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Folha do Povo – Por José Carlos Fonseca

Capa do Livro: Escritos de Vitória - 17 IMPRENSA, 1996

A imprensa de meu tempo não havia ultrapassado a fase ingênua e romântica em que se debatia. Estava longe de atingir o  profissionalismo vitorioso dos dias de hoje. Vez por outra surgia  um jornalzinho novo, com objetivos bem definidos, para defender posições pessoais de determinados grupos, e logo desaparecia nas sombras de algum emprego público alcançado ou nos  salões de um mandato eletivo. Falo da Vitória do final dos anos  40 e da década de 50.

Os rapazes da imprensa desse tempo — digo rapazes porque realmente as moças de antigamente pouco se interessavam pelo jornalismo, com raríssimas exceções — eram todos  amadores. Alguns poucos persistiram e se transformaram nos  grandes profissionais da imprensa moderna de hoje.

Pois bem. Foi exatamente nessa época que surgiu uma  folha diferente e vibrante a enriquecer o mundo jornalístico de  Vitória. Corriam os anos de 1950, 51, quarto centenário de fundação da cidade, amplamente festejado graças a iniciativas do  governador Jones Santos Neves, quando chega ao Estado a figura  legendária de Armênio Cloves Jouvin. Legendária porque precedida de bela publicidade por sua larga atuação na imprensa gaúcha e carioca. Contratado pelo então deputado estadual José Buaiz, aportou em Vitória para fundar um jornal para defender a linha partidária do PTB.

Fundado o jornal, o primeiro vespertino do Espírito Santo, que funcionou precariamente nas amplas dependências de uma velha garagem da Rua Sete, fomos contratados para trabalho na Folha do Povo: José Carlos Oliveira, o Precoce, José Luiz Cacciari, Adam Emil, Cavatti, eu mesmo, logo credenciado para cobrir a Assembléia Legislativa, entre outros.

Era bonito ver e ouvir, nas belas tardes estivais de Vitória, a garotada — naquele tempo não existia o trombadinha - apregoando as manchetes produzidas nas oficinas da Folha do Povo: Homem desmaia de fome na fila do SAPS; mulher se atira do bonde em Jucutuquara; Nasceram meninas siamesas na Ilha do Príncipe; Deputados querem carro de graça.

Lembro-me de um curioso episódio passado na Assembléia Legislativa por ocasião de um velho "jabaculê" (as coisas não mudaram muito) encomendado por alguns (?) parlamentares daqueles tempos.

Como eu cobria o noticiário da Assembléia, acompanhei de perto o lamentável episódio, que era o seguinte: noticiava-se que o secretário da Fazenda da época transmitira ao diretor da Cexim o telegrama que lhe fora dirigido pela Assembléia do Espírito Santo, solicitando licença para a importação de 34 Chevrolets (naqueles tempos não se fabricavam carros no Brasil) destinados ao uso particular dos senhores deputados. Foi aí que uma figura popular dirigiu-se ao Jefferson –  Jefferson de Aguiar, presidente da Assembléia e bela figura de homem público —, dizendo que gostaria também de entrar na marmelada; Jefferson, prudente e impecável, respondeu ao deboche informando que já possuía carro e, portanto, não precisava do "jabaculê". O fato foi amplamente divulgado por toda a imprensa capixaba, e inspirou longa série de anedotas e de críticas que caíam como bombas sobre o velho Palácio Domingos Martins e seus assustados ocupantes.

Na época divulgamos, pela nossa Folha, em forma de trovas, a seguinte crítica:

 

Já não basta ao deputado

O belíssimo ordenado

E ir à Assembléia de pé...

Exausta, a Legislativa

Quer que o Estado lhe sirva

Um gostoso Chevrolet.

 

Que todo o povo compreenda

E que se dane a Fazenda,

E lhe compre o Chevrolet...

 

Mas que Assembléia altaneira!

Quer só andar "de primeira"

E a pátria de "marcha-ré".

 

Pena que a Folha do Povo tenha seguido o mesmo destino de outros periódicos que surgiram em Vitória: nasceram, deram seu recado, e desapareceram na penumbra do tempo. Mas ela marcou profundamente sua época. Foi um jornal moderníssimo para aqueles tempos ainda modestos na comunicação iniciante. E projetou um grupo de jovens pioneiros do jornalismo capixaba para a ribalta dos grandes periódicos nacionais. Alguns até ultrapassaram a mera linguagem jornalística e foram muito além da Taprobana. Atingiram o romance e o teatro, e se consagraram como escritores de nome nacional, como cronistas literários do melhor nível, corno foi o caso de José Carlos Oliveira, que começou sua vida de escriba na nossa efêmera Folha do Povo.

No mesmo local, e no lugar dela, fundamos alguns anos mais tarde O Diário, que também não durou muito, mas, como a Primeira Folha, também teve o mérito de lançar no mundo jornalístico outra plêiade de jovens repórteres, alguns dos quais também ainda brilham nos céus do jornalismo capixaba.

Para melhor compreender o que significou esse jornal no mundo da informação, em Vitória, transcrevo aqui o que dele falou o atual secretário da Fazenda do Estado, jornalista Rogério Medeiros: "Foi um jornal que nasceu nas mãos de pessedistas mirins: Chistiano Dias Lopes, Alvino Gatti e José Carlos Fonseca. O jornal não foi muito longe por causa de sua fragilidade econômica. Acabaram vendendo para outra pessoa. Deu na mão de Francisco Lacerda de Aguiar. Foi um jornal de oposição. Projetou Plínio Marchini. Depois dessa fase entrou a dupla José Carlos Monjardim Cavalcanti e Fernando Jacques Teubner. Depois abrigou Edgard dos Anjos, que sonhou fazer dele um grande jornal. E de certa forma o conseguiu. Com Marien Calixte. Com Vinicius Seixas e Cláudio Bueno Rocha. Com eles vieram todas as mudanças ocorridas na imprensa capixaba, que perduram até hoje." Tudo isso foi dito pelo Rogério em 1976. Já lá se vão vinte anos.

A crônica da imprensa de Vitória ainda não foi escrita. Merece uma pesquisa maior e mais profunda. Ela se mistura com a própria vida da cidade. Por enquanto fica apenas o esboço dessa idéia, a flutuar no limbo das esperanças arquivadas, à espera de que os estudiosos da história dos homens descubram, mais adiante, a grande importância que teve essa imprensa, modesta mas vibrante, na sociedade capixaba.

 

Fonte: ESCRITOS DE VITÓRIA — Imprensa – Volume 17 – Uma publicação da Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura Municipal de Vitória-ES.
Prefeito Municipal - Paulo Hartung
Secretário Municipal de Cultura e Turismo - Jorge Alencar
Sub-secretário Municipal de Cultura e Turismo - Sidnei Louback Rohr
Diretor do Departamento de Cultura - Rogério Borges de Oliveira
Diretora do Departamento de Turismo - Rosemay Bebber Grigatto
Coordenadora do Projeto - Silvia Helena Selvátici
Chefe da Biblioteca Adelpho Poli Monjardim - Lígia Maria Mello Nagato
Bibliotecárias - Elizete Terezinha Caser Rocha e Lourdes Badke Ferreira
Conselho Editorial - Álvaro José Silva, José Valporto Tatagiba, Maria Helena Hees Alves,
Renato Pacheco
Revisão - Reinaldo Santos Neves e Miguel Marvilla
Capa - Amarildo
Editoração Eletrônica - Edson Maltez Heringer
Impressão - Gráfica e Encadernadora Sodré
Autor do texto: José Carlos Fonseca
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2018

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