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Educação e Religiosidade - Por Luiz Buaiz com texto de Sandra Medeiros

Colégio do Carmo, este só para moças, a maioria de famílias de maior poder aquisitivo

No ano em que Luiz Buaiz nasceu, os católicos capixabas do entorno de Vitória começavam a dividir com outras denominações o seu fervor religioso: foi construída, na região de Jardim América, Campo Grande, uma Igreja Evangélica Assembleia de Deus, novidade que chegara ao Brasil dez anos antes, trazida pelos missionários suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren.

Desde 1887 já havia um templo luterano no Espírito Santo, em Domingos Martins, na época Campinho de Santa Isabel. Em 1903, encostada no Morro de Argolas, próximo à estação de trem, foi instalada a Primeira Igreja Batista de Vitória, a partir de um grupo de 14 pessoas, mas a construção de uma igreja não católica no coração da capital demorou um pouco.

Luiz Buaiz era criança quando foi instalada em Vitória a primeira igreja não católica. A iniciativa foi dos batistas, que para ficar precisaram atender a uma exigência dos moradores: a igreja poderia ser construída, desde que tivesse vitrais coloridos. E assim foi feito. Velhos moradores do Parque Moscoso e Cidade Alta lembram-se bem dessa igreja, erguida na esquina da Cleto Nunes com a Florentino Avidos, e já derrubada. Em seu lugar funciona hoje o Fórum Trabalhista de Vitória. Muita gente que mora no bairro lembra também que rente ao seu pequeno muro, os arbustos plantados para embelezamento emprestaram muitas folhas para adornar doces de aniversário em forma de morango. Ao lado de pratos de cajuzinhos, olhos-de-sogra e negas-malucas, os moranguinhos pontuariam nas festas infantis dos anos 50 e 60, época em que a fruta, ainda não cultivada aqui, só era conhecida das páginas de revistas.

Não ser católico era novidade. Os batistas, além da igreja, construíram o Colégio Americano, que ganharia projeção e formaria nomes importantes da nossa história recente, como dois amigos de Luiz Buaiz: o político Élcio Álvares e o médico Saulo Ribeiro do Val. O Americano Batista foi fundado pelo norte-americano Loren Reno e começou a funcionar em 1907, com aulas ministradas pelo missionário na própria casa, no número 79 da Avenida Schmidt, hoje Florentino Avidos. A sua casa foi, portanto, o núcleo inicial do colégio. Em 1919, Loren Reno comprou uma chácara no Morro do Moscoso – lugar de incursões frequentes de Luiz Buaiz – onde construiria o Colégio, com ginásio e curso infantil. O Americano está na memória de todos que moraram no Parque Moscoso e que lá estudaram, como escola que alcançou respeito e admiração.

Depois chegariam outras denominações. Luiz Buaiz lembra que na sua adolescência Vitória já contava com igrejas presbiteriana e luterana, além da batista: “O grosso eram essas, derivativas da religião católica, mas com os mesmos princípios bíblicos, havia o mesmo respeito. Eu lembro muito que o que fez a Igreja Católica perder espaço foi a falta da catequese. Certa idade o menino ia pra lá pra estudar catecismo. Aprendia todos os mandamentos da lei de Deus. Então isso fazia parte da vida da gente. Mas a grande religião era a católica. As procissões eram uma consagração. Lembro a procissão de São Benedito, que sempre saiu do mesmo lugar, na Rua do Rosário. Ia uma massa humana atrás do santo, cantando os cantos religiosos daquele tempo.”

Eminentemente católica, Vitória tinha um bom número de igrejas e capelas. Luiz Buaiz se recorda: “Todo mundo ia à missa. Era muito comum ir à missa do Carmo, ou da Catedral. Havia as igrejas de predileção de cada família. Mas todo mundo consagrava, confessava. A comunhão era um ato de profundo respeito. Você ajoelhava contrito, tinha mesa de comunhão com uma toalha branca em cima... Hoje você não sabe o que está no coração das pessoas. Vitória sofreu uma grande mudança!”

Além da Catedral e da Igreja do Carmo, eventualmente havia missa na Capela de Santa Luzia, na Igreja de São Gonçalo, na Igreja de São Benedito do Rosário. A Igreja de São Thiago já se transformara na sede do governo estadual e a Igreja de Nossa Senhora da Conceição já havia sido derrubada para a construção do Melpômene. Isso apenas no Centro, porque havia também uma igreja em Santo Antônio, outra em Jucutuquara. Só anos depois seriam construídas as igrejas da Praia do Suá, da Praia do Canto e o Santuário de Santo Antônio, onde se casaria Lourdes, a irmã mais nova de Luiz Buaiz. Recentemente surgiram outras, como a Igreja de São Camilo, na Mata da Praia, hoje frequentada por Luiz Buaiz, que continua devoto de São Benedito do Rosário e, quando pode, vai à missa da Catedral.

Enumerar igrejas de Vitória é uma doce lembrança, que convive com outras, como as da vida escolar de Dr. Luiz: “Nos colégios havia aula de Educação Moral e Cívica. As professoras iam ver se as orelhas da gente estavam limpas, as unhas cortadas, os dentes bem tratados... Tudo isso era muito carinho que a gente recebia.”

Luiz Buaiz começou como aluno de Dona Odete Paiva. Depois, passaria para a escola de Dona Esterzinha Oliveira, na Thiers Veloso, rua onde anos mais tarde funcionaria a Merenda Escolar, dirigida por Diva Duarte, esposa do apresentador da TV Tupi em Vitória, Duarte Júnior, e onde funcionou também a Papelaria Santana.

Estudou com Dona Esterzinha para a admissão ao ginásio. Então, foi para o Rio fazer a quinta série. Ficar afastado dos pais e irmãos, numa época de tanta coesão familiar, poderia ter sido traumático. Mas ele não sentiu nem receio. A vontade de conhecer outro lugar e o espírito de aventura despertado pelo que as pessoas falavam da viagem e do Rio, deixaram-no entusiasmado. Quando chegou, ele se sentiu em casa: a disciplina, a organização e a religiosidade do colégio dos Irmãos Maristas soaram acolhedoras. Mas o seu irmão Américo, dois anos mais novo, estranharia. Luiz Buaiz conta que todo dia, às 6 da tarde, a hora da Ave-Maria, a hora da saudade, o irmão menor chorava.

Voltando às escolas de Vitória, havia ainda a Igreja do Carmo e o Colégio do Carmo, este só para moças, a maioria de famílias de maior poder aquisitivo. Ficava na Cidade Alta, entre a Rua 7 e a Gama Rosa. O Carmo tinha internato, e entre os seus professores figurou o folclorista Guilherme Santos Neves.

Para os rapazes havia o Colégio Espírito Santo. Foi lá que estudou Benjamin, irmão imediatamente mais velho que Luiz. Ficava no alto da Wilson Freitas, de onde se viam a Barão de Monjardim e o mar. O Colégio Espírito Santo substituíra o excelente Liceu, criado em 1834, que ensinava Latim, Francês, Retórica, Filosofia Racional e Moral, Aritmética, Geografia, História, Geometria e Música. Quem passasse pelo Liceu estava apto a cursar uma das academias imperiais.

Além desses, lembra Luiz, “o Colégio São Vicente de Paulo, fundado por Aristóbulo e Kosciuszko Barbosa Leão. Depois é que vieram o Salesiano e o Marista.” O São Vicente tinha professores de projeção, como o próprio Aristóbulo, que, dinâmico e entusiasta da Educação, além das aulas, promovia excursões com seus alunos. Também contava com José Leão, de Português, que presidiu muitas bancas examinadoras em Vitória. Além dele, entre outros, Rui Lóra, que lecionava Francês, e o severo João de Almeida, professor de Matemática.

Havia também a Escola Normal Pedro II, criada em 1892 pelo então presidente de Província, José de Melo Carvalho Moniz Freire. Na Escola Normal, colégio público que preparava as moças de Vitória para o magistério – e para o casamento – estudava quem não ia para o Carmo, o colégio das irmãs. Mas a Escola Normal oferecia uma educação igualmente sólida. Nos anos 1920, tinha um curriculum semelhante ao do Carmo e, em parte, ao das demais escolas do estado: Portuguez, Litteratura Nacional, Francez, Arithmética, Noções de Cosmographia, Desenho e Calligraphia, Música, Trabalhos Manuais, Álgebra, Corographia do Brasil, História Universal e do Brasil, Pedagogia, Phisica, Chimica, História Natural, Hygiene Escolar e Pratica Pedagógica, esta uma disciplina tão importante que era ministrada pelo próprio Diretor.

Além do diretor, um time de peso lecionava na Escola Normal: Ana Maria Bernardes, professora de Psicologia, Ignácio Pessoa, de Biologia. O engenheiro João Beleza – que dirigiria a Vale do Rio Doce – ministrava as aulas de Física. Até um prefeito de Vitória, Ceres Pereira, foi professor na Escola Normal. Afinal, ela formava para o Magistério, responsável por educar gerações e gerações, na capital e no interior do estado.

Era difícil, ainda assim, conseguir professores. Não para o Grupo Escolar, mas para as escolas que ministravam aulas para o Gymnasio, lembra Luiz Buaiz: “Você, pra dar aula naquele tempo, tinha que ter um registro no Ministério da Educação. Eram poucos os professores. Eu era um deles. Nós nos dividíamos entre as escolas de Vitória. Dei aula no Carmo, no Estadual e no São Vicente.” No Estadual, Luiz Buaiz foi professor durante 15 anos. Ele recorda: “Então, quando você estudava, se era menino, ia para o Colégio Estadual, onde era difícil entrar. Tinha um exame que era difícil, era penoso.”

Os colégios movimentavam não só a vida dos estudantes, mas toda a cidade. A disputa entre eles, em competições esportivas, torneios e desfiles de 7 de Setembro, mobilizava Vitória. “As escolas disputavam torneios, eram criativas”, avalia Luiz Buaiz, que lembra muito a agremiação do Colégio Estadual, a Uages, e o concurso para eleger a sua Miss. “Léa Manhães foi Miss Uages, era uma mulher muito bonita.”

Até os anos 50, para o capixaba cursar a faculdade ele precisava mudar de Estado. A maioria ia para o Rio. “A primeira faculdade aqui foi a de Odontologia, e o Doutor Pantojas foi o seu primeiro diretor. Depois dessa foi criada a Faculdade de Farmácia. Demorou a ser criada a primeira de Medicina. Aconteceu no governo do Chiquinho. Depois, no Governo de Juscelino, por iniciativa do deputado Dirceu Cardoso, que conseguiu a assinatura na última hora, é que a Ufes começou a crescer.”

Esse tempo ficou no passado, como enfatiza Luiz Buaiz: “Hoje o ensino se deteriorou. Eu, como professor, ganhava mais que um médico e não pagava imposto de renda sobre o que ganhava. Então, levei de 1947 a 1962 dando aula no Estadual. Eu conheci lá Arabelo do Rosário, que se tornou amigo e eu quero bem a ele mais do que a um irmão.”

 

PRODUÇÃO

 

Copyright by © Luiz Buaiz – 2012

 

Coordenação do Projeto: Angela Buaiz

 

Captação de Recursos: ABZ Projetos

 

Texto e Edição: Sandra Medeiros

 

Colaboraram nas entrevistas:

Leonardo Quarto

Angela Buaiz

Ruth Vieira Gabriel

 

Revisão: Herbert Farias

 

Projeto e Edição Gráfica: Sandra Medeiros

 

Editoração Eletrônica: Rafael Teixeira e Sandra Medeiros

 

Digitalização: Shan Med

 

Tratamento de Imagens: TrioStudio; Shan Med

 

Fonte: Luiz Buaiz, biografia de um homem incomum – Vitória, ES – 2012
Autora: Sandra Medeiros
Compilação: Walter de Aguiar Filho, novembro/2020

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