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Cenas do Movimento Sindical Capixaba

Capa do Livro: Escritos de Vitória, Nº 16 – Movimentos Sociais, 1996

O final da década de 70 foi marcado por significativas mudanças na vida social capixaba. Do ângulo político e institucional, era o início de um fecundo processo de organização e participação política de diferentes segmentos sociais. Era a idade de ouro dos movimentos sociais e/ou movimentos populares, cuja contribuição foi decisiva para a renovação sindical e político-partidária. Algumas características do desenvolvimento regional são fundamentais para a explicação da retomada sindical no estado, pois, se é verdade que havia uma dinâmica nacional no processo de organização dos trabalhadores assalariados, também é certo que o mesmo assumia, aqui, identidade própria, resultante de uma combinação dos determinantes nacionais com as especificidades locais. Entre estas, o recente processo de urbanização indicado pela concentração da população nas áreas urbanas e o predomínio do setor industrial e de serviços na geração do PIB estadual.

Cabe lembrar que, no Espírito Santo, somente na década de 70 a população urbana superou a rural, totalizando 63,92% contra 45,14% na década anterior, tendência esta cada vez mais acentuada nos anos seguintes. Outro indicador desse rápido deslocamento do eixo econômico para o polo urbano foi a queda abrupta da população economicamente ativa nas atividades do setor primário: 64,9% em 1960; 52,51% em 1970; 34,08% em 1980; e 31,27% em 1993.

Na região da Grande Vitória, essas tendências de urbanização e de alteração de perfil econômico eram mais acentuadas pela sua peculiaridade de abrigar o centro das atividades administrativas e portuárias e grandes empresas do setor industrial.

Assim, são evidentes os vínculos estreitos entre a renovação do sindicalismo capixaba e o processo de desenvolvimento e de modernização ocorrido na região, que produziu efeitos simultâneos: aumento e concentração do operariado fabril em grandes e médias empresas, multiplicação e diversificação das oportunidades de emprego no setor de base em serviços e para as camadas médias assalariadas, e transformação das relações de trabalho no campo. Por sua vez, o agravamento da crise nos anos 80 e a densidade do movimento pela redemocratização do país foram também decisivos para a vitalidade do movimento sindical.

Este é o cenário no qual ganhou impulso o movimento sindical no estado, marcado no seu início por alguns acontecimentos: a renovação da diretoria e das práticas sindicais em várias entidades, como as dos jornalistas, médicos e professores; a densidade material e política dos grupos de oposição sindical no campo e na cidade; e a retomada do movimento grevista com a paralisação dos trabalhadores da construção civil, dos motoristas de transporte coletivo da Grande Vitória e dos professores da rede pública estadual e federal.

De importância incontestável na explicação da trajetória recente do sindicalismo no Espírito Santo foram os grupos de oposição sindical que, assessorados pela Fase, Pastoral Operária e Cáritas — as duas últimas ligadas à Arquidiocese de Vitória — irradiavam sua influência em várias cidades do interior. A trajetória desses grupos, envolvendo várias categorias, como ferroviários, metalúrgicos, comerciários, eletricitários e bancários, foi muito semelhante. Entre 1980 e 1983 tiveram intensa atuação: mobilizaram os trabalhadores no campo e na cidade para participação na vida sindical, estimulando a presença nas assembleias e a apresentação de propostas para a pauta de reivindicações; atuaram na organização da comemoração do Primeiro de Maio; promoveram vários encontros e seminários; dirigiram greves (como foi o caso da oposição sindical da construção civil) e disputaram eleições sindicais.

A greve dos trabalhadores da construção civil, ocorrida após 34 anos sem registro de paralisação no setor — e a primeira greve no estado após o golpe de 64 foi um marco na retomada sindical na região. Essa greve promoveu o apoio articulado de outros setores da sociedade civil comprometidos com o processo de democratização política (comunidades, sindicatos e associações profissionais, Igreja e partidos políticos) e contribuiu muito para incrementar o debate sobre a cidadania no mundo do trabalho e para fortalecer as articulações sindicais.

Quanto às articulações e encontros sindicais, alguns merecem destaque. A criação da Frente Sindical, em 1978, marcou a primeira tentativa de aglutinação de categorias de trabalhadores no período pós-64 e envolveu as forças políticas mais atuantes no movimento sindical local: os "sindicalistas autênticos independentes", a Unidade Sindical e a Oposição Sindical. Em 1979, foi a vez da Intersindical agregar o "bloco combativo do movimento sindical" com o objetivo de fomentar mudanças na direção dos sindicatos existentes e também na própria estrutura sindical definida pela CLT.

Herdeiros dessas articulações, os três Enclats (Encontro das Classes Trabalhadoras), realizados no período de 1981 a 1983, marcaram um novo momento na retomada sindical no estado. Os debates promovidos em tais encontros evidenciavam a sedimentação dos novos referentes simbólicos que lhes asseguravam uma gradativa autonomia em relação aos movimentos populares. Cabe lembrar que, no decorrer da década de 70 e início da seguinte, os movimentos sociais, entendidos em uma acepção mais abrangente, tinham sido hegemonizados por uma orientação ideológico-simbólica de matriz comunitária na qual era forte a presença da Igreja Católica, em particular da Teologia da Libertação. Nesse período, os movimentos populares alavancaram o movimento sindical: forneceram os quadros de militantes e o arsenal de referências simbólicas, um repertório que nutria a formulação dos discursos e a eleição das bandeiras de luta em torno das quais se constituíam os grupos de oposição sindical. Em situações de greve essa convivência facilitou o acionamento de uma rede de solidariedade para angariar apoio material e moral aos grevistas.

A presença da matriz cultural comunitária reforçava alguns traços do discurso sindical — a ênfase nos ideais de solidariedade, pontuados pelo sentido cristão, o ethos coletivista e a desconfiança e/ou negação da política. Trata-se de sinais mais próximos de um padrão de relações mais pessoal e afetivo, portanto distantes da mera lógica dos interesses materiais. Cabe lembrar que os ideais de solidariedade e de ajuda mútua fazem parte da cultura operária. As sociedades de auxílio mútuo foram o embrião dos primeiros sindicatos criados no Brasil.

Atualmente, movimentos populares e movimento sindical constituem práticas coletivas diferentes no que tange tanto à natureza organizacional quanto aos interesses e ao referencial valorativo acionado nos dois espaços: comunidade e sindicato. Não obstante, não é tarefa simples precisar como se processou gradativamente a autonomização do movimento sindical em relação aos movimentos populares, e se isso já é um fato consumado. Alguns indicadores foram privilegiados para esse rastreamento. Um deles foi o crescimento do movimento sindical, o que lhe imprimia uma dinâmica própria muito sensível ao desempenho das políticas econômicas; outro pode ser detectado nas mudanças na esfera político-institucional, tanto as medidas do governo Geisel, onde já se aventava uma tendência, ainda que tímida, de liberalização da prática sindical, quanto as medidas do programa de abertura política, em parte patrocinada pelo governo e em parte alavancada pelo fortalecimento das manifestações políticas oriundas da sociedade civil.

Os Enclats sinalizavam a autonomização do sindicalismo que, mesmo recrutando quadros originários das CEBs e movimentos populares, ia se deslocando para a esfera dos interesses: substituía o ideário coletivista de inspiração cristã pelo corporativismo e pela aproximação com a esfera da política, a lealdade pelo contrato. A prevalência do interesse, da lógica contratual, enquanto elemento articulador das práticas sindicais, não impedia que nos momentos de expressividade — encontros e outras manifestações — o discurso fosse pontuado por ideais de inspiração coletivista. Todavia, os interesses corporativos passavam a ser, cada vez mais, os elementos estruturantes das práticas sindicais.

O saldo desse período de debates e lutas foi o vigor sindical traduzido também na criação de 41 novas entidades (22 na Grande Vitória), no período de 1981 a 1990, sendo 39 de trabalhadores urbanos, assim distribuídos por setor: 10 na indústria, 14 em serviços e comércio, 4 em transporte e 11 em órgãos públicos. No meio rural, o momento mais fértil tinha ocorrido no período de 1961 a 1970, quando foram fundados 21 sindicatos; na década seguinte, surgiram 16 novas entidades de trabalhadores rurais.

E, por fim, outro indicador precioso do revigoramento, sindical, no período, foram as greves. No Espírito Santo, o surto grevista teve como referência tanto o acelerado processo de industrialização e urbanização verificado a partir de 1970 quanto a crise econômico-social da década seguinte. A concentração urbana e industrial potencializa as greves, pois aumenta a densidade social ao provocar o estreitamento das relações entre os segmentos assalariados.

Esse período foi também marcado pela atuação dos funcionários públicos no sentido de fortalecimento e legitimidade de associações de classe. A conquista do direito de sindicalização e de greve, a generalização da estabilidade no emprego, antes restrita aos estatutários, e a crise financeira dos governos estadual e federal constituem os elementos potencializadores das greves dos servidores públicos.

Um olhar panorâmico sobre as greves ocorridas no Espírito Santo permite algumas conclusões:

1. A maior frequência de paralisações ocorreu nas médias e grandes empresas localizadas nos setores mais dinâmicos da economia local. A exceção ficou por conta do setor da construção civil, que não integrava o agregado das empresas dinâmicas mas era o ramo industrial com maior número de pessoas empregadas. Salários baixos, desrespeito aos direitos trabalhistas e extrema precariedade das condições de trabalho potencializaram as greves nesta categoria.

2. No período de 1979 a 1981, somente há registro de greves no setor privado (trabalhadores da construção civil, motoristas e empresas metalúrgicas isoladas) e de médicos, empregados em unidades do setor público. A partir de 1986 — momento que marcou efetivamente o início do surto grevista no estado —, verifica-se a predominância do setor público. O que pode ser explicado por uma série de fatores: as especificidades da economia local, com destaque para o significativo setor de atividades ferro-portuárias desenvolvidas por empresas estatais; a presença de empresas do setor industrial voltadas para a produção de bens intermediários, que só recentemente foram privatizadas; e a importância do poder público como empregador.

3. O movimento grevista no Espírito Santo tomou-se mais expressivo a partir de 1986, totalizando 19 paralisações no setor público e 11 no privado. Apesar de atingir categorias como os metalúrgicos, o volume de greves esteve concentrado nos assalariados de classe média (professores, médicos, bancários etc.).

O pico grevista estadual ocorreu em 1989, quando foram registradas 100 greves, sendo 73 no setor público (principalmente de funcionários públicos federais) e 27 no setor privado. Nos anos seguintes houve um refluxo no impulso grevista, mas mantendo-se as tendências delineadas nos anos anteriores, ou seja, a sensível preponderância das greves no setor público. Do total das greves no período 1979-1993, 74,08% ocorreram no setor público e 25,92% no setor privado, destacando-se a frequência das greves em algumas categorias profissionais como professores, médicos, bancários, trabalhadores em escolas e estabelecimentos vinculados à saúde. No setor privado, as maiores frequências, no período em questão, estiveram na construção civil e nas indústrias urbanitárias, e entre os professores da rede particular e os trabalhadores do setor de transporte urbano.

A distribuição das greves no setor privado é a seguinte: 35% foram de trabalhadores industriais; 33% de assalariados de classe média; e 33% de trabalhadores de base em serviços, tendência esta que acompanha o quadro nacional de greves. No setor público as paralisações foram assim distribuídas: 21,59% no nível municipal; 24,24% no estadual; e 54,17% no federal.

Em suma, fatores ocorridos em âmbito nacional — o aumento do número de sindicatos, do volume de greves e do contingente de sindicalizados, e as articulações e os encontros cujo ápice foi a criação das centrais sindicais — tiveram relevância incontestável na efetivação do novo padrão de cidadania no mundo do trabalho desenhado pela Constituição de 1988, que institucionalizou as conquistas obtidas pelos setores assalariados organizados, ampliou o leque de direitos trabalhistas e políticos e promoveu a sua universalização.

Na década de 90, a conjuntura sindical se diferencia do período anterior de forma substantiva. As mudanças tecnológicas e organizacionais que caracterizam as empresas contemporâneas impõem novos desafios à prática sindical. Entre eles: o aumento do desemprego no setor industrial e da precarização dos vínculos contratuais, o reforço da identificação e do comprometimento dos trabalhadores com os objetivos das empresas, e a nova configuração organizacional produzida por uma série de inovações, entre elas a terceirização. Todos estes fatores de uma forma ou de outra abalam os padrões de sociabilidade que sustentam as práticas sindicais: alguns porque, ao reforçarem a integração dos trabalhadores na empresa, potencializam os obstáculos às propostas de democratização das práticas sindicais por meio de formas descentralizadas de organização no local de trabalho; outros porque pulverizam as categorias profissionais, dificultando a articulação de interesses comuns e a constituição de identidades coletivas.

No seu conjunto, as reivindicações de participação nos lucros; o início da discussão sobre as novas formas gerenciais; as críticas à terceirização, ao enxugamento de pessoal e à redução dos postos de trabalho; as manifestações contra o aumento da produtividade através da intensificação do trabalho; e as propostas de ampliação do espaço de atuação do sindicato no chão de fábrica revelam uma postura defensiva da parte das entidades sindicais. O sindicalismo brasileiro ainda não avançou em direção a uma perspectiva ofensiva que tenha como alvo interferir na política industrial do país, minimizar os impactos negativos da reestruturação produtiva e gerencial e garantir o seu legado positivo — a participação dos trabalhadores nas decisões e nos lucros das empresas e a afirmação de relações de trabalho mais democráticas.

Enquanto as empresas clamam por alterações no arcabouço legal das relações trabalhistas, com propósitos de flexibilizar os contratos de trabalho e reduzir o famoso custo Brasil, a principal bandeira do movimento sindical, nesta década, tem sido a defesa do emprego. As propostas de mudança na estrutura sindical e a reforma da CLT, os eixos do movimento sindical nos anos 80, ficaram em segundo plano. Em uma conjuntura adversa ao trabalho, qualquer mudança oferece alto risco.

 

Escritos de Vitória – Uma publicação da Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura Municipal de Vitória-ES
Prefeito Municipal: Paulo Hartung
Secretária Municipal de Cultura e Turismo: Silvia Helena Selvátici
Sub-secretário Municipal de Cultura e Turismo: Rômulo Musiello Filho
Diretor do Departamento de Cultura: Rogério Borges de Oliveira
Diretoria do Departamento de Turismo: Rosemary Bebber Grigatto
Chefe da Biblioteca Adelpho Poli Monjardim: Lígia Maria Mello Nagato
Bibliotecárias: Elizete Terezinha Caser Rocha, Lourdes Badke Ferreira
Conselho Editorial: Álvaro José Silva, José Valporto Tatagiba, Maria Helena Hees Alves, Renato Pacheco
Revisão: Reinaldo Santos Neves, Miguel Marvilla
Capa: Vitória Propaganda
Editoração Eletrônica: Edson Maltez Heringer
Impressão: Gráfica e Encadernadora Sodré

Fonte: Escritos de Vitória, nº 16 Movimentos Sociais, Secretaria Municipal de Cultura e Turismo – PMV, 1996
Texto: Antonia Colbari
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2018

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