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Desembargador João Manoel Carvalho no IHGES

O Desembargador João Manoel de Carvalho lê o seu discurso de posse na Presidência do Instituto Histórico e Geográfico do ES, para o biênio de 1945 a 1947

Não assumo esta tribuna, tão somente em cumprimento de um dever compromissal ou para atender a uma praxe consagrada pelo costume desta casa. Para aqui sou arrastado por um natural impulso de reconhecimento para com os meus ilustres companheiros de casa, que num movimento de nítida fidalguia me elevaram à Presidência do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Essa distinção por todos os títulos honrosa e nobilitante me encontra na fase da vida em que o homem não é nem um futuro, e nem um passado, mas positivamente uma realidade. Sem ter uma posição política de relevo, sem estar apoiado em função pública de que pudesse advir proveito moral ou material para o Instituto, minha escolha não pode ter outra justificativa, senão a resultante de um movimento de amizade cativante ou de conforto delicado.

Em período de dificuldade para a vida do Instituto e de uma situação melindrosa para compor sua diretoria, foi eleito para seu presidente o ilustre e dedicado consócio Dr. Araujo Primo. E se não fosse ter S. Excia. recusado de modo peremptório a continuar a exercer a presidência estaria ele dirigindo, com aquele tino todo pessoal e com exemplar dedicação, os destinos desta casa. A escolha do Dr. Araujo Primo, que obedecera com precisão o critério do valor pessoal e da reconhecida prudência de direção, foi solução acertada.

Estávamos, como ainda hoje nos encontramos, em época em que a maior preocupação é a de reformas. Nota-se em todos os campos da atividade humana uma tendência berrante, de sob o pretexto de se atualizar o presente, derruir tudo que o passado sabiamente nos legou. Espírito disciplinado, formado em ambiente de profundo respeito à letra da lei, foi o ilustre presidente defensor constante do nosso estatuto, a barreira intransponível a modificações de suas regras. Neste terreno tornava-se intransigente e, em sua delicadeza toda pessoal, percebia-se perfeitamente ele dizer: – amigo dos colegas, porém, mais ainda do regimento. – Apesar das dificuldades materiais em que se encontra o Instituto o meu ilustre antecessor muito fez em prol de seu patrimônio e na conservação das tradições honrosas desta casa. E assim procedendo fez obra meritória, que será, estou certo, sempre por todos nós reconhecida.

A grandeza de um povo não se avalia só pelo que produz, mas pelo que produziu. Para conservar essa parte tão valiosa é que a história exerce o melhor de sua finalidade. É por intermédio de seus Institutos e de seus arquivos que o povo conserva sua tradição e os motivos de seu orgulho. A história não é só o registro do que houve, mas uma ciência que pelos acontecimentos do passado, ensina a prever o futuro. Essa definição não é uma novidade dos novos cientistas, porque na mais remota antiguidade o sábio rei David proclamava: Cogitavi dies antiquos et anos eternos, in mente habui (Meditei nos dias do passado e vi em mente os anos do futuro). Em seus ensinamentos ela é precisa, e ai daqueles, que se supondo acima das contingências humanas, tentam desmenti-la. Acabamos de assistir à comprovação dessa afirmativa. Ainda nos encontramos ébrios de alegria pela vitória doa Aliados para a qual também concorremos com as vidas preciosas de nossos patrícios. Nunca a história foi mais precisa nos seus vaticínios e tivemos o conforto de ver que a sua lição foi completamente cumprida. Por isso, repito – ai daqueles que tentam desmenti-la ou confundi-la. O triunfo da justiça, da liberdade, do direito e da dignidade do homem, estava previsto nos seus mínimos detalhes. Hoje temos a certeza de que viveremos, de que nossos filhos e netos viverão a vida digna do homem feito à imagem e semelhança de DEUS. Como um preito de gratidão não podemos deixar de declinar o nome das nações que, sofrendo os horrores indescritíveis da guerra mais desumana, reagiram no tempo e no espaço, concorrendo assim para a Vitória completa: a China de Chiang-Kai-Shek, a Inglaterra de Churchill, os Estados Unidos de Roosevelt, a Rússia de Stalin – elementos providenciais e predestinados para construtores da grande Vitória. Saudemos os heróis da humanidade. E com que santo e grande orgulho não nos sentiu em afirmar que ao lado dessas nações predestinadas, junto à França heroica, a Bélgica e Holanda indômitas, a Polônia mártir, a Yugoslávia invencível, nós por um movimento de solidariedade e dignidade derramamos o sangue jovem e precioso de nossos irmãos. Perdemos vidas caríssimas e no nosso próprio território assistimos, tomados de pavor e revolta ao assassino em massa de homens, mulheres e crianças. Estão inscritos no livro dos heróis e dos mártires, porque deram as suas vidas moças e esperançosas os nossos patrícios...

1-  Manoel Apolinario dos Reis

2-  Altino Martins da Vitoria

3-  Manoel Furtado

4-  Benome Falcão de Gouvêa

5-  Abilio José dos Santos

6-  Seonilo de Souza

7-  Antonio Farias

8-  Pedro Mariano de Souza

9-  Ailson Simões

10- Adão Benezath

Glória e honra para os que tombaram e se tornaram heróis. O sacrifício dos nossos não foi inútil e mais uma vez ficou escrita na história do mundo uma página gloriosa para o nosso Brasil.

Ao assumir a presidência dessa casa, meu ilustre antecessor descreveu a situação material do Instituto dizendo:

“Há uma regular biblioteca, um pequeno museu e está sendo organizado o arquivo; porém, para que possa tudo isso ser apresentável, de modo a ser olhado com consideração, precisa o Instituto de ter em definitivo a sua morada. O Estado doou-nos uma casa, de que tomamos posse. Houve depois uma troca por outra dependente de adaptação, que não pôde ser feita. Desfez-se a troca e ficamos na antiga casa, da qual ultimamente saímos por ameaçar ruir. Agora funcionamos provisoriamente em casa alugada. Uma solução se faz necessária a respeito, e teremos que apelar novamente para o Governo do Estado, a fim de que zelados sejam tradições e anais em prédio que esteja em condições de ser chamado sem desdoiro – ‘Casa do Espírito Santo’.”

Hoje pouco tenho que acrescentar. Estamos na mesma ou em pior situação. Urge aparelhar condignamente a sede do Instituto Histórico. Só mesmo com a dedicação de sua diretoria, principalmente a dos dois ilustres secretários Drs. Eurípedes Queiroz do Valle e Jair Etienner Dessaune, pode-se quase por milagre salvar e conservar o arquivo da casa. Não temos um gabinete, uma mesa sequer destinada à secretaria. Materialmente falta-nos tudo. Só há dedicação de nossos confrades.

Na história de nossa Pátria há um fato que nunca é demais se repetir – a dedicação de D. Pedro II ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Ele, amparando o Instituto Histórico e Geográfico, demonstrando que prezava sumamente o seu título de protetor perpétuo do Instituto, presidindo-lhe as sessões semanais, colaborando nos seus trabalhos (enriquecendo-lhe com vigilante munificência a biblioteca) (M. Azevedo), sabia que construía obra imperecível. E quando o magnânimo Imperador foi atingido pela adversidade, abandonado por aqueles que na véspera lhe beijavam as mãos, foi precisamente no Instituto Histórico que encontrou o conforto preciso para mitigar a ingratidão dos homens. Ele não foi ludibriado na sua confiança quando afirmava: - A História me fará justiça, eis a minha fé consoladora (Afonso Celso). Fé forte e robusta que ficou ainda manifestada em seus versos:

E entre visões de paz, de luz, de glória

Sereno aguardarei no meu jazigo

A justiça de Deus na voz da História.

Esse exemplo há de frutificar aqui. Nota-se, mercê de Deus, um novo espírito animando todas as energias de nossa terra. O ressurgimento econômico e o equilíbrio orçamental já estão produzindo seus resultados benéficos. O congraçamento – mais de que congraçamento – a confraternização da família capixaba, obra quase que milagrosa, obtida pelo Sr. Interventor Santos Neves, forma um ambiente propício para realizações úteis, práticas e necessárias não só para o progresso material, como ainda para o desenvolvimento cultural do nosso meio.

O Instituto Histórico não pode ser esquecido, num momento como esse. Além de nosso patrimônio cultural, temos a conservar e zelar por um patrimônio material superior a Cr$800.000,00. Precisamos de edifício condigno, onde se possa trabalhar com eficiência e se possa guardar com segurança objetos de tão grande valor. Precisamos ter nossa sede própria, que seja o sacrário onde religiosamente guardaremos as tradições legadas pelos nossos antepassados.

Sem o auxílio do Sr. Interventor nada poderemos fazer. Estou certo, porém, de que nosso trabalho será só o de pedir. Não precisaremos insistir, nem tão pouco nos tornarmos inoportunos porque o patriotismo e cultura que formam a personalidade destacada do nosso Interventor são o penhor da proteção que S. Ex. nos dispensará, proporcionando-nos a realização de nosso sonho de muitos anos: a construção da Casa Espírito Santo. Será ela o marco que atestará no futuro uma época feliz de nossa terra e da operosidade do preclaro Interventor, que tudo tem feito e que tudo fará para o engrandecimento do Estado.

 

 

Fonte: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Nº 65, ano 2011
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2013 



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