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Fortificações: um legado esquecido

Planta da Baía de Vitória, em 1767 - Autor: Engenheiro José Antônio Caldas

Um aspecto da evolução urbana de Vitória que está intimamente ligado ao crescimento da própria cidade, é o sistema defensivo, do qual, por alguma sorte, ainda resta uns poucos vestígios. Em, outras regiões, mais desenvolvidas, fatalmente ter-se-ia preservado todo o conjunto que poderia servir inclusive, quando nada, como atração turística, carreando divisas para o Estado, que seriam superiores às geradas pelos empreendimentos imobiliários que o destruiu substituindo-o por construções inexpressivas e massificantes.

O sistema defensivo de Vitória foi, durante os séculos XVI e XVII, relativamente diminutivo, muitas vezes até aquém das necessidades da Capitania para sua segurança.

Somente após os ataques holandeses (1625 e 1640) e a notícia de uma suposta serra de esmeralda no interior da Capitania do Espírito Santo é que se despertou para a necessidade de melhorar as fortificações de Vitória. Mas, ainda assim, relegou-se a tarefa a um plano secundário, até que houve a descoberta de outro, em grandes proporções, na região de Minas Gerais. A partir de então deu-se uma radical mudança da política colonial portuguesa em relação ao Espírito Santo. As principais iniciativas foram: proibiu-se a procura do ouro e sua mineração no Espírito Santo, por ser região próxima ao litoral e assim favorecer a cobiça estrangeira e a conseqüente invasão; proibiu-se a abertura de qualquer estrada que atingisse o interior, impedindo-se terminantemente qualquer comunicação com Minas Gerais, quer por via fluvial (rio doce) ou por via terrestre, temendo o uso destes caminhos, tanto por contrabandistas de ouro, como por possíveis invasores estrangeiros, devido ser o litoral capixaba o mais próximo da área de mineração. Conseqüentemente, o Governo de Portugal passou a considerar a Capitania como a "defesa natural das Minas Gerais" ou a trincheira natural para a defesa das Minas Gerais" proibindo qualquer "ato de civilização", entradas ou povoamento do interior, que implicassem em progresso regional, imobilizando o Espírito Santo, por quase todo o século XVIII e provocando uma defasagem de desenvolvimento ainda hoje mensurável em relação aos estados vizinhos. A medida complementar a esta política foi o conveniente aparelhamento das fortificações de Vitória visando, primordialmente, defender as Minas Gerais porquanto seria extravagante a construção de tantas fortalezas para defender apenas a humilde Vila da Vitória, que por si só era inexpressiva. Durante quase todo o século XVIII, houve uma verdadeira psicose governamental para assegurar o bom funcionamento do sistema defensivo instalado na baía de Vitória.

Muito interessante é o relatório do Capitão-Mor Dionísio de Carvalho de Abreu, que argumentando a posição estratégica do Espírito Santo como defesa de Minas Gerais, descreveu a situação das fortalezas militares e pediu as providências cabíveis. Por este relatório, datado de 1724, o sistema defensivo de Vitória estava nas seguintes condições: Fortaleza da Barra de São Francisco Xavier: em forma de círculo, situada na barra da baía do Espírito Santo, possuindo nove peças de artilharia, sendo uma de calibre dezesseis e as restantes de calibre oito. Havia mais duas peças desmontadas e a murada estava bastante danificada.

Fortaleza de São João: em forma semi sextavada irregular, situada em frente ao Pão de Açúcar (Penedo). Sua artilharia estava "desmontada e compunha-se de seis peças de calibre doze e uma de calibre dezesseis.

Fortaleza de Nossa Senhora da Vitória: em forma semi-circular. Situada no lugar superior ao monte onde estava a Fortaleza de São João, com quatro peças de artilharia, todas desmontadas, sendo uma de calibre dezesseis, outra de calibre vinte quatro e duas de calibre oito.

Fortim de São Tiago: em forma de semicírculo irregular, com pequena área, situada em uma praia da Vila da Vitória, com três peças de artilharia de calibre oito, todas desmontadas.

Fortaleza de Nossa Senhora do Monte do Carmo: em forma de meia estrela regular, com cinco ângulos, situada na marinha da Vila da Vitória, com oito peças de artilharia calibre seis e oito, todas montadas em carretas, mais quatro de bronze e duas de ferro desmontadas.

Reduto Santo Inácio: de forma quadrangular, com três peças de artilharia de calibre oito, todas desmontadas.

Em resposta à solicitação, veio ao Espírito Santo o Engenheiro Sargento Mor Nicolau de Abreu de Carvalho que comandou a realização de reparos nessas seis fortificações sendo as mais importantes os seguintes:

Fortaleza da Barra de São Francisco Xavier: parapeito, esplanada, guarita, quartel e casa de pólvora.

Fortaleza de S. João: parapeito, torreão, portada, esplanada, guarita e casa de pólvora.

Fortaleza de Nossa Senhora do Monte do Carmo: parapeito, esplanada, porta, casa de arma e casa de pólvora.

Esse trabalho, realizado em 1734, passou a ter manutenção contínua tendo o rei ordenado que, de três em três anos, fosse um engenheiro à Capitania para inspeção e o assunto "defesa militar das minas gerais" tornou-se uma constante na correspondência oficial da época.

De grande interesse cartográfico e histórico é a planta da baía de Vitória, realizada pelo Engenheiro José Antônio Caldas, em 1767, mostrando especialmente a situação do sistema defensivo do Espírito Santo, conforme mapa anexo, cujo original encontra-se no Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa. Junto a essa planta encontra-se a nota explicativa seguinte:

"plano do Rio do Espírito Sancto, comprehendida a barra suas fortalezas e Vilas.

Explicação

Os Algarismos que vão notados na barra deve-se emtender por braças de oito palmos, foy esta sonda feita com marés mortas, e com marés cheias de agoas vivas, ha de ter no mais baixo da barra, tres braças e meia.

Pelo Rio acima the a vila da Vitória, onde não vão notadas as braças, tem fundo capas de passar huma Nau. O lugar notado com a letra N he a praia de Suha, onde o Olandes fes o seu desembarque no principio do Reinado do Senhor D. João quarto. O Rio chamado, Rio da costa, as suas areas tem emtopido a barra, principalmente em tempo de seca, e no tempo de cheias fica a barra mais larga meia braça. Na ponta do Nordeste da Ilha do Boy; pode-se fazer huma boa fortificaçaõ, para a defeza da barra, e impedimento a alguns lanxoens, que possão fazer desembarques na praia de Maroipe. "

A planta em questão, além de se prestar ao conhecimento da baia de Vitória no século XVIII e a estudos sobre o seu assoreamento, serve como documento informativo para uma análise da evolução urbana e territorial da região. Nela podemos encontrar as referências seguintes:

Na margem sul: Morro fronteiro a barra (Moreno), rio da costa, Convento de N. S. da Penha dos religiosos franciscanos, Forte de São Francisco Xavier da barra, Vila do Espirito Santo (Vila Velha), rio de areviri (Aribiri), Pão de Açúcar (Penedo).

Na margem norte: Ponta de Piraem (Tubarão), Ilha do Boy, Ilha dos Frades, rio de Maroipe (canal de Camburi), letra N (demarcando a praia de Suá), Ponta da Praia de Bento Ferreira, Forte de S. João, Reduto de N.S. da Vitoria, Forte de S. Diogo (próximo a atual escadaria S. Diogo, na Praça Costa Pereira), Fortaleza de N.S. do Carmo (próximo a atual Praça Oito), Forte de S. Ignacio (próximo a atual rua General Osório). Nesse lugar está situada a Vila da Vitoria (cidade alta).

Nessa rápida e ligeira análise documental, concluímos a existência de um amplo interrelacionamento sócio-econômico e político, entre Espírito Santo e Minas Gerais, desde o século XVIII, especialmente aqui demonstrado sob o aspecto da produção aurífera versus sistema defensivo de Vitória.

Podemos concluir também que toda a documentação advinda deste ou de outros fatos da história constitui um patrimônio que deve ser melhor conservado, conhecido e divulgado porquanto fornece ainda à atualidade uma gama de informações valiosas e práticas, necessárias de serem consideradas, desmistificando a hipótese, às vezes ainda encontrável, de tecnicistas menos avisados e sem um razoável nível de visualização do horizonte humano, que renegam o seu valor.

 

Fonte: Revista Fundação Jones dos Santos Neves ANO II, nº 4 – outubro/dezembro de 1979, Vitória – Espírito Santo
Autor: João Euripedes Franklin Leal
Compilação: Walter de Aguiar Filho, junho/2017

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