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Afonso Cláudio folclorista – Por Ester Abreu

Capa do Livro: Sesquicentenário do nascimento de Afonso Cláudio (1859-2009)

Ester Abreu Vieira de Oliveira – (Cadeira 27)

O escritor Afonso Cláudio de Freitas Rosa, PATRONO DA CADEIRA 27, da ALES, foi advogado, historiador, político capixaba, qualidades já mencionadas aqui pelos palestrantes que me antecederam nesta comemoração do sesquicentenário do seu nascimento, mas foi também folclorista e poeta.

O Prof. Dr. Estilaque Ferreira dos Santos o determinou como "um escritor prolixo, de inteligência invejável, aguerrido na causa contra o sistema escravocrata, dinâmico, e entusiasta em todos os seus empreendimentos".

Afonso Cláudio formou-se em Direito em Recife e no Espírito Santo exerceu o cargo de desembargador do Tribunal de Justiça do ES, participou do movimento republicano e atuou na política, onde foi o primeiro governador (em 1889) depois de ser proclamada a República. Foi professor de Direito Romano, Administração Civil e Penal Militar na Faculdade de Niterói e advogado no Rio de Janeiro.

Afonso Cláudio nasceu em Santa Leopoldina, em 02 de agosto de 1859 e faleceu no Rio de Janeiro em 16 de junho de 1934. Além de Patrono da Cadeira 27, foi ocupante, nesta Academia, da Cadeira 01, cujo patrono é Marcelino Pinto Duarte e o atual ocupante o acadêmico Ferdinand Berredo de Menezes.

Hoje, são 40 as Cadeiras desta Academia, mas quando foi fundada, em 04 de setembro de 1921, possuía apenas 20 membros. Em 18 de julho de 1937, foi filiada à Federação das Academias de Letras do Brasil e foram preenchidas as vagas dos falecidos acadêmicos e, em 1938, o número de Cadeiras de 20 elevou-se para 30. Nessa ocasião, prestou-se uma homenagem a Afonso Cláudio, colocando-o como patrono de uma nova Cadeira, a 27. Para ocupá-la, por primeira vez, foi designado o desembargador Eurípedez Queiroz do Valle. Depois dele, ocuparam essa Cadeira Elmo Elton e Roberto Almada e, presentemente, sou eu a ocupante.

Afonso Cláudio fez o seu curso primário em sua cidade natal. O secundário e o superior ele os realizou em Vitoria, Rio de Janeiro, Recife e São Paulo. Em Recife, fez amizades com pessoas que se tornariam representativas no Brasil, tais como: Gumercindo Bessa, Clóvis Bevilaqua, Faelante da Câmara, Tobias Barreto e Sílvio Romero, a quem mais tarde dedicou a sua História da Literatura Espírito-santense e por quem mostra a sua admiração por meio de seu trabalho de folclorista, dizendo, em Trovas e cantares, que essa obra era uma pequena contribuição para o Folclore Brasileiro, empresa a que "[...] votou o melhor de sua existência e do seu saber extraordinário o inesquecível Silvio Romero". (p.16). Tanto Sílvio Romero como Tobias Barreto foram seus instigadores, ou modelos, para o seu trabalho de folclorista.

Sua obra História da Literatura Espírito-santense, publicada por primeira vez em 1912 e reeditada, fac-símile, em 1981, pelo Xerox Brasil, teve um objetivo patriótico e divulgador, pois nela se nota o desejo de apresentar a identidade cultural do nosso Estado. Suas palavras explicativas mostram o orgulho patriótico e o valor que dava à obra, dizendo que ela serviria para a "causa das letras da minha Pátria e em particular do meu torrão natal..."

Fruto de devotada pesquisa e de importância para a história literária de nosso Estado, História da Literatura Espírito-santense traz, junto à história de poeta e prosadores, alguns folclores capixabas em contos como os das facetas dos animais inseridos no capítulo que dedica a Cândido Vieira da Costa.

Nessa obra, são alguns exemplos da inclusão do labor de folclorista de Afonso Cláudio:

A observação crítica que ele faz da historiografia brasileira que não dava a ênfase devida às "lendas e mitos" e aos "os contos tradicionais populares e religiosos" (p. 138).

O capítulo que dedica a João Luis Fraga Loureiro, quando menciona a habilidade deste em recitar os versos heróicos dos Bandos de Santo André.

Os comentários que tece sobre a ocasião em que eram recitados os bandos nas festividades da Serra.

A explicação que dá sobre a origem histórica dos costumes dos Bandos "afixos em manuscritos às portas dos edifícios por ordem dos capitães-mores".

A inclusão dos versos que Candido Vieira compunha nas festas de São Benedito. (p. 119-121).

Clóvis Ramalhete, no prefácio à edição fac-similar de 1981, da Biblioteca Reprográfica Xerox, para a obra Historia da Literatura Espírito-santense, escreve que "Afonso Cláudio cria, paralelo à história de poetas e prosadores, um repositório de folclore da terra capixaba" e diz que Afonso Cláudio, pesquisando a historia literária, "por detrás dela descobriu o povo [e] fundou os estudos de folclore neste País, com antecipação que hoje desperta [...] justificada admiração". Assim, com essa obra, pode-se recuperar a memória literária do nosso Estado colocando a nossa literatura na evolução do pensamento Geral do Brasil".

Afonso Cláudio foi um aguerrido político com idéias republicanas. Daí ser um abolicionista e fundador da Sociedade Libertadora Domingos Martins. Sensibilizado pela causa da liberdade, dos direitos humanos, em artigo em praça publica e na imprensa de Vitoria, conclamava a todos pela extinção da escravatura. Escreveu A Insurreição dos Queimados, onde relata a crueldade das forças militares contra um quilombo em nosso Estado, no município da Serra. O tema foi desenvolvido, na dramaturgia capixaba pelo Prof. Luiz Guilherme Santos Neves.

Liberal nas idéias, dedicou-se à luta em prol da proclamação da República em nosso Estado, por esse seu desempenho é que foi escolhido pelos republicanos para ser o primeiro governador do nosso Estado. Infelizmente, dez meses depois da posse, teve de abandonar o cargo por impedimentos da saúde. Escreveu obras de Direito, de História e de critica, de sociologia, de etnografia e fez vários discursos. Entre os seus livros publicados de 1885 a 1923 estão: A Insurreição do Queimado (critica histórica); História da Literatura Espírito-Santense; História da Propaganda Republicana; Biografia do Dr. João Clímaco (critica bibliográfica); Bosquejo Biográfico do Dr. Clóvis Bevilaqua; As Tribos; Negros importados e sua distribuição no Brasil; Os grandes mercados de escravos; Comentário à lei da organização judiciária do Estado do Espírito Santo; Guia Oficial do Registro Civil; Estudo de Direito Romano; Filosofia do Direito; Trovas e Cantares Capixabas, onde Afonso Cláudio, seguidor de Sílvio Romero, colocou no papel suas lembranças de menino da Fazenda Mangarai, em Santa Leopoldina.

Cabe-me falar da atuação de Afonso Cláudio como folclorista, mas pela prolixidade desse escritor e importância para o nosso Estado, procurei resumir o seu trajeto literário em outras áreas, muitas delas aqui já nomeadas. Se nas obras relacionadas ao Direito, mostrou-se o jurista talentoso, que abordava leis romanas, internacionais e nacionais, nas relacionadas à história, apresenta-se como um crítico competente e, segundo o professor Estilaque Ferreira dos Santos, um criador da identidade negra no Espírito Santo. Quanto às obras referentes à política, revela-se um humanista, um estadista, como disse Francisco Aurélio, "uma ponte entre a modernidade e o futuro, um profeta da modernidade", "um ícone de nossa invenção democrática". Mas nas obras que Afonso Cláudio trata do folclore capixaba, ele se apresenta como um cientista e um amante das manifestações folclóricas. Enfim, em todas as áreas em que atuava Afonso Cláudio era um pensador militante, um "precursor", como já disse Francisco Aurélio. E nas palavras do Prof. Guilherme Santos Neves (1980):

“Colhendo, com mão segura, em tantas searas do conhecimento humano, estranhável seria não versasse Afonso Cláudio, da mesma forma e com o mesmo interesse, os estudos do folclore [...] Ninguém, antes de Afonso Cláudio, focalizara o folclore capixaba com aquele quê científico e sério por ele aprendido principalmente através das lições de seu colega e amigo Sílvio Romero e de seu mestre Tobias Barreto. Por certo, suas caminhadas através da história, da sociologia e da etnografia o levaram a esta outra ciência do Homem, cujos atalhos iniciais ele abriu em terras do Espírito Santo.”

O folclore, isto é, a sabedoria popular, palavra de origem inglesa, da união de folk (povo) e Iore (sabedoria popular) é o conjunto de crenças, lendas, superstições, festas, artes e costumes de um povo, passados, geralmente, de geração em geração, por meio de ensinamentos e de participação real dos festejos e dos costumes, mas que se transforma no contacto entre culturas diferentes, por isso a herança folclórica deve ser bem administrada e para manter vivo o folclore regional realizam-se festejos, exposições de arte e determinam-se datas festivas.

As crendices e tradições se transmitem através de lendas, cantos, provérbios, canções, danças, artesanatos, jogos, religiosidade (orações e benzimentos), brincadeiras infantis, mitos, adivinhações, festas e outras atividades culturais que nascem e se desenvolvem com o povo. Por isso a autoria de seus componentes é anônima.

Afonso Cláudio conhecia a força do folclore na conservação da cultura do Espírito Santo, por isso organizou o livro Trovas e Cantares Capixabas (1923), pioneiro de copulação do folclore espírito-santense. Mas deu-lhe um ar científico, porque seu trabalho não foi o resultado de uma mera inserção de textos, mas de um minucioso estudo com notas explicativas. Essa obra foi reeditada por órgãos governamentais e trouxe uma introdução e notas do Prof. Guilherme Santos Neves, o nosso grande estudioso do folclore e estimulador desse veículo de conservação da cultura regional. Sobre a importância dessa obra, na ocasião de sua republicação, em 1980,  Bráulio do Nascimento, diretor do Instituto Nacional do folclore, nessa época, disse que "publicada há mais de meio século, tornou-se um documento raro de difícil acesso aos estudiosos", logo se impunha uma publicação "[...] não apenas pela importância do conteúdo, mas também pela necessidade de que as novas gerações conheçam e avaliem o trabalho [...]" (p. 07)

Afonso Cláudio quis registrar o folclore do Espírito Santo por reconhecer a sua força dinâmica. Segundo ele "[...] os contactos entre povos diferentes, ainda que por tempo limitado, sempre deixam um resíduo que persiste e lhes sobrevive quando cessam". (p.21). Para ele o indivíduo só existe no social.

Na introdução de Trovas e cantares cita como exemplo o caráter, os costumes e hábitos do "crioulo", cruzamento do africano, ou branco ou índio, que com esse cruzamento e influenciado pelo meio em que atua, adquire aptidões diferentes das do africano e adquire a dupla influencia em sua etnia. Assim escreve retratando o "crioulo":

[...] compraz-se na liberdade e na licença; prefere o trabalho em comum ao isolado; mais depressa se liga à mulher de cor parda ou branca do que à negra; nos seus folgares e descantes, a figuração das danças e temas dos desafios não conservam a monotonia dos sambas, nem o regougo simiesco do canto avoengo. (p. 21)

Em sua coleta e publicação de textos folclóricos, procura apresentá-los com maior fidelidade não só colocando notas explicativas como também procurando conservar, em forma ortográfica, numa tentativa de reproduzir foneticamente o modo de falar do povo. Segundo sua opinião (transcrita pelo Prof. Guilherme Santos Neves p.13) a conservação da ortografia é "consoante ao modo por que foram as quadras escritas "e [...] a poesia inculta para ser estudada não consente a menor alteração. A simples correção de um vocábulo pode importar a destruição do ritmo de um verso e por isso julgamos imprescindível o cunho original". Com esse trecho comprovamos o que dissemos sobre o caráter científico que deu à Trovas e cantares.

Quando, aos 64 anos, publicou essa obra. segundo a sua filha Judite Freitas de Almeida Melo (1980, p. 10), demonstrava um entusiasmo de um jovem "cantando quadrinhas, interpelando vários portadores de folclore, fazendo ressurgir lembranças que lhe brotavam do subconsciente...". Afonso Cláudio disse que escrevia em colaboração com o Prof. da Escola Normal do ES, Elpidio Pimentel, e que deixava para uma outra publicação explicações e interpretações de outros textos. Ele justificou essa diminuição pelo problema da publicação: o preço do papel, a impressão e a mão de obra. Também explica que o leitor poderá nessa obra imperfeita reconhecer a contribuição que a ela dava "para o levantamento do edifício maior, o folclore Brasileiro".

A obra Trovas e Cantares Capixabas está dividida em 4 partes.

Na primeira, estão as glosas, as cantigas de salão e de brindes.

As cantigas de salão eram produções poéticas do final do século "cantadas ou recitadas nos salões espírito-santenses, com acompanhamentos de cravo, espineta, violão, guitarra e bandurra", que se tornaram populares "nos cantares da rua, nas serenatas e passeios marítimos e fluviais e nas festas nupciais, etc". (1980, p. 110).

Afonso Cláudio explica que as saúdes (brindes) eram improvisadas, podiam ser cantadas ou recitadas, e os "bardos" eram as pessoas mais instruídas do lugar. Exemplificamos com uma "saúde" por motivo de casamento: (1980, p. 41):

Unido pelo himeneu

Aqui está um par ditoso;

Neste dia jubiloso

Em que ela se prometeu

Por consorte ao venturoso

Mancebo que a desposou;

Venham os cantores e flores

Consagrar laços de amores

Que esta festa consumou.

 

Enquanto eu no alaúde,

Canto, bebendo à saúde

Dos bem-casados de agora.

Venha de vinho um almude

Do melhor e do mais puro.

Seja de rosas senhora,

Vosso caminho futuro.

 

Na obra Trovas e cantares, nos versos de salão, encontra-se o poema anônimo O treno do Beija-flor (p. 33-34), no qual descreve delicadamente o vôo desse passarinho e transcreve o seu diálogo com uma rosa e um botão e o seu pedido de perdão às flores pela necessidade que tem de se alimentar. Seguem as primeiras estrofes:

 

Travesso colibri vi num jardim,

Rufiando as asas junto a flor mimosa,

Ali sorvendo o néctar do jasmim,

Aqui em torno dum botão de rosa.

 

Penas recurvas, a tremer, louco febril,

Qual se alcançara traiçoeiro espinho;

E depois, num adejo rápido, sutil,

Entre rosa e o botão pousou mansinho.

 

Pende a rosa ao peso do tirano

Que o dorso lhe verga, e o botão erguido

No hastil, que o mantém altivo e ufano,

Como que deixa escapar leve gemido!...

 

-Filho, sofres?... alguma dor pungente?

Indaga a rosa e o rebento lhe responde:

-Não vês como se queda este insolente,

Que as suas intenções tão mal esconde?

 

Murmura o beija-flor: - Formoso entre formosos!

Se amas a quem te embalou no seu regaço,

Ouve deste peito os sons angustiosos

Da confissão que sem malícia faço. [...].

 

Segundo Afonso Cláudio em nota explicativa (p. 100), esse poema é "sem par na lírica espírito-santense e uma das mais belas da lírica brasileira pela delicadeza, colorido e graça, quer da concepção quer da execução". Ele valoriza os trovadores locais por serem "contemplativos da arte de dedilhar a lira para aliviar o coração de momentâneas aflições".

Na segunda parte, de Trovas e cantares, há algumas poesias anônimas, versos satíricos em forma de décima, diálogo ou solilóquio, que nos lembram cantigas de mal dizer dos Cancioneiros Medievais, sátiras à Bocage. Como exemplo indicamos Solilóquio do Penedo, onde estão umas estrofes de crítica ao capixaba e a políticos. (p. 57). Nessa parte estão algumas poesias anônimas.

Na terceira parte, há poesias populares, religiosas, orações, provérbios e advinhas e na quarta, contos populares e místicos.

Afonso Cláudio classificava como atividades folclóricas não só os contos, danças, desafios, motes, glosas, festas religiosas com procissões e leilões, mitos, puxada de barcos, fincamento de mastros em louvor a santos, regatas, mas também saúdes (saudações) em datas de aniversário, batizados e nos casamentos, nos improvisos cantados ou recitados que se procuram festejar em reuniões. Isso se deve ao fato de nosso autor conceber acertadamente o folclore dentro de uma ampla manifestação dos sentimentos populares.

 

Referências

CLAUDIO, A. Trovas e Cantares Capixabas. Introdução e notas de Guilherme Santos Neves. 2. ed. Rio de Janeiro: MEC-SEAC-FUNARTE, Instituto Nacional do Folclores, 1980. 

História da Literatura Espírito-Santense. Prólogo de Clovis Bevilaqua. Rio de Janeiro: Xerox, 1981.

Disponível em: www.estacaocapixaba.

 

Fonte: Sesquicentenário do nascimento de Afonso Cláudio (1859-2009) - Revista da Academia Espírito-Santense de Letras
Autora do Texto: Ester Abreu Vieira de Oliveira
Compilação: Walter de Aguiar Filho, dezembro/2015

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