Morro do Moreno: Desde 1535
Site: Divulgando desde 2000 a Cultura e História Capixaba

Ambulantes de Vitória – Por Elmo Elton

Maria Saraiva - Reprodução de Douglas Lynck

Em Vitória, anos atrás, os vendedores ambulantes eram quase todos tipos populares, sempre os mesmos, uns negociando suas mercadorias em pontos fixos, outros indo de um polo a outro da cidade, cantando alegres pregões, batendo seus ferrinhos, distribuindo sorrisos e salamaleques, contando estórias, mexericos aos fregueses mais assíduos. Eram ora doceiros, ora baleiros, verdureiros, vendedores de peixes, de mariscos, de caranguejos, de frutas, de sorvetes, sendo que ainda outros ganhavam magros tostões consertando guarda-chuvas, amolando tesouras e facas, empalhando cadeiras, soldando panelas. . . A população inteira os identificava, mesmo de longe, pelo pregão característico de cada um.

Os doceiros se constituíam em número maior. Vendiam suas guloseimas em tabuleiros: alguns desses tabuleiros, firmados em quatro pés, eram altos, envidraçados; outros, os conduzidos por mulheres, se assentavam em armações de pau abertas em X.

De 1875 até o começo deste século, uma doceira se tornaria famosa em Vitória: chamava-se Maria Saraiva. Vendia seus produtos em ponto fixo, na rua General Osório, onde residia, sendo que, em dias de festas religiosa, os negociava nos adros dos templos da cidade, notadamente no da igreja do Rosário, visto sua devoção a São Benedito, ali venerado. Os doces os preparava com especial habilidade, acondicionando-os em papel de seda azul, rendilhado, sabendo-se que muitas das receitas ela mesma as criava, conquistando, assim, ampla freguesia.

Já nos anos 20, outra doceira (ou fazedora de mingaus), apelidada Dona Pulu, esposa de um tal seu Machuca, funcionário da Prefeitura, tornou-se também conhecida em Vitória. Vendia canjica, papas de milho verde, arroz doce, muchás, tudo em pratos ou tigelas de louça, além de pamonhas e beijus. Fazia ponto no primitivo mercado da cidade, onde hoje se encontra a sede do Correio, tendo por freguesia o pessoal do próprio mercado e ainda os que, madrugadores, iam buscar o peixe fresco ou adquirir as hortaliças chegadas de pouco.

Também, no mesmo local, Sinhá Maria Rosa vendia mingaus, mas sem qualquer rivalidade com Dona Pulu, já que muito amigas, até comadres. Sinhá Dudu, residente na obra do Batalha, na Capixaba, vendia cocada-puxa, cuscuz e cartuchos de farinha de coco e tapioca. Sinhá Joana, moradora da Ladeira da Pedra, negociava doces diversos, no Largo da Conceição, em tabuleiro firmado em armação em X, conforme documenta antiga fotografia da cidade.

Em casa de Dona Romaninha, na rua José Marcelino (então rua Grande) moravam duas septuagenárias que ofereciam, da janela do imóvel, uma vez que nunca saíam à rua, doces a dois vinténs cada um (dois vinténs correspondiam a 40 réis), tendo por fregueses os colegiais da cidade alta.

Ainda no antigo mercado eram figuras popularíssimas: Cândido Leopoldino, baiano, vendedor de verdura, também, de vatapá e caruru, iguarias preparadas no local; Alcebíades, mercador de folhas e raízes destinadas a garrafadas, chás e banhos medicinais, e Manoel Nascimento, vendedor de bolinhos-de-arroz, então apreciadíssimos por freguesia numerosa.

Um jovem chamado Hermógenes (Embira) mercadejava, sempre soprando flauta de bambu, bananadas para Dona Mocinha Lyrio (professora), frente à Escola Normal, sendo tão hábil no manejo daquele instrumento, que, não demorou muito, por recomendação especial do Presidente do Estado, entrou, nos anos 20, para a Policia Militar, como flautista da banda da mesma corporação.

Também outro doceiro ficou popular na cidade: o China, que fazia ponto na subida da rua São João, na Vila Rubim. Usava chapéu de feltro preto, terno e gravata. Os doces ele mesmo os fazia: eram os chamados mata-fome, quase todos de fubá de milho, variando apenas pelo recorte das formas. Vendia, ainda, ao lado dos mata-fomes, batata doce, cozida, e banana-da-terra, frita ou assada.

Afora esses doceiros, algumas famílias se tornaram conhecidas pelas suas habilidades em doçaria, dispunham de freguesia particular, mas, ainda assim, contratavam pessoas para, em tabuleiros ou cestões, vender seus doces pelas ruas. Os bolinhos-de-arroz, por exemplo, tão tradicionais na cidade, apregoados por meninos, invariavelmente à hora do café da manhã, eram, na década de 30, especialidade da esposa do senhor Álvaro (Sinhô) Pandolpho, conhecido dono de açougue no Mercado da Capixaba.

Ouviam-se, vez por outra, vozes estranhas anunciando, pelas ruas centrais de Vitória, a chegada de beijus de São Mateus, carapitos da Serra, "rapaduras de mamão" de Guarapari, sempre com vendagem certa, imediata. Eram essas vozes de homens vindos de fora, de cidadezinhas decadentes à época, na esperança de somar alguns "cobres" na cidade maior.

Os vendedores de pirulito, quase sempre rapazolas, assim como os vendedores de amendoim, esses meninos, lépidos e saltitantes, eram vistos em toda parte, frente aos cinemas, nos colégios, nas praças, nos mercados, no cais.

Embora a cidade contasse com dois sortidos mercados, as donas de casa preferiam comprar suas verduras, frangos, galinhas, ovos, peixes e frutas nos vendedores ambulantes, todos pontuais na passagem diária por esta ou aquela rua, atendendo as encomendas feitas, na véspera, pela freguesia exigente, esmerando na seleção dos produtos oferecidos, já que sempre interessados em não perder mas em aumentar a confiança de cada freguês.

Os amoladores de facas, os funileiros, os soldadores, os consertadores de guarda-chuvas, os carregadores, os vassoureiros, os empalhadores de cadeiras, os pintores de parede, toda essa gente contava com freguesia certa, não deixando jamais de consultar as casas se havia necessidade ou não de seus serviços.

Hoje, a cidade está povoada de outros tipos de ambulantes, isto é, de vendedores de balas e doces industrializados, de peças artesanais (estas nada representam como manifestação artística local) até a fauna de camelôs, chatos e repetitivos, tudo de jeito a despertar no autor a saudade de uma outra Vitória mais bela, embora provinciana, quando seus ambulantes emprestavam uma nota colorida, folclórica, mais humana às ruas por onde passavam ou se deixavam ficar, sempre alegres e cordiais como era, afinal, a nossa cidade de antigamente.

 

Fonte: Velhos Templos e Tipos Populares de Vitória - 2014
Autor: Elmo Elton
Compilação: Walter Aguiar Filho, fevereiro/2019

Literatura e Crônicas

Nós os capixabas – Por Francisco Aurélio Ribeiro

Nós os capixabas – Por Francisco Aurélio Ribeiro

Se temos um linguajar próprio? Ditongamos muito, daí os "bandeija, carangueijo" do nosso dialeto; já ouvi até menino gritar "A Gazeita!!"

Pesquisa

Facebook

Leia Mais

Ano Novo - Ano Velho - Por Nelson Abel de Almeida

O ano que passou, o ano que está chegando ao seu fim já não desperta mais interesse; ele é água passada e água passada não toca moinho, lá diz o ditado

Ver Artigo
Ano Novo - Por Eugênio Sette

Papai Noel só me trouxe avisos bancários anunciando próximos vencimentos e o meu Dever está maior do que o meu Haver

Ver Artigo
Cronistas - Os 10 mais antigos de ES

4) Areobaldo Lelis Horta. Médico, jornalista e historiador. Escreveu: “Vitória de meu tempo” (Crônicas históricas). 1951

Ver Artigo
Cariocas X Capixabas - Por Sérgio Figueira Sarkis

Estava programado um jogo de futebol, no campo do Fluminense, entre as seleções dos Cariocas e a dos Capixabas

Ver Artigo
Vitória Cidade Presépio – Por Ester Abreu

Logo, nele pode existir povo, cidade e tudo o que haja mister para a realização do sonho do artista

Ver Artigo