a edição do dia seguinte. Além disso, a gente pirateava a UPI (United Press International), que mais tarde o jornal passou a assinar.

MILITARES

Em certa época do regime militar, o jornal só circulava depois que um exemplar fosse mandado a exame do 3° BC (Batalhão de Caçadores), hoje 38° BI (Batalhão de Infantaria). O major Romão lia e liberava. Uma vez, O DIÁRIO ia veicular um encarte sobre um festival de música. Só que não mandaram o material para o 3º BC. Os militares enlouqueceram e foram para o jornal prender Cacau. O motivo era uma ampla matéria do Rubinho, com todas as músicas do festival, algumas delas de protesto contra a situação política do País. Os exemplares do jornal inclusive foram usados durante o festival para o público acompanhar as apresentações, como se fosse uma espécie de programa.

Eu tinha viajado para fazer uma matéria em Guaçuí e, não me encontrando, levaram o Cacau. Depois disso, começou a censura prévia dentro da própria redação, através do Mazziero e do Romão, mais tarde chefes na Polícia Federal.

Quando foi decretado o AI-5, aconteceu um episódio inesquecível pra mim. Na redação foi um pânico, porque O DIÁRIO era um jornal muito visado, com muita gente de esquerda, muitos garotos do movimento estudantil. O Cacau já estava querendo deixar a direção do jornal, inclusive porque esse pessoal do movimento estudantil, que era um pessoal amadorista, não respeitava direção nenhuma. Botava as matérias que desse na telha, e o Cacau ficava doido. Quando foi editado o AI-5, Cacau falou: "Não sou mais diretor disso. Tô fora".

Nós da redação ficamos reunidos, esperando terminar uma reunião onde se discutia o que fazer diante da nova situação. Participavam dessa reunião Edgard, Jakaré, Cacau, Marílio, que era uma pessoa de prestígio, e Adam Emil, que secretariava e pautava o jornal. Quando terminou a reunião, nós falamos:

- Marílio, você tem que assumir a direção.

Ele não aceitou:

- Eu não posso porque sou funcionário da Assembléia. Para assumir eu teria que pedir demissão da Assembléia e eu não vou fazer isso.

Adam Emil também não topou:

- Eu não posso porque sou comunista.

Todos naquela tensão, ouvindo o noticiário. Aquelas ameaças todas, aquela expectativa terrível. Os militares não gostavam da imprensa, principalmente dO DIÁRIO. Meia noite e meia. Edgard puto:

- Tem que ter diretor. Algum jornalista vai ter que assumir.

Eles pediram para ninguém sair da redação.

Aí eu entrei na sala da direção e falei:

- Põe meu nome pelo menos para amanhecer e amanhã vocês arrumam outro, mas deixa a gente ir embora.

- Pode botar o seu nome?

- Pode.

Foi a primeira vez que alguém botou ordem nO DIÁRIO. Não que tenha mudado a cara do jornal, porque eu não tinha capacidade para isso. Mas organizei a redação, colocando um pauteiro, chefe de reportagem e criando uma estrutura setorizada. Pelo menos a gente sabia qual matéria ia sair, não era mais aquela bagunça. Levei pra lá o Paulo Maia. O Pedro Maia virou editor de Polícia.

Carmélia era a editora do noticiário internacional, que em certa época era praticamente todo ele pirateado da UPI. Alguém botava o fone no ouvido e ia datilografando os textos em pequenas laudas, semelhantes às utilizadas em rádio. Quando o pessoal da Censura chegava, Carmélia pegava montes e montes daquele material e dava para eles lerem, antes de fazer qualquer seleção. Não havia espaço para publicar nem um décimo daquilo. Ela fazia isso só de sacanagem, para dar mais trabalho aos caras.

HORÓSCOPO

Numa época em que havia um só carro para servir o jornal todo, Edgard, que morava em Carapina, fazia questão de receber o jornal em casa. Eu mandava levar o jornal na casa dele e ficava a pé quase o dia inteiro, inclusive porque também tinha que mandar o jornal para o quartel do Exército, em Vila Velha. Ficava doido, sem carro na redação. Um dia, eu comentei com o motorista, e ele me disse:

- Pior, Rogério, é que ele não lê coisa nenhuma. Quem lê o jornal é a empregada, que só quer saber do horóscopo. E ela faz cegamente tudo que o horóscopo manda.

Aí, resolvemos nos vingar. No dia seguinte, o horóscopo (que era feito por Carmélia e Maura) trazia esta jóia: "O Edgard grita muito alto. Não entendo como você aceita os gritos do patrão. Ele é igual a você. Aliás, você é melhor do que ele, porque é mais honesta." Aí a mulher começou a gritar com Edgard. Empregada há mais de dez anos na casa dele, de repente um dia chamou Edgard de moleque. Edgard pagava a ela dois salários mínimos. Um dia, nós publicamos: “Você acha que dois salários mínimos é bom? Você vale cinco."

Como ela se guiava pelo horóscopo, pediu aumento. Um dia, Edgard chegou puto da vida na redação:

- Quero saber quem é que faz essa droga de horóscopo. Acabou o horóscopo. Não tem mais a partir de amanhã. Não quero mais saber. A minha empregada está ficando louca.

Então nós contamos a ele.

NA DIRETORIA

Uma história interessante é sobre como me tornei diretor dODIARIO. Depois do incêndio de 1969, Edgard e Jacaré se tornaram donos do jornal. Mas sempre que precisavam tomar uma decisão, eles brigavam muito. Um dia, os dois chegaram à conclusão de que só tinha um jeito de acabar com a briga: haver uma terceira pessoa, como juiz. Pegaram 6% do jornal e me deram, ficando com 94%. Quando havia um impasse, eu era chamado a decidir quem estava com a razão.

Um dia eu me enchi:

- Olha, esses 6% não me valem nada. Toma de volta que só me dão trabalho. Briguem a vontade.

- Nada disso. Ruim com você, pior sem você.

Então eu fiquei com os 6%.

O SECRETARIADO

Em 1969, comecei a fazer uma coluna muito lida, principalmente nos meios políticos. Não que desse grandes furos de reportagem. Mas publicava os fatos, o que não era feito pelos outros jornais. Por exemplo: quando Arthur Carlos, que era um ilustre desconhecido, foi escolhido governador, comentei na coluna que o processo cheirava a eleição espúria. O presidente da República, ditador, nomeava um governador. O governador pegava um carro, corria o interior e ia entregando o mando, indicando os deputados federais e os deputados estaduais que queria.

No período anterior à posse, o secretariado era um grande mistério, alimentado pelo próprio Arthur Carlos, que só divulgaria os nomes no dia da posse. Sabendo que ele trabalhava na Codes, que antecedeu o Bandes, dei uma grana para o contínuo, que todo dia me entregava o lixo do Arthur. Eu emendava aqueles pedacinhos de papel rasgado e fui montando o quebra-cabeça. Alguns dias antes da posse eu já sabia quem seriam os secretários, mas não especulei na coluna. Arthur repetia que só daria o nome dos secretários no dia da posse. Quando chegou na véspera, eu fiz a matéria dando o nome do secretariado. Ele ligou para o jornal querendo segurar a matéria. Eu havia trabalhado um mês naquilo e resisti. Foi uma briga feia noite adentro. Meia noite, o Edgard comprou minha briga: a matéria sai. Foi um escândalo. Uma paulada nA Gazeta.

Quando Arthur chegou na Assembléia, os deputados reunidos, o (Theodorico) Ferraço pegou O DIÁRIO e perguntou:

- Governador, o secretariado é o do Rogério?

- É. Infelizmente é.

A BOA FASE

Quando Cláudio Bueno Rocha (CBR) chegou nO DIÁRIO, veio com uma tremenda fama de talento e erudição. Até roteiro para leitura de James Joyce ele já tinha escrito. Nessa época, eu era considerado um bom fotógrafo, mas não tinha uma reputação tão boa como repórter por causa do meu texto. Antes de trabalhar em jornal, fui técnico em administração e fiquei na época com um estilo semelhante ao dos relatórios. Pensei: estou lascado, o cara é fera e vai me deixar só na fotografia. Mas aconteceu o contrário. Para mim como jornalista, CBR foi uma dádiva do céu. Ele me chamou e disse:

- Cara, você é o melhor repórter desta cidade.

Pensei: "tá me gozando". Mas aí ele disse que eu era muito bom na apuração, precisando apenas melhorar a forma de escrever. Me explicou o que era lead, sub lead, intertítulo. "Você deve publicar o essencial e tirar as bijuterias", ensinou. E me deu muitas outras lições.

Aí, eu comecei a evoluir, da mesma forma que O DIÁRIO e o jornalismo capixaba.

Além dessa contribuição, Cláudio começou a construir salários, a dar formato à redação, criando editorial: a mostrar como fazer notícia e reportagem. Antes de vir para o Espírito Santo, ele participara da reforma editorial e gráfica do Jornal do Brasil, tendo trabalhado também no Diário Carioca, na época um dos jornais mais modernos do País. Era um cara de alto nível que, aqui chegando, deixou todo mundo despido, expondo as fragilidades técnicas de todos. Isso criou uma tremenda má vontade contra ele de uma parte da redação, onde havia um pessoal muito difícil. Esse pessoal já tinha derrubado Marílio Cabral e vários outros editores. Agora, os caras queriam derrubar o CBR.

Num determinado momento, não deu mais para ele continuar como chefe de redação. Em primeiro lugar porque ele não tinha muita saúde, tinha vindo do Rio para A Tribuna com uma lesão cardíaca, por recomendação médica, porque Vitória era um lugar mais tranqüilo. Em segundo lugar, o Cláudio não sabia dirigir. Ele era um intelectual.

A rebelião estava muito forte. Aí Edgard me chamou:

- Ou você vira diretor responsável e o Cláudio fica como editor do jornal, ou o Cláudio vai cair.

Aí, eu - que continuava diretor da empresa de direito por causa dos 6% das ações que Edgard e Jakaré tinham me passado - assumi de novo a direção do jornal.

O ARQUIVO E A LIXEIRA

Essa época tem outros momentos dignos de registro. Na redação tinha um cara que chegava e botava o revólver em cima da mesa enquanto fazia as matérias. O jornal era pequeno, a redação tinha duas ou três salinhas. Eu queria fazer um arquivo fotográfico, mas os poucos armários estavam ocupados com coisas desse cara e de outras pessoas. Eu cheguei e pedi, no início da semana:

- Olha, estou pedindo a quem tem qualquer coisa nos armários para tirar porque no sábado eu vou ocupá-los com o arquivo fotográfico.

Na terça-feira ninguém havia tirado, na quarta também, e eu fui me aborrecendo. Ninguém tirou coisa nenhuma. Era um desafio. Eu insisti:

- Olha, vou jogar fora tudo que ficar aí dentro.

Aí começaram a tirar. Esse rapaz que botava o revólver em cima da mesa não tirou. Chegou o sábado, eu chamei o contínuo e falei:

- Desce essa porcaria.

Rasguei tudo dele, até escritura da casa. Era de manhã, houve um crime na Serra. Como não havia ninguém, peguei o carro, a máquina e fui fotografar. Quando voltei, o espetáculo era gozadíssimo: o sujeito com a cara na lixeira, que era um tonel de óleo, procurando as coisas dele. O contínuo me esperando lá em baixo:

- Rogério, ele vai te matar.

- Mata coisa nenhuma.

IÚNA

O DIÁRIO, um jornal de oito páginas, não tinha lugar para grandes reportagens. Mas eu me lembro de matérias que trouxeram prestígio para o jornal, como uma sobre a criminalidade em Iúna. Mostramos que, na época, Iúna tinha o maior índice de criminalidade do Brasil. A manchete foi a transcrição de uma frase dita por um morador: "Iúna não tem cinema porque o bang-bang é ao vivo". Aí, Iúna se rebelou contra O DIÁRIO.

PROFISSIONALIZAÇÃO

Nós éramos repórteres por intuição. Ninguém sabia fazer reportagem no Espírito Santo de acordo com a técnica jornalística. Outro fator que dificultava a profissionalização era a questão salarial. Quem cobria a Prefeitura, recebia por um comitê. Na Câmara e na Assembléia, era a mesma coisa. Através desses comitês os jornais iam localizando seus repórteres. O DIÁRIO também era assim. O jornal pagava uma mixaria pro pessoal que estagiava. Se, de repente, alguém se destacava, arrumava-se lugar pra ele numa Câmara, numa Prefeitura. A remuneração da Assembléia já tinha uma expressão maior, incluindo até um adicional para o repórter comprar terno. Mas isso era privilégio dos cobras. Os iniciantes recebiam pequenas gratificações, vales. Para um cara novo, garotão, qualquer dinheiro era dinheiro. E o fato de ser jornalista dava status.

As colunas predominavam no jornal. Eu, por exemplo, quando cresci nO DIÁRIO, virei colunista político, assinando a coluna Panorama. Nessa época, o Edgard começou a profissionalizar, pagando salários regularmente. O DIÁRIO fazia sucesso: era um jornal cheio de manchetes, com uma boa apresentação, além de conteúdo. Cacau Monjardim assinava uma coluna de economia, Cadeira Cativa, que tinha picaretagem, mas também tinha informação.

Na área política, os jornais eram todos subsidiados pelo Governo de Christiano Dias Lopes. Na minha coluna, que no início não era assinada, eu brigava contra a censura, o que enlouquecia o Jakaré. Edgard, que era um cara inteligente e tinha intuição, sentia a resposta que vinha na receita e no prestígio do jornal. Chegou a um ponto em que a briga entre Jakaré e Edgard era constante: o Jacaré não querendo tirar o jornal da asa do Governo e o Edgard querendo. Um dia quiseram censurar minha coluna, e eu disse que ia embora.

O Christiano chamava o Edgard e mandava tirar, falava que não queria. E eu, atrás de notícia política. Havia um grupo de deputados rebeldes dentro da Arena, chamado Cupim de Aço, ao qual eu dava cobertura por ser a coisa mais importante dentro da Assembléia e de todo o noticiário político: era a dissidência no Governo. Como a Assembléia fervia com o noticiário, o Christiano pressionava cada vez mais. Um dia eu disse ao Edgard:

- Põe outro pra fazer a coluna.

- Não, assina e assume.

Eles tinham um método de tirar a responsabilidade deles: era o autor assinar. Eu assinei a coluna durante todo o governo de Christiano, que ficava enlouquecido - embora eu não o criticasse. O que eu fazia era noticiar o que estava acontecendo.

Uma história interessante aconteceu no Governo Arthur Carlos, quando o Cláudio programava o jornal. Ele chegava cedo, dava idéias de pauta, e eu tocava. De tarde ele vinha, fazia o editorial, reescrevia alguma coisa e fechava. O Cláudio, que era muito amigo do Arthur Carlos, se apaixonou perdidamente pela Mariângela Pellerano e deixou de aparecer no jornal, o que significava mais trabalho para nós. Aí nós começamos a sacanear com ele, fazendo editoriais com porrada no governo e citações de Joyce, seu autor preferido. Ai se criou um clima ruim entre ele e o Arthur Carlos, e ele voltou.

Outro momento interessante foi quando o Cláudio fez uma rodada de palestras com o pessoal do Jornal do Brasil. O JB era a coisa mais moderna do jornalismo brasileiro. Os editores vinham falar pra nós, no Teatro Carlos Gomes. Um dos fotógrafos era Barreto, e mandamos ele fotografar o Alberto Dines. Mas não tinha flash. A solução foi encontrada pelo próprio Barreto, que contou com a colaboração do iluminador do teatro. Barreto ficou olhando pra ele. Quando o Dines olhou pro Barreto, Barreto olhou pra cima, o funcionário do teatro acendeu as luzes e Barreto fotografou.

LADEIRA ABAIXO

Eu defendia a tese de que A Gazeta estava fazendo o desmonte dO DIÁRIO. E isso seria altamente prejudicial para a categoria. Nós íamos ficar sujeitos a um jornal só. A tiragem dO DIÁRIO estava encostando na dA Gazeta, que comprou uma impressora off-set como uma das formas para ganhar a competição, pois com isso melhorou 100% sua apresentação.

Depois, A Gazeta, que já tinha contratado José Carlos Correa, levou dO DIÁRIO o Cláudio Bueno Rocha e o Rosental Calmon Alves.

Quando A Tribuna foi comprada pelo Grupo João Santos e contratou o Plínio Marchini para organizar a redação, ele levou a equipe quase toda dO DIÁRIO. Eu fiquei na Rua Sete fazendo um jornal popular, com matérias de polícia, esporte, problemas de bairros e colunas como a Cidade Aberta, do Pedro Maia. Numa ocasião em que Barreto foi preso, produzia todo dia material diretamente da cadeia. O DIÁRIO continuou vendendo, embora A Tribuna tenha explodido como um jornal de qualidade. Fui ao Rio conversar com uma firma disposta a financiar uma off-set a longo prazo, mas a operação acabou não se concretizando.

Resisti muito às ofertas do Cariê - que vivia me oferecendo um ótimo salário para ser chefe de reportagem nA Gazeta, mas acabei aceitando.

OS SEIS POR CENTO

Quando o jornal foi vendido pelo Edgard, aconteceu uma história ótima. Os compradores eram quatro: Américo Buaiz, Otacílio Coser, Cariê e Chrisógono Cruz. Numa conversa, o Cariê me falou:

- Nós vamos fazer um vespertino. Cada um de nós tem 25%.

Eu falei: - Tem um que tem 19.

- Como 19? Todo mundo tem 25.

- Um tem 19, porque eu tenho 6, e não vou vender.

Otacílio Coser me chamou:

- Eu dou um fusca nos seus 6%.

Era um fusca do ano anterior, com 32 mil quilômetros rodados.

- Não, eu quero ser sócio de vocês.

Era uma burrice: um pobretão querendo ser sócio de ricos.

- Rapaz, leva o fusca e não dá trabalho. Se não, você vai acabar dando trabalho pra gente.

Como eu não concordei, eles elevaram o capital lá pras alturas e me chamaram para integralizar a minha parte. Como eu não tinha condições, os meus 6% viraram zero vírgula zero zero zero zero zero um por cento.

 

Fonte: O Diário da Rua Sete – 40 versões de uma paixão, 1ª edição, Vitória – 1998.
Projeto, coordenação e edição: Antonio de Padua Gurgel
Autor: Rogério Medeiros
Compilação: Walter de Aguiar Filho, abril/2018

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