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Amigos Acadêmicos, do lado de lá - Por Renato Pacheco

Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Espírito Santo, 2001 - Nº 55

"O motivo desta é pedir-lhe um favor, ou, mais ainda, uma graça, no sentido antigo do termo. Este ano, em que a nossa Academia Espírito-santense de Letras completa 80, pensei em solicitar a alguns acadêmicos, dentre os mais antigos e experientes, pequenas palestras sobre temas de interesse da AEL. Por você ser o decano, peço lhe que seja o 1º..."

Pedido de graça, pobre mortal não despreza. E, eis-me aqui, numa primeira subida ao sótão (ou primeira descida ao porão) para relembrar acadêmicos que foram meus amigos pessoais, e que já se foram. Selecionei 50 nomes, mas a solicitação de "pequena palestra" faz com que eu fale só sobre alguns.

Sobre Guilherme Santos Neves e Chistiano Ferreira Fraga já fiz, no Instituto, palestras, de modo que me dispensa de repetir o que já foi falado.

Éramos um grupo de rapazes dedicados às letras. Fundamos a Academia Capixaba dos novos, cujos marcos e realizações, em três pequenos volumes (1948, 1949 e 1951), demonstram o quanto fizemos, incipientes aspirantes à mais difícil das artes.

Antes Guilherme Santos Neves já nos mostrara a maravilha que é ver nossos labores impressos, através de Comandos (nome alusivo aos ingleses, na 2ª Guerra Mundial) jornal e depois Revista do Colégio Estadual do Espírito Santo.

Em 1946 e 1947 trabalhei, também, a convite de Antenor de Carvalho, como jornalista profissional em A Tribuna, de Vitória.

Seguíamos a trilha. Em 13 de maio de 1949, aos vinte anos, graças a Eurípedes Queiroz do Valle e Guilherme Santos Neves fui eleito membro da Academia Espírito-santense de Letras, na vaga de Fernando de Abreu, cujo patrono era meu avô, Dr. José Horácio Costa. Surpresa. "Este menino não tem obra publicada' Ciúmes' Fiquei apavorado.

Tão apavorado que só tomei posse em julho de 1957, conquanto por determinação do Art. 7 do então Estatuto, frequentasse, desde então, a associação, à época funcionando no antigo Banco de Crédito Agrícola do Espírito Santo e que se chamava casa de "Saul de Navarro".

1)   Eurípedes Queiroz do Valle, Juiz da Capital, era o motor da Academia. “Encontrara-me, no Cartório Eleitoral na Pedro Palácios, dissera que lera meus artigos e reportagens em A Tribuna e concluiu com o clássico: — Você é uma esperança...”

Calmo, alegre, violinista, bom companheiro em excursos folclóricos, "Gripa'' como chamava Mestre Guilherme, tinha um vezo: gostava de ser presidente. Foi assim que em março de 1964, aceitou liderar a Confederação Geral dos Trabalhadores Intelectuais (CGTI) no Espírito Santo e, dias depois, caiu na mira dos militares. Nossa prudência, então, hoje poderia numa visão anacrômica, ser considerada covardia: Aceitamos sua renúncia e elegemos Ceciliano Abel de Almeida, presidente.

2) Ceciliano havia sido professor de meu irmão e com ele me confundia. Dávamo-nos muito bem, e trabalhei com ele com muita satisfação. Homem de uma correção excepcional, seu nome deve ser pronunciado com unção por todos acadêmicos.

3) Nelson Abel de Almeida era filho de Ceciliano. Franqueza rude era seu forte. Numa reunião de professores, estando contra a opinião do diretor, pergunta-me  –“ Você vota comigo?  -  Voto”. E desde então, 1946 ou 1947, sempre votava com o professor Nelson, incansável como crítico das coisas erradas.

4) Alberto Stangel e eu, a convite de Wandick da Costa, meu colega na Faculdade de Direito, trabalhávamos juntos, ele diretor eu professor do Colégio Americano. Ficamos tão amigos, que certa feita íamos fundar um jornal juntos. Felizmente não o fizemos, ambos não tínhamos vocação empresarial. Stange, quando diretor da Faculdade de Filosofia, acolheu, generosamente, os móveis e livros da Academia, que, para permitir a construção de novo prédio do BANESTES, iam ser jogados na rua.

5) Eugênio Sette tinha sido aluno particular de minha genitora, invenção do velho José Sette para proteger a filha órfã de seu grande amigo, Zeaci. Trabalhamos juntos no extinto Departamento do Serviço Público (DSP), ele como advogado, eu como oficial administrativo. Convencemos, Mestre Guilherme e eu, Eugênio a candidatar-se a uma vaga na Academia. A assinatura foi conseguida nos Correios, com uma folha de papel que eu fora buscar na Tipografia Gentil. Depois, por ”enxova" de amigos (Wilson Borges Miguel, José Leão Nunes, Nilo Martins da Cunha...). Eugênio renunciou-se. Anos mais tarde voltou a candidatar-se. Eu editara seu Praça 8 e Poemas Traduzidos e via em Eugênio, meu companheiro também no Partido Socialista, uma das personalidades mais íntegras da terra capixaba.

6 e 7) Luiz Serafim Derenzi e Celso Bonfim tio e primo de minha esposa, dotando de meu casamento nosso conhecimento e amizade. Celso, quando foi a Belo Horizonte, onde era brilhante advogado, cumulou-me de gentilezas. Com Serafim Derenzi aprendi, através de agradáveis papos, boa parte da história (e das histórias) do Espírito Santo que eu sei.

8) Manoel Lopes Pimenta, dono da revista Vida Capixaba (com ch mesmo) era meio parente por outro lado. “Seu pai, viúvo, casara-se, em segundas núpcias, com minha tia ‘Nenen”. “Foi nas oficinas de sua revista, que imprimi minhas primeiras plaquetes”, pagando o serviço em suaves prestações.

9) Carlos Campos, fora meu chefe, quando Presidente do Tribunal. Conforme já expliquei em prefácio ao livro de Theomar Jones, sobre o grande capixaba, nossas famílias tinham relações antigas. Depois que ele e eu nos aposentamos, ficava admirado com a humildade do Desembargador, ele que, quando jovem, em Santa Leopoldina, MG, fora condiscípulo nada mais, nada menos que do grande escritor português Miguel Torga.

10) Quando ingressei na magistratura, encontrei irrestrito apoio de Homero Mafra, que era juiz mais antigo. Sempre admirei seus conhecimentos jurídicos e literários. Talvez por ser uma pessoa satisfeita com a vida, publicou pouco. Mas, suas crônicas no jornal A Ordem de São José do Calçado, denominadas "Três assuntos numa semana" são um repositório de texto escorreito, bom senso e coragem.

11) Carlos Madeira era, com Adelfo Momardim, um símbolo da literatura capixaba anterior a 1940. Estudara em São Paulo, e la fizera bons amigos. Como eu ia fazer mestrado na Paulicéia em 1954, sem que nada lhe tivesse pedido, Carlos Madeira me deu uma carta de apresentação para o filósofo Sousa da Silveira. Nunca usei esta carta, mas, para sempre, em "minhas retinas cansadas'' ficou-me a imagem do bom amigo que quer ajudar o colega, sem pedido algum de troca.

 Eis o meu primeiro "time".

 E, chega, não?

Há, como disse, inúmeros outros amigos a quem eu deveria, também, incluir, nesta página de recordações e de saudade.

Todos brilharam, intensamente, iluminando nossa Academia Espírito-santense de Letras.

Em outra ocasião, querendo Deus, pagaremos tal débito. Muito obrigado!

 

Fonte: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do ES, 2001 – N° 55
Autor: Renato Costa Pacheco
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2014

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