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De bonde com Grijó – Seguindo pela Avenida Capixaba (atual Av. Jerônimo Monteiro)

Av. Capixaba, Bonde e FAFI - Foto: Otavio Paes, 1936

De volta ao itinerário do bonde, vou seguindo pela Avenida Capixaba e deparando ao lado direito, sentido Centro-Escadaria Djanira Lima, que se comunica com a Rua Wilson de Freitas. Ao lado tinha a Casa G. V. Dias, especializada em material de iluminação e eletrodomésticos. Do outro lado da avenida, em cima do prédio onde ficava o caldo-de-cana do Lira, morava Dona Maria Dulce Bruzzi Avidos, mãe de Moarcirzinho, Ronaldo, Dulce e Ruth. Ao lado, a casa de comércio do Sr. Cardoso, irmão do Sr. Victoriano, e pai de José, Carlinos, Judith, esta, grande pianista e professora, que tocava na orquestra sinfônica Rádio Nacional do Rio de Janeiro, bem como sua irmã América, que atua na Orquestra Sinfônica do Estado. Aurora, já falecida, era esposa do proprietário do bar Olímpio, ali da palmeira onde era o bar Britz. Ao lado da G.V. Dias, vinham as casas Pernambucanas, em seguida a relojoaria Moscon, que permanece até os dias de hoje. Em cima moravam os Lacourt, Dona "Pequena", com os filhos Alcides (Chico), José, Amanda, Mário, Noêmia e Odete (famosa educadora, casada com o desportista e comerciante Antônio Balbi), Alcides e José, que foram dois grandes jogadores de vôlei, futebol e basquete, sendo José destaque maior, tendo integrado por diversas vezes as equipes de futebol e basquete que representaram o Espírito Santo em campeonatos brasileiros das modalidades; e Alcides atuou no basquete. Dona Amanda era casada com Eugênio Pelerano, que foi prático da baía de Vitória, era pequeno inventor (hoje seria chamado de cientista). Noêmia, a "Nega", era casada com Rubens Menegaz. Já ia esquecendo-me de Lourdes, que também era professora, e Mário, que era alto funcionário do IBS — Instituto Brasileiro do Café (hoje extinto).

Em frente à entrada da Rua do Rosário ficava o Ginásio Espírito Santo, onde hoje está instalada a escola de artes FAFI. Esta por sinal "roubou" os nomes de Ginásio Espírito Santo e Colégio Estadual, que funcionaram ali por muitos anos. Diferentemente destes, a FAFI ocupou muito mal uma década e meia e jamais teve a tradição destes dois colégios e que ainda contava com os anexos dos grupos escolares "Gomes Cardim/Jerônimo Monteiro”. Portanto, no meu entender nada mais justo de se ter conservado o nome de um ou de outro, devido à tradição. Acrescente-se que pelo menos dois alunos desses colégios acabaram governando o nosso Estado. E estes foram: Christiano Dias Lopes e Arthur Carlos Gherardt Santos. Além de pessoas que ocuparam cargos públicos, como: os irmãos Paulo de Tarso, Gil Veloso e Orlando Ferrari, o Carnera, Dacy Grijó, o Garrafa, Orlando Cariello, Rômulo Salles de Sá, Sylvio Pélico, Jarbas Athaide Guimarães e tantos outros. A sala que faz esquina com a Barão de Itapemirim e Avenida Capixaba foi a minha primeira sala de aula e minha primeira professora foi Dona Ritinha, no Grupo Escolar Jerônimo Monteiro, pelo turno da tarde, pois pela manhã funcionava o Gomes Cardim. Professores como Mário Tavares, Francisco Genroso, Nelson Abel de Almeida, Moreira Camargo, Dona Zaíra Manhães, Dona Zilda Dalla, Sylvio Crema, João de Almeida, Padre Barros, Irene Mattos, as Irmãs Maria Heleonilda e Heleonora Amâncio Pereira e Arildo Lima, eram alguns dos mestres dos colégios que ali funcionaram (só dava cobra-criada). Na parte esportiva, principalmente no tempo do Colégio Estadual, a União Atlética Ginásio Espírito Santo (UAGES) era a grande vencedora, na maioria dos esportes que praticava contra seus principais adversários, que eram: Academia de Comércio de Vitória, Colégio Americano de Vitória, Colégio São Vicente de Paula e mais tarde a Escola Técnica Federal de Vitória. Em épocas de olimpíadas escolares do Estado, participavam colégios dos municípios de Muqui, Guaçuí, Cachoeiro de Itapemirim, Colatina, Mimoso do Sul, Castelo e Alegre.

Antes de voltar ao bonde, devo esclarecer, principalmente para aqueles que não tiveram o prazer de andar neste meio de transporte, que o bonde tinha um balanço, provocado pelas irregularidades na linha, que proporcionava maravilhosos cochilos sem limites de idade. Assim é que eu acabei cochilando antes de chegar ao ponto do Mercado da Capixaba (coisa gozada, embora a avenida já não tenha esse nome, o mercado é assim chamado). Dessa forma, deixei de observar fatos importantes da avenida, por exemplo: a Capixaba tinha no seu meio a posteação para iluminação e outros fins. Isso fazia com que a passagem do bonde por veículos estacionados, principalmente os caminhões, que já começavam a adquirir maiores carrocerias, levava perigo aos passageiros dos bondes que viajavam nos estribos. Os caminhões da marca International, K-7 e KB-7 não atrapalhavam o trânsito. O mesmo não se diz dos caminhões Mack, um deles de propriedade de Delphim Borgo, e os Ford F-8, sendo os F-8 de propriedade de Orlando Ferrari, que puxava e transportava café para o Rio de Janeiro. O outro era do Dr. Isac Ruy Menezes, que trazia o refrigerante Cola-Cola de São Gonçalo (RJ) para o depósito, primeiramente para o comerciante Elias Miguel, depois a Coca-Cola montou um depósito na Avenida Capixaba, numa loja em que funcionou a primeira mercearia dos irmãos Neffa. Seu representante era o Sr. Henrique, que ficou conhecido como Henrique "Coca-Cola". Eu fui o primeiro funcionário do depósito, aqui fazendo distribuição de propagandas em colégios e praias, como Guarapari. Para ir de Vitória a Guarapari de caminhão levava-se de duas a até três horas. Basta dizer que existia um ponto de parada no local denominado Fazenda do Neves. Para se chegar limpo em Guarapari, usava-se o famoso guarda-pó, uma espécie de jaleco que absorvia a poeira da estrada. A Coca-Cola era vendida em garrafinhas de um copo, e seu preço era CR$ 1,50 (preço muito alto para a época, mas, como era novidade, não dava para quem queria). Caso o negociante cobrasse a mais a Coca-Cola tinha o direito de suspender e retirar a mercadoria do estabelecimento devolvendo-lhe o dinheiro pago. Assim aconteceu com o Café Avenida, que majorou em CR$ 0,10 (dez centavos) e ficou 30 dias sem o fornecimento.

De volta à avenida, havia duas firmas importantes, que eram a Demócrito Silva, representante dos caminhões Fargo e Dodge, e o Sr Demóstenes de Carvalho, que dividia o escritório com os senhores Drasto Poli, comprador de café, e Carlos, que representava a Brhama Chopp em Vitória, sendo conhecido como Carlos da Brhama. Existia também a redação da revista semanal "Sete Dias", que tinha como diretor o Sr. César Vieira Bastos, e grandes jornalistas, como: Alvino Gatti, José Antônio de Figueiredo Costa, o Zé Costa, Élcio Alvares, José Carlos Monjardim Cavalcante, o Cacau que fazia uma coluna social intitulada "Coquitel". Essa revista usava uma linha política muitas vezes agressiva e às vezes dava impressão de extorsão. Certo dia, a revista atacou seriamente o deputado estadual do PSP (partido do Sr. Ademar de Barros) Harry de Freitas Barcellos. O Capitão Hary, como era conhecido (ele era do Exército), não gostou e acabou em plena luz do dia, num dos pontos mais movimentados da Ilha, que era o bar Sagres, junto com uns "Guarda Costas", aplicando uma surra com rebenque no jornalista. Para uma cidade pacata como era Vitória, isso por volta da década de 50, não poderia existir prato mais cheio do que este. Mas o que mais causou burburinho nas chacrinhas foi o fato de Élcio Cordeiro, que era deputado por Cachoeiro de Itapemerim, haver falado que o Cap. Harry não tinha coragem de fazer aquilo com ele. De fato os dois eram "armários" de respeito. Resultado: no dia seguinte a "galera" cedinho já estava na porta da Assembléia Legislativa para ver o desfecho de um "duelo" que todos esperavam depois do discurso inflamado durante a sessão, que chegou até ser interrompido, não só pela euforia da "galera", como também pelo teor dos pronunciamentos de ambas as partes. Para nós da "galera", só nos restava os acontecimentos nas proximidades do Cafezinho do Almeidinha, onde os deputados se reuniam depois das sessões. Qual não foi a nossa decepção quando os dois se encontraram no interior do estabelecimento e um fazia questão de pagar o café do outro. Resultado: demos uma grande vaia nos dois e o César ficou com as marcas do rebenque. Coisas de nossos políticos...

Duas ruas cortavam a Avenida Capixaba. A do Rosário era uma rua com poucas residências e servia de acesso à escadaria da Igreja do Rosário. Moradores dali que eu me lembre eram Olegário Wanguestel, o fotógrafo Oleg, Sr. Aguiar, que era funcionário da Central Brasileira de Força Elétrica-CCBBF-Maestro Stobrac, Sr. Manoel e dona Emília, proprietários da padaria de "Dona Emília". Pela madrugada a turma da "Chacrinha" da Praça Costa Pereira ia para lá, por volta das duas horas, saborear os pães de sua primeira fornada. Seus filhos Neca e Emília, Sr. João Abreu, e no final da rua em cima da sapataria de seu Chíquinho e família Gonçalves (tradicional de Vitória). Interessante que a outra rua que cortava a avenida é a Barão de Itapemirim, e a maioria das residências e casas comerciais se comunicavam com a Rua do Rosário.

Seguindo pela Capixaba, do lado direito, a Gráfica Túlio Samorini e os Quatro Irmãos, que eram Munir, Sami, Zaki e César Hilal (não confundir com Helal). Os irmãos tinham um empório e moravam em cima da loja. Hoje a casa se encontra nas imediações da escadaria Bárbara Lindenberg (escadaria do palácio) e faz parte da Avenida Jerônimo Monteiro, sendo juntamente com a Casa Flor de Maio, talvez, uma das mais velhas da cidade. Hoje funciona sob o comando dos filhos César e Sami.

Já na Rua Barão de Itapemirim, outra transversal, na parte por de trás da Fafi a água beirava a calçada do prédio e não havia pavimentação, que só veio a ser feita após o aterro que deu passagem à Avenida Princesa Isabel, pelo lado do Teatro Carlos Gomes; era um trecho com poucas casas comerciais e residências. Pelo lado residencial, as famílias do Sr. Manoel Câmara, Nicoletti, Arnaldo Barcellos, casado com dona Sinhazinha Batalha, de cujo matrimônio veio o filho Antônio Batalha Barcellos, o psiquiatra mais antigo de Vitória e torcedor ferrenho do Vitória FC., casado com Yêda Carneiro de Mendonça; Maria e Ana Maria, uma das mulheres mais elegantes da Ilha em sua época de society; Gomide Lucas e seus filhos Ney, Roberto e Beatriz; a família Vaz, que possuía uma fábrica de caixa d'água e fogões a lenha etc. Pelo lado comercial ainda existia a fábrica de móveis de Salvador Busato, figura folclórica de Vitória, devido ao fato de pedir carona a todo mundo que tinha carro. Sobre este costume da carona, dois fatos marcaram a figura do Sr. Salvador. O primeiro se liga a seu gosto de comer bem. Mesmo sendo viúvo e ter apenas duas filhas, Maria José e Dorisa. As duas cestas de compras (eram de bom tamanho, Ele usava a seguinte estratégia: ficava em frente ao ponto de bonde, como se estivesse ali esperando o coletivo. Mas deixava as cestas nó bar do Dodô e Gélio. Caso aparecesse uma carona, ele mandava o amigo esperar e abria o porta-bagagem para colocar as cestas. Aí o amigo o levaria até a Rua Aleixo Neto, na Praia do Canto. O outro foi o dia em que pediu uma carona ao Moacir, um sargento enfermeiro, que dirigia a ambulância da PM para a Praia do Canto. Resultado: ao desembarcar em frente de sua casa os familiares tomaram o maior susto com a ambulância e calmamente o Sr. Salvador desceu com suas cestas de compras. O Sr. Salvador era gente finíssima. Ao lado existia a fábrica de balas Delma, onde se compravam dez balas por um tostão. Do lado direito da rua, o víspora do Sr. João Percy, logo em seguida a Escola Remington de Dactilografia, de Dona Celina Florence, juntamente com Ilma Freitas. O bar Carlos Gomes fechava a extensão de rua.

Deixei para comentar no final a Agência da Condor, que mais tarde foi substituída pela Viação Aérea Cruzeiro do Sul, onde involuntariamente anos mais tarde tive atuação importante, cuja razão comentarei mais adiante. Quando era a Condor, a empresa era gerenciada pelo Sebastião Gomes e tinha como despachante o Sr. Severiano Oliveira. Dois motoristas que transportavam os passageiros para o aeroporto de Goiabeiras, hoje Eurico Salles, eram: Sr. Cândido, que dirigia a "perua" da marca International, com capacidade para oito pessoas e que apanhava os passageiros em suas residências ou hotéis; já o Sr. Aurelino Silva, mais conhecido como Buchecha, era um motorista de praça (na época não se chamava de taxista, pois o taxímetro por aqui não existia), fazia apoio aos embarques e desembarques. Os aviões Junkers, de fabricação alemã, monomotores e trimotores, eram aviões seguríssimos; poucos acidentes durante o tempo em que estiveram em ação foram assinalados em todas as partes do mundo. Por volta da década de 1940, já adotando o nome de Viação Aérea Cruzeiro do Sul, os Junkers, que passaram a usar o novo nome da empresa por força de questões internacionais entre Brasil e Alemanha durante a II Grande Guerra Mundial, passaram a aterrissar nas pistas de barro e grama do aeroporto de Goiabeiras. Por volta de 1950, alguns Junkers resistiam a popularidade e o maior conforto e velocidade dos Dc, os Douglas que fizeram sucesso na guerra. Daí em diante, os velhos Junkers foram aposentados, mas sempre lembrados nos serviços prestados tanto nos céus de batalhas, como na aeronáutica comercial. Depois da aposentadoria do Sr. Sebastião Gomes, o Sr, Diniz assumia a gerência da Cruzeiro do Sul, por volta de 1960. Nessa época já existiam diversas empresas aéreas, além das pioneiras Panair do Brasil e Cruzeiro do Sul, ex-Condor. As outras eram: Aerovias Brasil, NAB Navegação Aérea Brasileira, LAB — Linhas Aéreas Brasileira, e Loyd Aéreo, que trafegava com os DC-4 Curtis Comander, aviões pesadões, porém mais possantes do que os DC-3, que transportavam maior número de passageiros. Já que falo em aviação, aproveito para citar os hidroplanos da Panair, os Clípers, que aterrissavam na baía de Santo Antônio, e por este motivo é que ali existe um local chamado de cais do avião. Era uma estação de embarque/desembarque. Isso aconteceu até o final da década de 40, porém já mais escasso.

Mas o que mais marcou nossa história de vida comercial da aviação em nossa capital foi o horrível acidente com o avião de prefixo PP- CEZ — Convair 240, da Cruzeiro do Sul, no dia 9 de maio de 1962, às 19h30min, trazendo a bordo 26 passageiros e tripulantes, quando preparava-se para aterrissar distante da pista 1.500 metros, em uma noite chuvosa, tendo como sobreviventes apenas 2 pessoas, enquanto 24 pereceram. A causa foi a batida do lado esquerdo da asa em uma touceira de bambu gigante, no bairro de Fátima, nas proximidades do Bailão do Xiru. Foi uma explosão terrível ouvida em diversos pontos de Vitória. Os destroços se espalharam por mais de 800 metros de distância. Quando disse que tive uma atuação importante na Cruzeiro do Sul, foi devido a minha participação nas buscas de salvamento, como passo agora a narrar. Nessa ocasião eu trabalhava no Banco Mineiro de Produção e era noivo, e minha noiva, que mais tarde passaria a chamar-se Belmira Costa Azevedo, morava em Aribiri, Vila Velha. Sempre que saía do banco fazia uma horinha no Bar "Scandinavia" para aguardar a lancha que fazia a travessia da baía de Vitória. No dia do acidente apareceu nervoso no bar o sargento/enfermeiro Moacir, aliás já citado anteriormente, que se dirigiu a mim dizendo: "Grijó, aconteceu um desastre horrível no aeroporto e tem gente ferida e morta para valer". Como na época era doador de sangue, prontifiquei-me a ir para o local ou Samu, caso fosse necessário poderia doar sangue. Porém, quando cheguei no Samu por volta das 8h, fui informado que não existiam sobreviventes. Então rumei para o local do acidente com o Moacir. Foi o espetáculo mais horrível que já vi em minha vida, pois o fogo ainda pegava e dentro daquela escuridão só se enxergava através dos faróis dos carros de bombeiro e populares, e sem saber o que fazer. Resolvi ajudar a remover fuselagem e vez por outra encontrar um corpo carbonizado. Como disse, apenas dois salvaram-se: O Sr. Joaquim, um representante comercial, e o engenheiro da TV Tupi, que uma semana antes estivera comigo, José Luzardo, Élcio Alvares e Manoel da Silva Nunes, a fim de localizar o ponto de antena para sua instalação no morro da Fonte Grande, que iria servir para o funcionamento da TV Vitória, uma dádiva do Sr. João Calmon ao povo capixaba e que entrou no ar no dia 8 de setembro como um presente dos Diários Associados. Depois de definir o local onde seria afixada a antena, o engenheiro Jean Paul Godin retornou ao Rio de Janeiro, ficando de retornar dias depois, quando então foi vítima do terrível acidente, sendo salvo pelo Sr. Joaquim, que fora cuspido pela porta de emergência. Já fora do avião em chamas e todo destroçado, o Sr. Joaquim ouviu gritos de socorro e resolveu arrastar-se e, através do som, chegar até ao engenheiro. Ressalve-se que o Sr. Joaquim no momento tinha uma clavícula fraturada e cinco costelas quebradas. Mas mesmo assim arrastou o engenheiro para um lugar mais seguro e mais tarde foram recolhidos por pessoas do salvamento. Um outro passageiro chegou a ser retirado com vida, porém, com mais de noventa por cento de queimaduras, não resistiu, falecendo na Santa Casa. Devido ao feito heróico do Sr. Joaquim, este foi condecorado no programa da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, intitulado "Honra ao Mérito", do radialista e médico Paulo Roberto, recebendo uma medalha de ouro e um diploma de bravura em benefício de alguém. Mais tarde, apareceu no local o agente da Cruzeiro do Sul, o Sr. Diniz. Ele trazia a lista de passageiros, aí é que foi a parte mais dura de tudo. A lista só continha nomes conhecidos, dentre eles o de Fábio Rubens Ruschi, um dos meus maiores amigos e que eu havia escolhido para ser meu padrinho de casamento, que transcorreu cinco meses após. Diante do fato empenhei-me nas buscas dos corpos carbonizados. Estas buscas foram feitas até às 10 horas da manhã, quando já haviam sido identificadas todas as vítimas, a maioria através de pertences, como o meu amigo Fábio, que foi reconhecido por seu irmão Bebeto Ruschi, por causa de um cordão e uma medalhinha. Quando o dia estava amanhecendo, o delegado de Polícia Silo Caldas Pinto chamou-me, juntamente com Oreste Rosette, e perguntou-nos se tínhamos coragem de retirar os pertences dos corpos carbonizados para o reconhecimento. Topamos e lá fomos nós tirar anéis, alianças, cordões, etc.. que eram anotados e entregues à Polícia. Na lista estavam, que eu me lembro: o engenheiro José Rebolças, que viajava juntamente com Fabinho, paralelo ao motor que explodiu, Dona Jacy Castelo, um irmã[o] do cabeleireiro Jorcel, Marangoni, que era calista, Ariosto da Silva Santos, empreiteiro da PMV e irmão do Airton Pedra, o grande craque capixaba Tom, aliás o Ariosto foi um bom zagueiro. No entanto, o que mais me chocou com tudo isso foi eu ter que informar a morte de um rapaz que vinha passar uns dias com o Aristides Campos Filho e que morava em Belo Horizonte. Para tal dirigi-me com o Sr. Diniz até a agência em Vitória, pois o Sr. Diniz pretendia comprar umas bebidas quentes para o pessoal do resgate, que já estava ensopado, além de ter de enfrentar o vento sul, que açoitava o planalto. O Sr. Diniz, alegando emoção, pediu-me que informasse aos familiares do rapaz o seu falecimento. Para localizar seu telefone tive de pedir auxílio a um posto de abastecimento de combustível. Liguei para o posto e expliquei a situação ao vigia (já passava das duas da madrugada) e o vigia levou o recado ao pai do rapaz, informando que havia um telefonema urgente de Vitória e que ele fosse atender. O homem já atendeu perguntando o que tinha acontecido com o filho dele.

Tentei segurar a barra, porém a emoção traiu-me e comecei a chorar do outro lado da linha e fui obrigado a dizer-lhe que o seu filho havia falecido em um desastre de avião em que ninguém sobrevivera, e que ele aguardasse instruções através do Sr. Aristides ou pela agência da Cruzeiro. Já na Santa Casa, onde os corpos foram velados, eu permaneci o tempo todo junto do rapaz até a hora de seu translado para Minas Gerais. O acidente fez com que meu nome ficasse conhecido no Brasil através da reportagem da revista Fatos e Fotos: o jornalista Marcelo Escobar encomendou-me texto e as fotos de Maurício Xavier. Assim, artigo com assinatura de Delio Grijó Azevedo circulou em edição extra. O Sr. Diniz, como um reconhecimento do meu trabalho informal, presenteou-me com uma passagem ida e volta ao Rio de janeiro, por ocasião de minha lua de mel.

Sinceramente, desejava que tudo isso que narrei não tivesse acontecido. Desculpem-me, mas terei que retornar até a Rua Barão de Monjardim, porque, se deixar esse relato de fora, estarei cometendo a maior injustiça, pois trata-se da família de Dona Maria Lúcia, a parteira em cujas mãos, ao sair do ventre de minha mãe, fui amparado. Era mãe do arquiteto Hélio Vianna, Hebe e Luci, vivia com o Sr. Albuquerque, funcionário da Cesmag, mas que, pelo modo de trajar-se – usava terno de linho e casimira, com colete, polainas e chapéu de gelo —, mais parecia um senador. Foi dona Maria Lúcia, juntamente com Dona Augusta Mendes, mãe do saudoso pianista Hélio Mendes e do baterista Nilson Mendes, as melhores parteiras da época. Setenta por cento dos partos foram feitos por elas, aqui na Ilha. Volto à Barão de Itapemirim para lembrar o nome de Luiz, que é filho adotivo de seu Arnaldo Barcellos e que mais tarde foi muito tempo contador da firma do Sr. Ellias Miguel. O nosso tranquilo e estimado "Luís Preto".

Entro novamente no bonde e vou passando pela Profhylaxia (parece até palavrão), mas era uma espécie de centro de saúde onde se cuidava principalmente da sífilis, uma doença venérea tratada por meio de injeções de temorgêneo, 914 e Bismuto. Ali também fazia-se exame de sangue e raio X e aplicavam-se vacinas com as infalíveis agulhas do Mário Benezath. As prostitutas da época eram ali fichadas e, depois de comprovado o estado de saúde ok, recebiam uma carteira que lhes garantia sua estada nas casa de prostituição, porém semanalmente os fiscais da saúde pública percorriam as zonas do meretrício e, caso existisse alguma mulher sem a devida carteirinha de saúde, não podia frequentar a casa, e a proprietária desta era multada.

A Prophylaxia, que quer dizer asseio, limpeza, ficava ali onde funcionou o Diário Oficial do Estado e Secretaria de Estado da Administração por muito tempo e hoje funciona o Museu de Artes Modernas do Estado. Faz confluência com a Rua Barão de Itapemirim e a atual Av. Jerônimo Monteiro. Do mesmo lado, vinha o fundo da fábrica de móveis do Sr. Salvador Busatto, por sinal um triângulo, pois a entrada principal da fábrica e exposição ficava para a Praça Costa Pereira. Com referência ao muro da Jerônimo Monteiro, que ainda era Capixaba, o empresário pioneiro de linha de ônibus Apolinário Del Maestro, o nosso querido Marinho, resolvera candidatar-se a vereador de Vitória. Até aí tudo bem, e partiu para a campanha. Certa noite, após apanhar um caixote de gasolina vazio na bomba do Oswaldo Pandolphe que ficava em frente à então fábrica de móveis do Sr. Busatto, quando estava pregando um cartaz com sua foto e o seu nome onde dizia: — "Para vereador Apolinário Del Maestro" eis que chega um velhinho e lê em voz alta "Apolinário Del Maestro" e resmunga: "Vai ver que é igual aos outros!" Marinho desceu e chegou na praça no meio da "Chacrinha" xingando tudo que tinha direito. Era um bom sujeito e ainda abordarei o seu nome mais adiante.

Depois do Ginásio Espírito Santo, hoje FAFI, vinha o prédio onde funcionou a repartição Federal da Economia Rural e em baixo é hoje o Larica. Mais ao lado o escritório de Alfredo Gomes, que era casado com minha tia Odete, hoje com 96 anos de idade. Seu sócio, Antônio Gil Velloso e também o Sr. Raul Sodré, que tinha representações. Em baixo funcionava a Lavanderia Vitória, de propriedade do Lauro Laperrili, e ao lado a agência da Aerovia Brasil, e seu agente era Nelson Silva, o "Nelson Calado", como era conhecido nos tempos de aeroclube. Ele era pai do jornalista Álvaro José Silva. Seu auxiliar e despachante de embarque era o Sr. Edgard dos Anjos, que, como o Colatino da Panair, gostava de tirar uma de comandante de avião (euforia da idade). Um dos prédios de que se tem história para contar é o prédio onde hoje funciona a Casa Strauch. É que ali funcionou a maior gafieira de Vitória, sede do time de futebol América F.C. (time de várzea). Aos sábados e domingos havia bailes, cujos frequentadores constituíam-se, na maioria, de empregadas domésticas e trabalhadores de diversas classes. No entanto, pessoas que se diziam da alta sociedade, depois do encerramento dos bailes dos clubes Vitória, Saldanha e Álvares Cabral, tentavam adentrar os salões do América, porém o acesso à gafieira era difícil, pois existia uma discriminação por parte da diretoria. Mas a maioria que tentava entrar era para ver se conseguia uma doméstica para prolongamento de noitada. O modo de funcionamento de uma gafieira era o tipo de coisa gozada. A orquestra era composta de bateria, pandeiro, banjo (é bom lembrar o famoso Oscar do Banjo, que tomava uma cana "arretada"), trombone de vara, clarinete, às vezes um saxofone e pistão. O início de uma sequencia de músicas era dado por um toque na bateria, que indicava que a dança ia começar. Ato contínuo, os homens, que ficavam de um lado, dirigiam-se às "damas", do outro lado, e solicitavam a contradança. Caso ela se recusasse e o cavalheiro insistisse, o fiscal de salão intervinha, e se ele voltasse a insistir e molestar a "dama" era posto para fora imediatamente e às vezes de forma não muito legal. Os bailes de gafieira ali funcionaram por mais de vinte e cinco anos. Depois que o América encerrou suas atividades, o banqueiro do bicho Aprígio Vieira Gomes e seu irmão Anacleto instalaram um salão de víspora, com mais de duzentas cartelas. Depois das oito da noite o programa consistia no víspora, que ia até as duas da madrugada, sempre lotado. Ainda me lembro dos cantores e cobradores, como Paulo Loroza, Guerra e Armando Mauro. Por volta das onze da noite era servido o lanche, que era pão com presunto ou mortadela e queijo e mais um cafezinho. Interessante é que quem fornecia os lanches era o Café Avenida e, quando a "galera" percebia o movimento no bar, ia para o víspora e comprava um cruzeiro de ficha e ocupava a mesa de carteia e com isso acabava ganhando um lanche e às vezes mais. A minha cartela era a de número 80, e com a de número 81 jogava o Sr. Carino Freitas, que era um viciado em víspora, tendo no jogo cadeira cativa. Os números eram marcados com fichinhas de papelão e às vezes, para perturbar, um de nós forjava um espirro, com isso desmarcando a cartela do lado. Caso isso acontecesse, a rodada parava e eram chamados todos os números novamente. Outro modo de perturbar era bater errado. Muitos parceiros desmanchavam o jogo e, para reiniciar, nova chamada era feita. Dependendo do comportamento de certos jovens, estes eram barrados por certos períodos. Eu fui muitas vezes, mas, depois de promessas e desculpas junto ao Anacleto, este permitia a entrada.

Como ainda estou na Capixaba, lembrei-me de uma loja comercial de renome nacional, a Ducal, uma loja especializada em moda masculina. Seu representante aqui em Vitória era o Sr. Oscar Neiva. Suas roupas ditavam modas. Um fato interessante foi o golpe que ela sofreu devido a um tipo de propaganda usado pela loja: "Compre na Ducal, sem entrada e sem mais nada". Dizem que um espertalhão do Rio de Janeiro fez uma grande compra e deu o maior tombo, usando a frase da propaganda. Comprou e não tinha mais nada a pagar. Este fato poucos atualmente em Vitória sabem. Ali onde está uma loja da Strauch, na esquina com a Jerônimo Monteiro, funcionava uma estação de tratamento de esgoto do DAE — Departamento Estadual de Esgoto, que foi construído no governo Jerônimo Monteiro. Esta estação fazia o tratamento do esgoto e depois lançava-o para as águas da baía de Vitória. Hoje ele vai direto à baía. Antes do edifício do DAE,[ali funcionou] a firma Arens e Langen, exportadora e importadora (mais adiante comentarei sobre os fatos do quebra-quebra em Vitória). Ao lado, a firma Theodoro Wille, que trabalhava com tecido e outras mercadorias. Na esquina da Gonçalves Dias com a Jerônimo Monteiro ficava a Western, que operava em sistema de telégrafo via cabo submarino, que comunicava com o mundo inteiro. Pela Gonçalves Dias dava-se com a firma Plácido Barcellos, que representava diversos tipos de bebidas, inclusive a cerveja Antarctica. Hoje na área do Edifício Barcellos há um misto de garagens de estacionamento e salas. Detalhe: após o habite-se, quatro andares apresentaram dilatação, que acabou gerando pânico na área e esta ficou por bom tempo interditada, até que colunas auxiliares fossem anexadas, e ele continua de pé até hoje, sem perigo para os que nele habitam e para a população que por ali trafega. Em frente e fazendo esquina com a Jerônimo Monteiro, o Cine e Teatro Glória, iniciado em 1926 e inaugurado em 1931.

 

Fonte: A Ilha de Vitória que Conheci e com que Convivi, vol. 6 – Coleção José Costa PMV, 2001
Autor: Délio Grijó de Azevedo
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2019

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