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Agapito - Por Sérgio Figueira Sarkis

Praça 8 de setembro - 1950

Agapito, nos idos tempos das décadas de 30 e 40, era uma figura folclórica de Vitória. Pau pra toda obra! Não tinha emprego; vivia de expedientes. Fazia ponto, diariamente, na Praça Oito. Levava recados, encomendas etc.

Honesto, eram confiadas a ele tarefas envolvendo dinheiro. Por isto, certa vez, meu tio Alcebíades Monjardim, após muitas tentativas frustradas de cobrança, tentando recuperar boa importância emprestada a um "amigo", contratou nosso herói para colar no pé do devedor e recuperar aquela grana.

Procurou o dito cujo no seu local de "trabalho", ou seja, na Praça Oito, e fez a proposta de dar a metade do valor do crédito se ele conseguisse receber. Agapito topou a parada. Pegou a promissória com o endereço do cidadão e foi ligeiro fazer a cobrança.

Achando fácil a tarefa, não usou de nenhuma estratégia. Chegando à porta da casa do devedor, chamou-o pelo nome várias vezes, anunciando em alto e bom som a razão daquela visita.

Macaco velho na arte de despistar credores, cobradores e outros mais, o fulano, é claro, não respondeu. Olhou pela fresta da janela e viu o Agapito. Alto e forte, impressionava pela estampa. Com medo, aí sim não atendia os insistentes chamados.

Cansado de gritar o nome do fulano, Agapito desistiu de chamá-lo e mudou de tática. Na certeza de que o mesmo estava em casa, sentou-se na soleira da única porta de acesso da residência e, pacientemente, ficou a esperar.

O Sol se pôs, veio a noite, raiou a manhã e Agapito lá, sentado, firme, aguardando. Foram vários dias e várias noites nessa situação. Agapito já tinha até encontrado um cantinho na soleira para cochilar.

Como Vitória, à época, era muito pequena, logo o fato virou o assunto do momento. Não se falava em outra coisa. Mas, passados alguns dias, o assunto foi morrendo. Tio Alcebíades, preocupado, foi então procurar o Agapito, para ver o que tinha acontecido.

Chegando à frente daquela casa, cadê o Agapito? Não teve dúvidas! Bateu na porta e o devedor apareceu. Tio Alcebíades, então, perguntou o que tinha havido. Agapito tinha tido sucesso na empreitada? Onde ele encontrava-se?

O devedor, com cara fechada, respondeu que, após vários dias encurralado em sua moradia, já passando fome, foi obrigado a abrir a porta para sair e comprar comida.

Agapito, por meio de força, o obrigou a liquidar a dívida. Como não tinha, naquele momento, todo o valor do débito, propôs pagar metade naquela hora e o restante na semana seguinte. Aceita a proposta, Agapito recebeu os 50% e foi embora. Tio Alcebíades, então, foi à casa do Agapito, para os devidos acertos. Encontrou-o refestelado numa poltrona da sala:

E aí, Agapito? Já soube ter você recebido metade do dinheiro. Vim pegar minha parte.

Agapito, com a cara mais cínica do mundo, respondeu:

— Recebi, sim, mas a minha parte. A sua, você procura receber diretamente, na semana que vem.

Sem comentários.

 

 

Nota do Autor: Há muito, pretendia escrever alguma coisa da minha memória, levando causos ocorridos comigo ou com outras pessoas que me foram transmitidos de forma agradável e hilariante. Meu dilema era: como fazer? não tinha início, nem meio e, muito menos fim. E, invariavelmente, vinha a preocupação deles perderem o charme quando expostos em texto.

Contados verbalmente, tem sabor diferente, agradando a que os ouve. E escritos? Conseguiria eu dar a entonação necessária, estimulando o leitor a continuar até o fim? Entre dúvidas e certezas, amadureci esta ideia anos. Até que decidi: vamos ver como fica! O resultado é este. Tirei da cabeça, coloquei no papel. Eu revisor deu uma boa arrumada.

Me perdoem aqueles que, envolvidos nos fatos, tenha esquecido de mencionar. E os citados não sintam-se ofendidos ou magoados. Minha intenção nunca foi esta.

Espero que gostem,

Sérgio Figueira Sarkis

 

Todo os direitos reservados ao autor.

Partes desta obra pode ser reproduzida por qualquer meio, desde que citada a fonte.

A foto da capa é de Paulo Bonino.

As fotos do miolo são do acervo familiar e de arquivos digitais públicos; as que fogem a isto têm suas origens identificadas junto a suas legendas.

As principais fontes de consulta para este trabalho, além da memória pessoal, foram os livros Os dias antigos, de Renato Pacheco, edição de 1998; A ilha de Vitória que conheci e com quem convivi, de Délio Grijó de Azevedo, 2001; Tipos populares de Vitória, de Elmo Elton, 1985; e, Coquetel de saudades, de Dario Derenzi, 1980.

Revisão, edição e editoração
João Zuccarato
DDD 27 – Telefone 3314-2757 – Celular 9-8112-6920
Textos@textos.etc.br

 

Impressão
Gráfica Universitária
DDD 27 – Telefone 4009-2389
www.grafica.ufes.br

A verdadeira viagem se faz na memória.

Marcel Proust

 

Dedicatória do autor: Dedico este livro à minha querida esposa Regina; aos filhos Sérgio, Michel, Andréa, Alexandre e Ricardo; e aos netos Pedro Henrique, Ingrid, Carolina, Leonardo, Thiago e Victória

SFS

 

Fonte: No tempo do Hidrolitol – 2014
Autor: Sérgio Figueira Sarkis
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2019

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