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Elogios no pasquim – Por Antônio Alaerte

A escolinha

Para chegar aO DIÁRIO foi necessário que eu conhecesse pessoas ligadas à imprensa. Em 1964 eu era da União Espírito-Santense de Estudantes Secundaristas, a Uese. Depois de servir o Exército no Rio, em 1967 fiz um cursinho de direito no Colégio Americano, à noite, quando fiquei conhecendo algumas dessas pessoas.

Eu não tinha emprego e morava em república, aquela dura vida de estudante. Fui parar nO DIÁRIO atrás de qualquer emprego quando o diretor era Esdras Leonor. Encontrei lá o José Carlos Corrêa, que fazia o jornal praticamente todo, o Paulo Zimmer e o Pedro Maia. Comecei como todo mundo, correndo atrás de matérias policiais, mas não cheguei a ficar nesse setor. Tinha muita ligação com música, arte e cultura, e comecei uma coluna de rádio e televisão, que deve ter sido a primeira do gênero na imprensa capixaba.

Não sabia escrever nem tinha experiência para ser jornalista. Só aprendi a escrever nO DIÁRIO. Depois, a turma me gozava: "Se a pessoa é analfabeta e gosta de escrever, não tem problema; dá um pulo nO DIÁRIO que aprende". O José Carlos Corrêa era um que pegava o meu texto e arrebentava. Fazia praticamente outro. E assim se passou muito tempo até eu aprender. Fiquei muito tempo escrevendo, por exemplo, a palavra operário com "h", e inimigos meus da imprensa gostavam de encarnar em mim por causa disso.

Fiquei nO DIÁRIO quatro anos. Colunista, repórter, depois veio o áureo tempo de 1968 pra 69, quando tinha uma turma pesada que incluía Paulo Torre e Rubinho Gomes. Um suplemento especial que nós fizemos nessa época ficou na história. Na capa, havia um texto de Paulo Torre sobre Che Guevara. Na segunda página, uma matéria minha sobre Celso Furtado. Tinha também uma matéria de Ewerton Guimarães sobre Mao Tsetung, outra de Rubinho Gomes sobre Regis Debré. Esse suplemento foi o máximo de loucura e rebeldia. Só tinha isso: uma página para cada símbolo nosso... E que acabou apreendido pela Polícia Federal. Segundo as más línguas, o diretor do jornal na época, Cacau Monjardim, foi no 3º. BC e entregou a edição. A atitude dele acho que foi paternalista, de nos proteger: "Antes que esses vagabundos vão todos em cana, vou lá aliviar a barra deles", deve ter pensado ele.

O DIÁRIO ficou diferente porque absorveu a inteligência do Edgard dos Anjos. Como ele e Jakaré não tinham dinheiro para tocar o jornal, pegaram esses rebeldes de esquerda que éramos nós, pessoas do movimento estudantil que estavam ansiosas para escrever, e botaram pra trabalhar. Nós viramos jornalistas mais em função do movimento de 68. Todos nós fazíamos aquilo com amor, com uma paixão muito louca.

Embora O DIÁRIO fosse campeão na falta e no atraso de pagamento, isso não acontecia apenas lá. Normalmente, os jornalistas precisavam de outras fontes de renda para sobreviver. Profissionalismo na imprensa capixaba é um fenômeno recente e viver de imprensa em Vitória, só a partir de 73, por aí. Antes disso, o cara tinha outro emprego e fazia imprensa também. Sem contar o caso da Assembléia Legislativa, da Câmara Municipal e da Prefeitura, que credenciavam e pagavam os jornalistas responsáveis por sua cobertura. Nos primeiros tempos nós não recebemos nada. Em 67 e 68 não recebi nem um tostão. Em 1969 é que começamos a receber algum dinheiro, sem carteira. Nunca tive carteira assinada.

Em 1969, o jornal pegou fogo. Diziam na época que o Edgard e o Jakaré mandaram o Américo Rosa botar fogo para receber o dinheiro do seguro. O Américo fazia o café no fogareiro que havia na oficina e levava para a redação. Ele vivia entre o hospício, no Adauto Botelho, e a cidade. Superfolclórico, Vitória inteira conhecia ele, que vivia cantando na rua. Era um artista popular, só que meio avoado. Vivia lá e cá. Ele botou fogo fazendo café, sem querer. Mas a história que rolou foi que aquilo foi de propósito, pra receberem o seguro. Veio a calhar.

Nesse clima surgiu a escolinha dO DIÁRIO. O jornal ficou famoso por causa dela. Vieram Maura Fraga, Luiz Tadeu Teixeira, Ewerton Guimarães, Rubinho Gomes. Nessa ocasião fui até chefe de reportagem no jornal, e já estava me tornando colunista por causa da minha ligação com a política e, ao mesmo tempo, com as artes. Criei uma coluna variada chamada Acontecências, que durou uns dois anos no segundo caderno. O que o Zózimo Barroso e a Danusa Leão fazem era o que nós fazíamos já na época: uma coluna versátil, misturando arte e cultura com a vida da cidade em geral. Depois fui redator político muito tempo e escrevi sem assinar a coluna política Panorama, durante vários anos.

O DIÁRIO foi um caldeirão de esquerdistas representando a sintonia do Espírito Santo com o espírito da época, merecendo elogios no Pasquim. Foi quando Luiz Carlos Maciel e outros jornalistas cariocas vieram aqui e reproduziram para o Brasil inteiro um pedaço dO DIÁRIO, mostrando a avançada linguagem jornalística que estava sendo praticada por nós.

As coisas explodiram nas artes, na música e principalmente na imprensa daqui. Todo mundo no Rio sabia que no Espírito Santo as coisas estavam efervescentes. O jornal era supermoderno. Em diagramação não perdia pra ninguém. Charges na primeira página. Era um jornalismo de vanguarda e ao mesmo tempo era um jornal do sistema. Não era um jornal alternativo. Por esse tempo, escrevi uma coluna no segundo caderno junto com Sandra Marina Valadão Gomes, uma moça da sociedade: Antonio Alaerte e Sandra Marina Valadão. Coluna grande, página inteira, dominical.

Houve um período inicial duro, de censura, no início do regime militar, com o censor dentro da redação. Depois veio um capitão, Henrique Mazziero, que se tornou amigo dos jornalistas, mantinha uma boa relação, trocava idéias. A própria cidade vivia um clima como se o Espírito Santo não estivesse dentro de uma ditadura. Vitória era uma ilha bucólica.

 

Fonte: O Diário da Rua Sete – 40 versões de uma paixão, 1ª edição, Vitória – 1998.
Projeto, coordenação e edição: Antonio de Padua Gurgel
Autor: Antonio Alaerte
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2018

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