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Cidade Presépio: Fogos - Por Renato Pacheco

Ed. Antenor Guimarães, construído no final da década de 30

Já vimos que, em 1934, Vitória tinha cerca de 6.000 casas, que antigamente se chamavam fogos. O recenseamento geral de 1940 registrou 7.958 prédios, na capital. Descontados os edifícios públicos, comerciais, escolares, de lazer e religiosos, diríamos que, com a estagnação econômica da época, o crescimento foi o esperado Em cada casa moravam quatro a seis pessoas.

Cousin dá a estes prédios dois a quatro andares. Estavam concentrados na Cidade Alta e nas ladeiras que dela levavam ao mar.

As pessoas mais abastadas moravam em palacetes, entre os quais arrolamos o do Dr. Américo Monjardim, na rua Barão de Monjardim, os dos Vivacqua e dos Neffa na avenida Capixaba, o de Oswald Guimarães, na ladeira Prof. Baltazar, os de Mário Freire e do construtor André Carloni, Kosciuszko Barbosa Leão – chamado de Castelinho – na rua Coronel Monjardim, o de Pietrangelo De Biasi, na rua José de Anchieta, e a Vila Oscarina, também dos Guimarães, na rua 23 de Maio.

Para a classe média reservava-se uma casa, em geral, assobradada, como a de Guilherme Santos Neves:

“A casa ainda está lá. Tem um quê até que altaneirozinho, levantada que foi em cima de uma pedra, e ainda com o toque feudal de um torreão todo empertigado à esquerda de quem olha (...) Duas grandes varandas, a de cima e a de baixo, correm ao longo da fachada da casa. (...) Na frente da casa, ao rés da rua, o jardim. Legiões de margaridas faziam ponto nos canteiros, à sombra de um chorão, uma tília e duas acácias amareladas. Das acácias partiam, todo fim de ano, os galhos floridos para enfeitar a casa dos vizinhos e assegurar a sorte o ano inteiro..

Nos fundos tinha um quintal em patamares. (...) O quintal tinha uma coleção de árvores frutíferas. Pés de goiaba, amora, pitanga, limão galego, e dois pés de manga. (...) No fundo do quintal, alto e garboso, ficava o pé de abacate.”

Um levantamento feito na rua Sete de Setembro e adjacências mostrou que, de cerca de cem casas residenciais, só cinco possuíam jardins, conquanto a existência de quintais, aos fundos, inclusive com pequenos galinheiros, era comum.

Quanto aos jardins, uma exceção extraordinária era a casa da bióloga e historiadora Maria Stella de Novaes, que cultivava, em sua casa da rua Coronel Monjardim, um jardim regional, com aproximadamente 3.500 orquídeas, além de avencas, samambaias, cactos, bromeliáceas, begônias e tinhorões, espécies oriundas do Estado e ameaçadas de extinção.

Já em 1936 o Diário da Manhã reclamava contra os casebres nos morros que desfiguravam a moldura da cidade presépio com seu “fundo verdejante”. Note-se não eram favelas, mas pequenas casas de alvenaria, cobertas de zinco.

Quanto aos móveis, em geral, na sala havia mesa, cadeiras, cristaleiras e “étager”, nos quartos camas-patente, armários, mesas de cabeceira, um ou outro quadro de santo; na cozinha, fogão, pia e guarda-comida.

No Diário da Manhã anuncia-se a venda de uma mobília de quarto de casa, uma sala de jantar, uma sala de visitas, um grupo estofado e outro de vime, uma vitrola Victor, uma geladeira e um fogão elétrico Edison. Veja-se o pormenor da sala de visitas, comum nas casas de classe média, e os eletrodomésticos já então existentes e cuja venda era favorecida pela Companhia Central Brasileira de Força Elétrica, fornecedora canadense de energia.

A conservação de alimentos era feita, em geral, em guarda-comidas, móveis que se colocavam na cozinha, em lugar fresco. Algumas casas tinham geladeiras que usavam barras de gelo compradas, diariamente, no caminhão da fábrica de gelo, de Vivacqua & Irmãos, na rua 23 de maio, que fazia também beijo-frio, picolé e polar.

As geladeiras elétricas, recém-chegadas, eram da marca GE, com dois modelos, De Luxe e Junior, sendo que primeiro tinha câmara congeladores de aço inoxidável, sobre o móvel.

A água primeiramente vinha das fontes Grande, do Catão (na Santa Clara) e da Capixaba “com o privilégio lendário de não deixar – quem beba sua água – afastar-se de nosso convívio gasalhoso”.

Em 1912 foi inaugurado serviço de água encanada e, em 1936, triplicado o abastecimento da cidade, com adutoras de aço que vinham da represa de Duas Bocas, em Cariacica, obra do Estado, tendo como técnico o engenheiro José Alves Braga, que construiu também nova caixa d’água no morro de Santa Clara.

O fogão era a lenha, sendo que os elétricos foram abandonados por causa do grande consumo de energia, salvo em casa que possuíssem “gatos”. A lenha vinha dos mangues das cercanias de Vitória, ou da madeira camará, de Viana e da Serra. A lenha era cortada em achas ou tocos (meias achas). Acoplado ao fogão a lenha havia um cilindro com saborosa descrição de Lima Fonseca: “Existiam, antigamente, antes do advento do fogão a gás, os fogões econômicos, de chapas de ferro, com guarnições de metal amarelo, em que uma boa cozinheira passava café, Kaol, deixando-as brilhando. Mas isso era fogão de casa de rico. Havia os que tinham caldeira de água quente ao lado, de ágata por dentro. Eram os fogões Berta, fabricado no Rio Grande do Sul, mas havia fábricas em Vitória, como a de João (Vaz), um português que trabalhava com os filhos.

Mas fogão mesmo, arretado fogão de respeito, fogão gostoso, é o fogão de barro, que a dona passa batinga para manter branquinho, ou o fogão de tijolo...” E cita os apetrechos de uma boa cozinha, machado, machadinha e facão.

Nessa cozinha, vivia-se uma boa parte do dia, desde o simples café com leite e pão com manteiga da manhã (margarina era considerado produto de segunda) até o almoço, precedido, às vezes, de “aperitivo” pelo chefe da família, em geral cachaças, e que constava de feijão, arroz, bife, ovos fritos ou cozidos, pouquíssima verdura e de sobremesa goiabada ou doces caseiros com queijo Minas e banana da terra assada, frita ou cozida, ou frutas da estação. À tarde havia merenda, pondo-se a mesa, com café, pão fresquinho e biscoitos. À noite, o jantar repetia o almoço, mas acendiam-se os fogões à tarde. (Comidas requentadas ou de véspera eram mal consideradas.) Alguns ainda faziam ceia, pelas 10 da noite, com chá e biscoito, ao fim dos entretenimentos caseiros ou conversas com visitas.

Aos domingos havia também macarronada e galinha morta e depenada em casa, era o jantarado. Também era o dia das bebidas, guaraná Antarctica, Brahma e Poranga, cerveja Teotônia ou Cascatinha e/ou vinho Único e Capelinha (nacionais) e mais raramente Chianti, Grandjó, Alvarelhão, Madeira (estrangeiros).

Nas grandes festas faziam-se feijoadas, cozidos e moquecas e na Semana Santa a famosa e única Torta Capixaba.

O leite, cujo consumo tomava 1.900 litros diários, era tratado numa rudimentar usina na avenida Capixaba e distribuído, in natura, em carrocinhas. Vinha das fazendas de pecuária próximas, de propriedade de João Tommasi – Jacuí – e Fonte Limpa – Edson Cavalcanti, e Carapina – Manuel Nunes.

Consumiam-se também 3.360 quilos diários de carne verde e 680 kg de peixe. Para preparar os alimentos usava-se banha de porco, ou composta (porco e coco), ou azeite Sol Levante das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, que não era azeite e sim óleo de algodão.

Os banheiros mantinham-se limpos, principalmente porque eram visitados, periodicamente, pelos “mata-mosquitos”, fiscais fardados, financiados pela Fundação Rockefeller, que deixavam uma papeleta na parte interna da porta.

Muito usados como material de limpeza da casa a soda cáustica, o sabão em barras Iori, fabricado em Santo Antônio, e o sabão de coco. Os fósforos eram marca Olho ou Fiat Lux. Usavam-se panelas de barro – consideradas as melhores -, bem como de ferro e alumínio.

Para a higiene pessoal usavam-se os sabonetes Eucalol, que distribuía famosas estampas -, o creme dental Odol, os pós-de-arroz Lady e Coty. Para os cabelos rebeldes vaselina ou, sofisticando um pouco, brilhantina L’Aimant de Coty, Glostora ou Brylcream. Remédios de uso comum sem receita médica eram Phimatosan, Cafiaspirina, Vinho Reconstituinte Silva Araújo, Biotônico Fontoura, Saúde da mulher, Rum Creosotado, Bromil, Ventre Livre, Vigonal, Jatahy Prado, Elixir 914, Emulsão de Scott, Grindélia de Oliveira Jr., Polvilho Antisséptico Granado, Sal de Uvas Picot, Sal de Frutas Eno, adquiridos nas farmácias Central, Popular, Santa Terezinha, Ramos e Aguirre, que também manipulavam as receitas que lhe enviavam os médicos, e ainda distribuíam almanaques de brinde de fim de ano.

Convivia-se bem com ratos e baratas, usando-se ratoeiras e naftalina. Havia periódicas irrupções de pulgas, carrapatos, piolhos, bichos de pé, tratados com remédios caseiros.

Algumas casas tinham cães. Outras gatos, ou passarinhos, papagaios e até galos de briga.

A construção das casas era feita morosamente. Havia muitos terrenos à venda, mas pouco capital para financiar construções.

A Caixa Beneficente Jerônimo Monteiro (hoje IPAJM) construiu as primeiras casas financiadas para seus associados José Maria Pacheco, na rua Gama Rosa, D. Júlia Lobato, no Alto da Santa Clara, José Maria Santos, na rua Francisco Araújo e Irmãos Furtado, na ladeira Prof. Azambuja.

Geralmente contratava-se um construtor. O assunto foi tratado na obra O capitalismo se apropria do espaço: a construção civil em Vitória (ES), São Paulo, 1993, de Carlos Teixeira de Campos.

Segundo este autor o ritmo da obra dependia do dinheiro do contratante. Eram construtores: Radagásio Alves, André Carloni, Camilo Gianordoli, Bruno Becacici, David Teixeira, Aurélio Porto e Manoel Brito.

Ainda segundo o mesmo autor, com planta de Radagásio Alves e construção de Norberto Madeira, os filhos de Antenor Guimarães construíram, no final da década de 30, o primeiro edifício de Vitória, na praça Costa Pereira, e o destinaram para aluguel.

Ainda em 1943 um jornal local considerava arranha-céu o referido edifício Antenor Guimarães, o Hotel Tabajara, com apenas três andares, e o edifício Henrique Lage, alugado pela Companhia Vale do Rio Doce, recém-criada.

 

Fonte: Os Dias Antigos, 1998
Autor: Renato Pacheco
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2012 



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