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Hermógenes foi pro céu – Por Adilson Vilaça

Capa do Livro: Era uma ves...Hermógenes Lima Fonseca, 1997 - Foto: Rogério Medeiros

Certo dia que a data me falha fui procurar o Hermógenes Lima Fonseca, lá no município de Conceição da Barra. Fiquei espantado. Ninguém conhecia o mestre Hermógenes Lima Fonseca, justo no ponto que apeava passageiros nas paragens do Sítio das Perobas. Boquiaberto e quieto, resolvi-me: pedi uma goleta de jurubeba ao dono do quiosque e fiquei por ali, sombra do cachorro, esperando a hora de me recompor da queda de caminhão da mudança. Fui me acostumando à conversa, dei palpite sobre cantochão de sabiá-laranjeira, gastei tempo sem dar-lhe uso e terminei confessando o meu desapontamento.

Não conhecem Hermógenes Lima Fonseca, do Sítio das Perobas? E tudo foi explicado, bem explicadinho. Agora, sim. Após o rendado da conversa, acrescido do nome do sítio, a pasmaceira da esfinge cabloca permitiu-se decifrar. Traduziram-me: - O fi percura ‘Armojo’, lá do Pixingolê. ‘Armojo’ das Peroba. E lá fui. Uma tarde de conversa rosada, com cheiro de manjericão e mordiscadas esverdeadas em folhas de erva-de-santa-maria.

‘Armojo’ das Peroba foi imprescindível para que eu entendesse por completo a lenda do buraco-do-bicho. Conta a crônica oral da região que o vento Nordeste não teve um dedo de eólica culpa no caso do soterramento de Itaúnas. A vila de São Sebastião de Itaúnas foi soterrada pela vingança do bicho, que soprou areia até ondular a paisagem semovente das dunas. Foi assim.

‘Armojo’ me tranqüilizava: a verdade é invenção; e, depois de inventada, só outra versão pode desinventá-la ou reinventá-la. Foi esse ensinamento matreiro que me fez acrescer o padre José de Anchieta na história das dunas. Uai? Why? O bicho não era alma penada de padre? O jesuíta canonizado, é quase provável, não teria, na juventude, desembarcado naquele delta, vindo de águas baianas?

Quando escrevi Albergue dos Querubins, apenas insinuei a participação do santo homem. Em Sob as Dunas, canonizei o pecado do homem santo. Culpa de ‘Armojo’ das Peroba. Conto esse contado para que todos saibam o fogo que o saber de ‘Armojo’ espraiou mundo a fora, emprestando labareda aos dizeres das penas e dos teclados. Desde aquele então, lá no quiosque da paragem, desaprendi a chamá-lo de Hermógenes. Sempre prestei-lhe a homenagem de invocá-lo ‘Armojo’. ‘Armojo’ das Peroba.

Cruzamos caminho incontáveis vezes. Recentemente, coisa de 1994, a convite do Reinaldo Santos Neves e do Joca Simonetti, sentei praça no posto de ditor da revista Você. E aqui estava o ‘Armojo’, escrevendo a seção Curubitos. Do número 3 ao 28, ‘Amojo’ contou “causos” na última página. Empresto a palavra à conversa rosada de ‘Armojo’, para que ele explique o que é curubito. “O que é curubito? Quando se rala o coco, ficam aquelas pontinhas entre os dedos, que não dá mais p’ra ralar sob pena de ferir os dedos. Essas pontinhas chamam-se curubitos. O Aurélio não regista. O termo é de origem indígena, segundo o professor José Augusto Carvalho.”

Tal explicação foi dita na revista de número 27, na penúltima participação de ‘Armojo’. Ele ficou adoentado, ou melhor, perrengue, no sentido de desalentado, como gostava de se referir a seu estado físico, a seu estado de espírito. Contudo, ele teve fôlego para comparecer à reunião com o carnavalesco Joãozinho Trinta, ano passado, lá no Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. O carnavalesco viera colher subsídios relativos ao folclore capixaba para o desfile da Caprichoso de Pilares. Além da vária contribuição oferecida pelos presentes, Joãozinho Trinta recolheu a história das dunas de Itaúnas. De minha parte, passei um exemplar do Albergue dos Querubins ao visitante. E mestre ‘Armojo’, com propriedade, disse: “Eu inventei essa história!” E não é que foi feito o carro alegórico com o tema do buraco-do-bicho?

Isso. E mais um pouco. No dia 9 de maio (1996), dia da posse da nova diretoria da Comissão Espírito-santense de Folclore, o reitor José Weber Freire Macedo recebeu a comissão e acatou o pedido para coroar ‘Armojo’ com o título de mestre, merecido e bem. À tarde, quando passava o posto ao novo presidente, convidado a falar pelo sucessor, Mestre – atenção, revisão: o eme agora é caixa alta – ‘Armojo’ discursou sucintamente: “Minhas senhoras, meus senhores. Tenho dito”. E como disse.

Seis dias depois, Mestre ‘Armojo’ viajou para o céu. Foi tocar tambor de congo com São Benedito. Foi contar histórias para ninar os anjos e para despertar o folguedo dos trasgos, porque Mestre ‘Armanjo’ não discriminava as criaturas da fantasia. O corpo seguiu para Itaúnas. O espírito já se agasalhou sob as dunas. Como despedida, deixamos o reencontro. Dois Curubitos: Bulu, o autodidata e Diolindo.

Obrigado. Temos dito.

 

Fonte: Era uma Vez... Hermógenes Lima Fonseca Um Anjo bom que passou por aqui, 1997
Autor: Adilson Vilaça
Foto Capa do Livro: Rogério Medeiros
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2014

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