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Hermógenes - Ligação com as Criança

Ligação com as crianças

 

Hermógenes adorava as crianças, com as quais era sempre didático. Editou para elas as coletâneas Historinhas Ecológicas e Histórias de bichos contadas pelo povo. Além de formar leitores e contribuir para a consciência de uma relação de respeito e preservação am biental, essas obras de Hermógenes buscam também perpetuar lendas e estórias tradicionais, desenvolvendo nas crianças a imaginação, a criatividade e a percepção do fundo moral que elas contêm.

Hermógenes lamentava que a escola tradicional deixasse muito a desejar com a falta de tais ações, “porque a escola está muito distante da vida real”. Para ele, cultura popular é matéria que convém ser estudada na escola como disciplina obrigatória, todo dia, assim como a Matemática, o Português ou as Ciências. Isso porque considerava o que tanto asseverou o mestre folclorista Luís da Câmara Cascudo: “Ao lado da literatura, do pensamento intelectual letrado, correm as águas paralelas, solitárias e poderosas da memória e da imaginação popular”.  

Para o escritor e jornalista nativo da beira do Cricaré, Maciel de Aguiar, seu amigo Hermógenes “no fundo, foi criança de 10 anos a vida toda, debaixo de uma ingazeira no remanso de águas claras do Rio Angelim pescando... ouvindo o canto dos passarinhos pousados nas hastes dos juncos do brejo”.

Na crônica Diolindo, publicada na Revista Você, da Secretaria de Produção e Difusão Cultural da UFES, em junho de 1996, alguns dias após a morte de Hermógenes e em sua homenagem, tem-se uma idéia do garoto Hermógenes sertanejo já ambientado no folclore de sua terra. O texto é o seguinte:

Um dia mangangá entrou em casa, zunia, zunia, e saía pela janela e entrava de novo. Minha mãe disse: É visita que vai chegar. Meu pai acrescentou: É Diolindo que deu baixa e vem por aí com a cambada toda.

Quando chegou ao domingo, logo cedo eu fiquei inquieto. Ia lá ao porto e voltava, tornava a ir e voltava. Parava pra escutar se ouvia tropel de cavalo e nada. Minha mãe disse: Que tem esse menino hoje que não senta o cabo em casa?

Sentei num toco com os calcanhares na beira do toco, com a cabeça baixa, as mãos segurando as pernas, os ouvidos afinados pra ouvir qualquer barulho. Sereia deitada perto. Daqui um pouco ela levantou as orelhas e a cabeça. Ouvi também um barulho que vinha de longe, de muito longe, trazido pelo vento. Pulei do toco e subi correndo e gritando: Tão chegando! Tão chegando!

Quando desembocaram a vista da casa, eu vi que Diolindo vinha na frente, num cavalo ruço bonito. Riscaram os cavalos no terreiro e Diolindo me agarrou pelo braço e jogou no cabeçote do arreio, deu umas voltas pelo pasto, empinou o cavalo, saltou e me apanhou nos braços. – Tá doido, homem. Você mata meu filho! – meu pai gritou.

Todo mundo apeou tilintando espora. Diolindo largou as rédeas na minha mão e se agarrou com meu pai num abraço de alegria que não acabava mais de um suspendendo o outro. Depois sentaram nos bancos da sala e minha mãe serviu o café nas canecas de ágata, sem interromper o falatório e as gargalhadas. Eu estava em pé numa perna e o outro pé na parede, sem perder um movimento, e pensando quando eu ia crescer e ficar do tamanho deles pra ter um cavalo bonito de arreio enfeitado pra andar todo santo dia naquele mundo bom.

– E o Exército, Diolindo?

– Olha, Duca, no princípio eu me arreliei de andar ensapatado o dia inteiro e de perneira nas pernas. É o mesmo que botar arreio em cavalo novo. A gente fica desajeitado, todo apertado de tanta coisa que botam em cima da gente. Mas quando a gente acaba de aprender tudo que eles ensinam aí a vida fica boa. É só dar umas guardazinhas, comer, conversar fiado e dormir. A gente fica só esperando o dia da baixa.

Depois de toda aquela conversa, resolveram botar jogo de braço. No pulso e na cana ninguém conseguia dobrar o Diolindo. Meu pai, porém, botou o braço na mesa e levou o Diolindo no pulso e na cana, depois de alguns minutos medindo força. Rapaz, você precisa pegar de novo no cabo do machado pra criar sustança no braço, disse meu pai.

– Como é Duca, já ta na hora de começar a ensaiar o reisado. Tem um menino aí bom de goela que a gente tem de trazer pro nosso Reis. É o filho de Lindaurora, Pedro.

– É o Pedrinho de Aurora. É um moleque bom. Vai dar pra coisa. Mas os pandeiros tão aí, eu já fiz uns oito. Vamos mandar arranjar uma cabeça-de-boi. Um fole bom quem tem é o pessoal do Davi. Vamos esquentar os pandeiros, que cera de abelha eu tenho também. Tô prevenido pra tudo.

Riscaram os pandeiros e a cantoria começou. Pararam pro almoço e depois foi até a boca da noite, quando eles foram embora e ficou aquela zoeira da cantoria de toadas, de coco, de martelo, que parecia que ainda estava reboando pelas matas e pelo outro lado do rio.

 

Fonte: Coleção Grandes Nomes do Espírito Santo - Hermógenes Lima Fonseca, 2013
Texto: Bartolomeu Boeno de Freitas
Coordenação: Antônio de Pádua Gurgel/ 27-9864-3566 

Onde comprar o livro: Editora Pro Texto - E-mail: pro_texto@hotmail.com - fone: (27) 3225-9400

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