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Bad Trip (má viagem) – Por Maura Fraga

Presidente do Brasil - Emilio Garrastazu Médici (1969-1974)

Dedicado a Edgard dos Anjos, dono de O Diário. Sincero defensor da liberdade de imprensa dos anos de chumbo. E ao sócio Fernando Jaques, "Jacaré".

O jornal O Diário, na Rua Sete de Setembro, centro da cidade, era nossa trincheira. Durante o dia, andávamos pela cidade em busca de notícias. Nesse tempo, os repórteres saíam das redações, ao invés de se instalarem atrás do telefone. Nos anos 60/70, antes do "milagre brasileiro", as telecomunicações iam mal das pernas. O único aparelho da redação chiava e quase não permitia ligações interurbanas ou no fim da tarde.

Escrevíamos à noite enquanto o chumbo fervia nas oficinas. Cacau Monjardim, Cláudio Bueno Rocha, Vinicius Paulo de Seixas, Antônio Americano, Mariângela Pellerano, Paulo Torre, Amylton de Almeida, Antonio Carlos Medeiros, José Casado, José Barreto, Paulo Maia, Erildo e Tinoco dos Anjos, Marien Calixte, Marilio Cabral, Antônio Alaerte, Paulo Bonates, Toninho Rosetti, Rubinho Gomes, Mirian Leitão, Marcelo Neto, Jorge Luís Souza, José Carlos Correa, Carmélia M. de Souza, Ronaldo Nascimento e tantos outros, na pequena redação do "matutino da rua Sete".

Certa tarde cinzenta, no início de 1970, não sei precisar o mês, fui destacada para cobertura sem grande importância, no aeroporto de Goiabeiras. Saí na Kombi do jornal em companhia do fotógrafo Joaquim Nunes. Seria impossível lembrar, hoje, a pauta oficial. Esquecida que foi por outra, inusitada.

Quando chegamos ao aeroporto, o movimento era o de rotina, por volta das 15 horas. Poucos passageiros, alguns funcionários. Os aviões da tarde ainda não haviam chegado. Ficamos por ali, entediados. A noite anterior, como todas as noites daquela época, fora passada no Britz Bar, entre amigos, conspirando contra a ditadura.

O marasmo foi quebrado pela chegada, inesperada, do grupo que não parecia de turistas, nem de passageiros comuns. Não tinha sequer bagagens. Extremamente abatidas, aquelas nove pessoas andavam como autômatos.

Reconhecer, no grupo, a estudante de Odontologia, Laura, mulher de João Amorim Coutinho, ou Antonio Caldas Brito, da Faculdade de Direito, foi uma surpresa.

Não havia clima para conversa. Os homens do Exército estavam por perto. Rapidamente, soubemos que estavam sendo levados para São Paulo, após um período de tortura no 38° BI, em Vila Velha. A um sinal, vimos, na pista, o avião que transportaria os presos. Eu e Joaquim combinamos a fotografia, ali mesmo.

Quando os nove presos embarcaram, choramos. De volta à redação, conseguimos autorização de Rogério Medeiros, que dirigia a equipe, para publicar a foto do avião na primeira página, acompanhada de texto-legenda. Em entrevista, em 1993, ao jornal A Gazeta, Caldas Brito lembrou, "aquela foto do avião, levando o grupo, salvou nossas vidas". Os estudantes foram levados para os porões da Operação Bandeirantes, em São Paulo. Sair dali, com vida, era impossível. Um deles contou: "Dia e noite ouvíamos gritos de torturados."

Um dos presos, Caldas Brito, era irmão de um influente procurador. A matéria o levou à localização do grupo, em São Paulo, evitando que fossem torturados e mortos. A liberação veio depois. Nenhum dos familiares sabia que estavam presos em Vila Velha, menos ainda do seqüestro para São Paulo.

Envolvemo-nos em tantos fatos, nessa vida de jornalista, que as coisas vão ficando para trás. Eu havia esquecido este, até que, em 1983, encontrei Laura Coutinho em frente à Galeria Massena e ela, naquele seu jeito expansivo, me abraçou e agradeceu. "Por nada, Laurinha. Estamos aqui é para isso mesmo. Senão, de que valeria ganhar tão pouco e sofrer tantas injustiças? Não é, Joaquim?"

Aos interessados em saber mais sobre a Ditadura no Espírito Santo, segue monografia de Alexandre Caetano, Movimento Estudantil no Espírito Santo 1964/1968: da ditadura militar à reestruturação da Ufes - UFES (UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO), CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA, 2013.

http://lehpi.ufes.br/sites/lehpi.ufes.br/files/field/anexo/alexandre_caetano_mono.pdf

 

 

Fonte: ESCRITOS DE VITÓRIA — Imprensa – Volume 17 – Uma publicação da Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura Municipal de Vitória-ES.
Prefeito Municipal - Paulo Hartung
Secretário Municipal de Cultura e Turismo - Jorge Alencar
Sub-secretário Municipal de Cultura e Turismo - Sidnei Louback Rohr
Diretor do Departamento de Cultura - Rogério Borges de Oliveira
Diretora do Departamento de Turismo - Rosemay Bebber Grigatto
Coordenadora do Projeto - Silvia Helena Selvátici
Chefe da Biblioteca Adelpho Poli Monjardim - Lígia Maria Mello Nagato
Bibliotecárias - Elizete Terezinha Caser Rocha e Lourdes Badke Ferreira
Conselho Editorial - Álvaro José Silva, José Valporto Tatagiba, Maria Helena Hees Alves, Renato Pacheco
Revisão - Reinaldo Santos Neves e Miguel Marvilla
Capa - Amarildo
Editoração Eletrônica - Edson Maltez Heringer
Impressão - Gráfica e Encadernadora Sodré
Autora do texto: Maura Fraga
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2018

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