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Diário - Por Eugênio Sette

Foto antiga da Praça Oito ilustrando o título que Eugênio Sette dava a sua crônica de o Jornal A GAZETA, na década de 1940

Novembro, 2 — Escrevi, certa vez, sobre a vontade que me ocorrera de reencontrar os que me eram caros e que se foram. Depois que Thomas Wolfe (63) escreveu “... urna pedra, uma folha, uma porta que não se encontra; de uma pedra, uma folha, uma porta e de todos os rostos, esquecidos. Despidos e sós, entramos no exílio. No ventre escuro, de nossa mãe, não conhecemos a sua face; da prisão de sua carne, viemos para a prisão indizível e in-comunicável desta terra. Quem de nós conheceu o seu próprio irmão? E no coração do próprio pai, quem penetrou? Quem deixou de ser permanentemente prisioneiro? Qual de nós não é —para sempre — estranho e só? Perdidos na confusão, perdidos entre as estrelas brilhantes, perdidos e exaustos sobre esta brasa apagada! Sem fala, relembrando, buscamos a grande linguagem esquecida, o caminho final para o céu, uma pedra, uma folha, urna porta encontrada... Onde? Quando? Perdidos! E, com o vento, fantasmas aflitos, retornamos!...", não sei bem se valeria a pena essa volta à prisão desta terra...

 

Novembro 5 - Já estou na casa nova. Até que sou ruim profeta. Nem todos os males antevistos se realizaram, o que foi uma grande coisa. Agora, toca a arrumar. E reencontro folhas que considerava perdidas, notas, traduções apenas esboçadas, cartas antigas de velho e queridíssimo amigo, cópias das minhas. Foi então que achei o Canto Noturno em Amalfi, de Sara Teasdale:(64)

Perguntei ao céu estrelado

— Que darei ao meu amor?

Respondeu-me com o silêncio,

Silêncio superior...

Perguntei ao escuro mar

— lá onde se vão os pescadores —

Ele me respondeu com o silêncio,

Silêncio profundo...

— Poderia dar-lhe o meu pranto,

ou oferecer-lhe uma canção...

Mas, como posso silenciar

a vida inteira?

Folhas quase perdidas, amareladas, instantes de minha vida, por que retomastes? Por quê?

 

Novembro, 9 — Mais papéis, mais esboços...

Somos duas águias...

Se a morte chegar para nós,

E humana, humildemente,

Uma de nós se for,

Deixai que a outra a acompanhe,

Que o vôo termine, O fogo se apague,

O livro se feche!...

 

Novembro, 13 — Vi e ouvi foguetes e bombas e um corso de automóveis. Era a chegada de Carlos Lacerda, o sujeito que tem, no momento, o maior cartaz do país. Mas não fui vê-lo, nem ouvi-lo. Acompanhei, como todos os que acreditam em alguma coisa nesta terra, o seu trabalho tremendo contra o grupo Wainer. Não indo vê-lo nem ouvi-lo, livrei-me, certamente, das perguntas cretiníssimas que lhe seriam formuladas. Preferi ler Whitman, que diz as mesmas coisas por outras palavras: — "E aos Estados, a qualquer deles, ou a qualquer cidade dos Estados, eu digo — resisti muito, obedeci pouco. Uma vez admitida a obediência sem protesto, é a subserviência total. Uma vez escravizada totalmente, nenhuma Nação, nenhum Estado ou nenhuma Cidade da terra voltará a conquistar a sua liberdade..."

 

Novembro, 14 — E fico pensando, meio mortificado, num dos maiores "gatos" de minha vida, conseqüência desse "duro oficio de escrever". É um miado danado de alto. Mas que posso fazer se ele é um "gato"?

 

Notas

O título da crônica (Diário) foi dado pelo nosso site, no livro consta [SEM TÍTULO]

(63) Romancista americano, nasceu em 1900 e faleceu em 1938

(64) Poetisa norte-americana, nasceu em 1884 e faleceu em 1933

 

Fonte: Praça Oito, 2001 -
Autor: Eugênio Sette
Compilação: Walter de Aguiar Filho agosto/2014

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