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De bonde com Grijó - Restaurante São Pedro na Praia do Suá

Praia do Suá - Restaurante São Pedro, 1952

Como comentei no início, falarei um pouco sobre o bairro da Praia do Suá. O maior orgulho para os moradores praianos era falar de João Capuchinho, um ex-pracinha que ficou nos campos de batalha da Itália durante a II Guerra Mundial; do ponta-esquerda do Recreio FC, Murilinho que foi para o Rio de Janeiro, onde jogou pelo São Cristovão FR e pelo Fluminense FC, fazendo ala com jogadores como Elba de Pádua Lima, o Tim, e Rongo. Quanto ao restaurante São Pedro, sua história começou com o aterro de Bento Ferreira. Certo dia, um contínuo do nosso escritório chegou para mim e Codé e nos disse: "Olha, descobri um restaurantezinho que serve uma comida muito boa". Então marcamos para o dia seguinte irmos almoçar para provarmos da "famosa" vitela ensopada com legumes. Esperamos quase meia hora que se desocupasse alguma mesa, pois o pequeníssimo restaurante de apenas cinco mesas estava lotado. Porém, se o prato fosse aprovado, estaria resolvido o nosso problema, devido à precariedade de tempo que tínhamos para voltar ao trabalho, dispúnhamos de apenas uma hora de almoço. As péssimas condições de transporte coletivo nos impedia de ir ao centro da cidade, não havia linha de ônibus e o bonde só passava de meia em meia hora. Para piorar, o horário reservado para nosso almoço coincidia com a entrada e saída dos estudantes. Felizmente a vitela aprovou; aliás, não só ela, mas todos os pratos que eram servidos. Após frequentar o restaurante por uma semana, conheci dona Almerinda, responsável pela comida gostosa que saboreávamos todos os dias. Ela era esposa do Sr. Ercílio Alves, pais de Ruth, Mário, Ercílio, Pedro, Almerinda, Janete, casada com o saudoso José Curry Carneiro, e Ivonne, casada com o engenheiro Edward Merlo. Certo dia, perguntei a dona Almerinda se havia a possibilidade de preparar uma moqueca. Ela ponderou que seria muito impróprio servir tal prato, devido ao espaço. Então propusemos que ela preparasse tal prato no sábado após o nosso expediente, que ia até ao meio-dia. Ela aceitou, e no sábado seguinte lá estava o Dr. Norberto Madeira da Silva, Codé, Rubens da Silva Nunes, o  Barduil, e eu comendo uma maravilhosa moqueca de papa-terra e que seria o início do serviço de moquecas no restaurante "São Pedro". Daquele sábado em diante, começamos a propagar a moqueca de dona Almerinda. Todo final de semana, devido a nossa propaganda, levávamos um ou mais colegas, até quatro, para provar o prato. O elogio era total. Num certo dia, convidamos Hélio Oliveira Santos, que ficou "doido" pelo prato que comeu. Já no sábado seguinte a presença de Dr. Beleza, Mário Pretti, João Miranda, Pedro Lima do Rosário, Mário Tavares, Guilherme Pretti e outros. Estes, ao invés de jogarem suas canastras no Bar Glória, passaram a jogar à sombra de uma árvore ao ar livre. O Ercílio, que tinha um armazém de secos e molhados, já passava a olhar a possibilidade de aumentar a área física. Primeiro fez uma puxada tipo meia-água e mais tarde ampliou a área do quintal; a fama foi correndo, e o restaurante passou a funcionar pela parte da noite. O secos e molhados acabou parcialmente, abrindo espaço para o restaurante, que a essa altura só atendia com hora marcada pelo telefone, e o seu fechamento passou a ser às 21h00min horas. Quando autoridades políticas, militares e civis vinham a Vitória, o almoço ou jantar era infalível no Restaurante São Pedro. Em maio de 1977 dona Almerinda faleceu, e Ercílio Jr., mais conhecido como "Pirão", apelido ligado ao prato de acompanhamento da moqueca capixaba, assumiu a atividade. O costume de fazer acompanhar a moqueca pelo pirão foi introduzido em nosso estado depois que os mineiros "invadiram" nossas praias, por volta da década de 1940/50. A moqueca que os nativos da ilha antigamente comiam era com arroz, feijão preto, farinha torrada na hora e molho de pimenta-malagueta in natura, com rodelas de cebola bem fininha, coentro picadinho, limão e azeite de oliva. Como as moquecas vinham para as mesas nas panelas de barro e depois acabavam secando o caldo, aproveitava-se aquele restinho de caldo e botava-se farinha no fundo da panela, improvisando-se assim uma saborosa farofa. O mineiro, talvez por não saber fazê-la, aproveitava o caldo e transformava-o em um pirão. Certo dia um dono de restaurante mais "vivo" passou a vender a moqueca com o acompanhamento de pirão e tendo um lucro extra. Como dizem que o uso do cachimbo faz a boca torta, nossa moqueca perdeu a originalidade e passou a ser servida erroneamente. No entanto, quem quiser prová-la com arroz e feijão preto prove-a e veja que beleza, usando o molho descrito acima e farinha torrada na hora. E dessa forma o nosso Ercílio Jr., o Pirão, hoje é uma referência em termos de culinária de frutos do mar, com seu ótimo restaurante "Pirão". Depois da aposentadoria do Ercílio, sua filha Ruth assumiu o movimento do São Pedro sem deixar cair o padrão, e eu digo que uma moqueca como a de dona Almerinda ainda vai custar muito para aparecer, pois só quem comeu das suas moquecas é que poderá lembrar o sabor do limão branco ou galego, coentro fresco, moqueca com caldo fino e com tintura de urucum suave e, além disso, o papa-terra. Considero o Restaurante São Pedro um "cinqüentão" que honra a nossa culinária, tendo como carro-chefe o nosso prato mais consumido e mantendo uma linha de cocção impecável, para o orgulho de nossa culinária.

 

Fonte: A Ilha de Vitória que Conheci e com que Convivi, vol. 6 – Coleção José Costa PMV, 2001
Autor: Délio Grijó de Azevedo             
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2019

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