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Assim é o Rio Doce - Por Nelson Abel de Almeida (1962)

Mapa do Rio Doce e seus confluentes - Fonte: Silva Pontes, 1800

Perlustrando-se as páginas, quer dos autores antigos, quer dos modernos, sente-se que eles debatem em uma dúvida imensa, quando pretendem fixar as nascentes do Rio Doce.

Para Alfredo Moreira Pinto, as cabeceiras dessa caudal, estão no Estado de Minas Gerais (nisso todos são concordes) e são seus formadores o “Chopotó” e o “Pirangy”.

A “Carta Geográfica do Estado do Espírito Santo”, organizada por Francisco Tito de Souza Reis, em 1912, admite estejam as nascentes deste rio situadas em Ouro Preto, antiga Vila Rica.

Em outra obra de propaganda geral do Estado do Espírito Santo, editada por um Sr. José Coelho, o qual deu á publicidade trabalhos idênticos referentes aos Estados de Pernambuco, Bahia, Santa Catarina, vemos a assertiva de que o rio Doce tem, como formadores, o Chopotó e o Pirangy.

O Padre Geraldo José Pauwels dá o rio Doce nascendo com o nome de Piranga (atlas Geográfico do Brasil); autores outros atribuem que seja ele formado pela união do Gualacho e do Piranga, os quais descem da Serra da Mantiqueira.

Arthur Torres Filho, em sua obra O Estado do Espírito Santo e o seu desenvolvimento econômico, assim se expressa sobre o rio Doce: 

“É certo o rio mais notável do Estado, quer sob o ponto de vista da profundidade, quer da extensão, formando-o diversos rios e riachos, salientando-se como principais – o Chopotó, o Ribeirão do Carmo e o Piranga”.

Escritores antigos, e dentre estes Cazal, opinam que o rio Doce só passa a ter esse nome depois que recebe as águas do “Bombassa, do Gualacho e do Piracicaba”.

E Carlos Frederico Hartt, em sua “Geologia e Geografia Física do Brasil”, afirma que “o rio Doce, sob o nome de Chopotó, nasce apenas a algumas milhas de Barbacena, no ângulo formado pela união das Serras da Mantiqueira e do Espinhaço”.

Como vemos, vários autores procuraram localizar as nascentes do Rio Doce. E se a nascente de um rio é, em suma, o ponto mais afastado de sua embocadura, tomada esta como ponto de referência, pode-se considerar, seguindo-se a autoridade de Gerber, como nascente do grande rio, o local em que começa a correr o Chopotó, local esse que, ora é situado a vinte léguas de Barbacena, ora a cinco léguas da mesma cidade.

A bacia deste rio, isto é, a bacia do rio Doce é no dizer de Hartt, um quadrilátero irregular cujos lados têm as seguintes dimensões: - o lado nordeste, 120 milhas, o sudeste 230, o oeste 190 e o norte 90, o que corresponde a uma área muito maior que a banhada pelo Paraíba do Sul. Para Berber a bacia do rio Doce é estimada em 2.300 léguas quadradas.

Em quilômetros quadrados podemos dizer, arrimando-nos em artigo publicado no “Observador Econômico”, que a bacia do Rio Doce ocupa uma área de oitenta mil quilômetros quadrados e o seu vale é toda uma rica região montanhosa, “que vai do município de Ponte Nova, onde nasce o grande rio, até o recém-criado município de Figueira (desligado do município de Peçanha), em linha quase nordeste, mudando em seguida de direção para sudeste, rumo ao atlântico, no Estado do Espírito Santo, numa extensão total de mil quilômetros, aproximadamente”.

E essa via de penetração nascendo, como já vimos, no ângulo formado pelas Serras da Mantiqueira e do Espinhaço, recebe as águas que correm do norte da região, enquanto que as águas do oeste correm para o rio das Mortes e as de leste se despejam no rio Pomba.

De inicio, tem o rio Doce a direção nordeste, direção essa que conversa até a latitude 19°, mas ao esbarrar no Ibituruna dobra-se, repentinamente e procura a direção do sudeste.

E o rio majestoso atravessa, então, uma zona de florestas admiráveis tipicamente tropicais, consciente do destino histórico que lhe reservou o Criador do todas as coisas.

Ali, ele olha, sem que ninguém o perceba, para Ouro Preto, a Vila Rica dos inconfidentes, e sente que contribuiu, por um pouco, para que a alma nacional vibrasse naquela revolução de idealistas e de namorados; agora, são as águas do Turvo, à direita, e do Gualacho, à esquerda que lhe vêm aumentar o volume e quando parece que a corrida para o mar se vai fazer plácida e tranqüila, eis que se apresenta aos olhos extasiados do peregrino, a Cachoeira do Inferno. É a natureza caprichosa e inconstante, a quebrar a monotonia daquela viagem silenciosa. Mas a diferença de nível desaparece, gradativamente, até que lá vêm pela margem direita as águas do Rio Casca e pela esquerda as do Piracicaba.

Certo, agora nada mais quebrará a tranqüilidade da região; os pássaros e os habitantes da floresta podem estar contemplativos, que nenhum ruído os amedrontará. Deveria ser assim. Entretanto, uns recifes negros estão plantados no leito da caudal, e eis que as águas se projetam violentas, para a frente, como se quisessem, mais rapidamente chegar ao Atlântico, e lá ficou para trás a Cachoeira Escura com os seus 10.000 H.P.E o rio Doce continua a ser engrossado. É que outras correntes menores estão ansiosas por ajudá-lo a crescer, estão desejosas de participar de uma tão singular missão histórica – qual a de fazer a maioridade da indústria brasileira. E assim os rios Santo Antônio e Correntes trazem-lhe o seu tributo, e inesperadamente surge a Cachoeira Bagauriz, e as águas se chocam com estrépito, e daqui, a bocado, entram no viajor incansável as águas do Saçuí-Pequeno, as do Saçuí-Grande, compenetrados do contingente que lhe devem.

E as quedas d’água continuam, e surgem a denominada Cachoeirinha e os rebojos de João Pinto e da Onça. Ali abaixo, está a Ilha da Natividade, dividindo o rio Doce em dois braços desiguais, e daqui a pouco a Cachoeirinha das Escadinhas, com a extensão de uma légua e formada de degraus de pedra, os quais lhe dão o nome.

E o rio Doce prossegue, prossegue sempre em sua corrida interminável, agora já mais largo, já mais caudaloso, a procurar o Estado do Espírito Santo, para uni-lo, fraternalmente, ao de Minas Gerais e, na donataria de Coutinho, ele vai ter como tributários dignos de nota o Guandu (antigamente Mandu ou Mandi), o Manhuassu que, vindo do Sul, penetra no grande rio em frente à ilha da Natividade, acima citada e rio esse que, também por muito tempo, soube se guardar da civilização que, aos brancos, causavam os seus habitantes – os ferozes botocudos.

Aí, rica é a região em gnais, mas as terras situadas na área banhada pela união do Guandu com o Doce, são argilosas e de aluvião.

Já se apresenta agora ao olhar curioso do viajante, o antigo Porto de Sousa, em cujas proximidades o vale muito se estreita, e um pouco abaixo a Ilha da Esperança e o rio Mutum, cujos terrenos, alcançando altitude de trinta a quarenta pés, foram considerados por Hartt, como orginados no período terciário.

E a paisagem vai se sucedendo, imponente, cheia de contrastes; aqui uma ingazeira que vem se banhar na corrente violenta, ali um jacaré que esquenta sol, espreitando algum animal descuidado para devorá-lo, além uma árvore de sapucaia, povoada de símios, fazendo uma algaravia horrível; e o rio Doce continua, plácido e despreocupado a caminhar para o mar. De repente, surgem os morros do Padre e do Lage e, então, uma área, extremamente coberta de vegetação se desenha, como remate do quadro, e o gnais aparece mais intensamente. Agora, o rio já consegue uma largura de oitocentos a mil pés e já está rendilhado, aqui e ali, de ilhotas encantadoras, onde se enxergam as garças e os socós.

Mais adiante, os resíduos da colônia Trancilvânia ou Transilvânia, de mais de um século, ainda se deixam ver, como se quisesse na sua velhice atestar o esforço dos que, no passado, tiveram a visão grandiosa da missão histórica do rio Doce.

E surgem agora as embocaduras do Santa Maria e do Pancas (onde há quinze anos, mais ou menos, ainda existiam indígenas), e se apresentam as do Pau Grande, do Vinte e Cinco de Julho, as quais são portas e passagens por onde entram milhares de metros cúbicos de água, a concorrerem para que maior se torne o volume do rio Doce.

E em Linhares, a Juparanã e a Juparanã-mirim mandam-lhe também o seu tributo: e a vila lá está, garrida e sorridente, com as suas palmeiras; e a vila lá está, bem no alto, olhando, tranqüila, para o rio que cá em baixo passa, apressado, célere e às vezes irritado, porque o aceano ainda está tão longe.

Mas, à medida que se vai aproximando da sua foz, mais o rio Doce se enfeita, mais ele se alarga, mais o sei leito fica marcheto de ilhas, algumas de uma légua de extensão, como é o caso da ilhas das Palmas.

E a sua corrente torna-se então violenta e rápida; e uma região montanhosa, principalmente a leste se estende, preguiçosa, para, como a Terra, Alta, vir morrer nas ribeirinhas do rio envaidecido.

E o quadro continua, e as coroas, e as praias se desenham, a cada passo, até que são levadas um dia pelas enchentes periódicas do rio. Enfim, a imensa mole de água se aproxima do Atlântico, e o caudal se intromete, arrogante, pelo mar, e o acomete com violência e ousadia vencendo-o em uma distância de légua e meia, mas, cioso de sua grandeza, evita ele que suas águas se misturem com as do elemento salso, o que bem se vê, pelas cores diversas que uma e outra conservam.

No oceano, em Regência, o rio deságua por dois pontos, os quais são chamados barra do norte e barra do sul, presumindo-se que a primeira tenha a profundidade de 2,60m e a segunda de 1,50m.

E este rio, cuja barra constitui um perigo à navegação, na época das águas baixas é, na opinião do engenheiro Guilherme Greenhalg, “navegável por grandes canoas e o poderia ser por vapores que calem 0,60m.

E “sendo estreito o recinto do ancoradouro, acha o engenheiro Guilherme Greenhalg, que a enorme largura que o rio possui diminui o fundo da barra, concorrendo para isso a circunstância de serem duas as barras. Ora, se se reduzisse a superfície ocupada pelas águas nesse ponto a profundidade aumentaria. A esse resultado se chegaria – diz ainda o engenheiro Greenhalg – por meio de uma estacada que canalizasse as águas para a barra do sul, devendo ser a preferida por se achar no alinhamento do último trecho do rio. Uma vez realizado esse melhoramento, as águas reunidas aumentariam de velocidade e, logo que o leito ficasse aprofundado, retomariam o antigo regime. A barra adquiriria a profundidade de 3,50m nas marés baixas diminuindo, por outro lado, a arrebentação do mar neste ponto. Adquirido tal fundo a com vapores apropriados, poderia ser mantida regular navegação no rio Doce, fato este que viria animar a lavoura no seu extenso vale”.

Enquanto, entretanto, este problema aguarda a sua solução que, certamente virá um dia, dada pela engenharia nacional, o farol do rio Doce, atento, vigia a navegação costeira e avisa os descuidados contra o inesperado e contra as surpresas.

 

Fonte: Torta Capixaba, 1962
Autor: Nelson Abel de Almeida
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro de 2013

 

 

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