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Cacau - Por Rubem Braga (Parte III)

Cacau - Fonte Telanon.com

Já disse que os fazendeiros de cacau do Espírito Santo vivem quase sempre longe de suas fazendas e só as visitam uma vez ou outra, por ocasião da safra. É muito fácil controlar a produção, mesmo à distância, e cada fazenda tem seu administrador, geralmente um homem esperto e rude que veio da estrovenga. Esse homem tem o barracão ou armazém da fazenda, que fornece tudo aos trabalhadores ao preço que ele faz. Como não vê dinheiro, o trabalhador compra mesmo ali. O saldo, quando há, é gasto num fim de semana no bairro boêmio do Maracatu, em Linhares...

Admite-se geralmente que o administrador rouba dos dois lados: ao braçal e ao fazendeiro. Rouba a este estipulando salários relativamente altos para os empregados, e àquele cobrando o diabo pelos gêneros que lhe fornece. Assim o custo do produto é artificialmente elevado, ao mesmo tempo em que o salário real do trabalhador é muito baixo. Como assim mesmo o cacau dá lucro, e o fazendeiro não tem de se aborrecer lidando com empregados e pode viver tranquilamente em Vitória, no Rio ou mesmo na Europa, o regime para ele é cômodo. Um deles, mais consciente, e que visita com mais freqüência a fazenda, me disse que deu ordem para que no barracão nada fosse cobrado acima do preço do comercio de Linhares. “Já é um roubo – me disse – mas pelo menos tem um limite”.

A distribuição de terra aos trabalhadores, que tantos governos do Espírito Santo já anunciaram e garantiram, é uma burla. O caboclo o mais que faz é abrir um claro na mata, fazer um rancho e depois vender a posse. A lavoura do cacau exige capitais, pois custa anos para produzir, e também porque não se pode, como no caso do café, fazer a pequena lavoura de mantimentos entre os cacaueiros. O produto é de qualidade inferior pois nem a “tiradeira”, ganhando por tarefa, se preocupa em tirar bem a “sibira”, nem o estufeiro cuida de mexer melhor as sementes dentro do cocho, na plataforma da “barcaça” ou da estufa.

É impossível dizer qual é, em média, o rendimento de um cacaueiro em um ano, no vale do Rio Doce. As estimativas variam muito. A mais otimista que ouvi – francamente otimista – dava, para o caso de um cacaual já bem formado, um quilo de cacau seco por ano, isto é, nas duas safras. É mais comum admitir a média de 750 gramas. Mas fiquemos em um quilo: é ridículo, quando se sabe que há árvores que podem produzir de 10 a 15 quilos, e , em número maior, árvores que produzem 6 quilos. Está visto que o indicado seria fazer os novos plantios com sementes ou, melhor ainda, com estacas dessas árvores melhores. Defronte de Linhares existe um Posto Agropecuário do governo federal que certa vez começou a fazer o fichamento dos cacaueiros. A mais estrita justiça manda dizer que esse Posto (no momento sua direção incumbe a um rapaz inteligente e ativo, mas sem recursos)  durante seus 2 anos de existência nada fez pela melhoria da cultura do cacau ou de qualquer outra coisa no Espírito Santo.

O quadro da lavoura do cacau é, portanto, este: produção, por área, ridiculamente pequena; produto de qualidade inferior, com “sibira”, e com o cacau muitas vezes mal fermentado e mal seco; fazendeiro quase sempre ausente; trabalhador mal pago e instável. Juntem-se a isso as flutuações no mercado internacional, muitas vezes devidas a especulações em New York, a falta de classificação do cacau em Vitória, é fácil compreender o problema. No momento, em que lhe caiu do céu um aumento de mais de 300 cruzeiros por saca, sobre um preço já remunerador, o fazendeiro de cacau não irá, certamente, pensar em melhorar suas plantações. Se o cacau está dando dinheiro muito, de qualquer jeito... Nas grandes crises do produto, a melhoria da produção também “não compensa”... Geralmente o fazendeiro abonado aproveita essa crise para comprar a terra dos proprietários menores, a preços de ocasião, e aumentar seu latifúndio.

E como flor do regime de latifúndio e monocultura citarei este gesto de um grande fazendeiro do Rio Doce, autêntico: ele tinha formado um grande e belo pomar defronte da sede da fazenda, na beira rio. Um dia achou que o pomar distraía demais os trabalhadores das lides do cacau e mandou derruba-lo. É terrível de mau gosto e chega a ser criminoso; mas está dentro da lógica feroz do regime.

Novembro,1953

 

Fonte: Crônicas do Espírito Santo,1984
Autor: RubemBraga
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2012
Obs.: Este livro foi doado à Casa da Memória de Vila Velha em abril de 1985 por Jonas Reis

 

 

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