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Histórias da pré-história – Por Paulo Bonates

O Diário - A Escolhinha de muita gente

Meu contato com O DIÁRIO começou quando eu era diretor da União Estadual de Estudantes (UEE), cujo jornal, o União, era impresso e encartado no jornal da Rua Sete, onde trabalhava um colega meu do Colégio Estadual: José Carlos Correa.

Nós éramos secundaristas e, pelo jornal da UEE, atacávamos a ditadura. Até o ponto em que um diretor dO DIÁRIO ficou com medo e mandou empastelar a sétima edição, se não me engano, do União. Assim acabou a primeira fase de minha relação com O DIÁRIO.

Quando o Cláudio Bueno Rocha, um cara que veio aqui ensinar jornalismo profissional, foi para A Gazeta, eu acabei indo para lá, ser assessor dele, aprendendo a escrever com sutileza. Para se ter idéia, A Gazeta, no dia de Finados, costumava diagramar a primeira página estampando nela uma cruz azul enorme. Quando o Cláudio foi para O DIÁRIO, eu fui também. Cheguei lá meio como auxiliar do Cláudio e fui ser chefe de reportagem — o Cláudio era editor-chefe e o Rogério Medeiros diretor de redação.

O DIÁRIO era um jornal risonho e franco, tinha as coisas mais incríveis. Nesse período, a gente começou a traduzir a revista Mad para o segundo caderno, que era um tablóide chamado de Caderninho Feio — pois a impressão dO DIÁRIO era péssima. Havia duas impressoras rotoplanas antigas que a gente apelidou de Gilda, uma repórter gorda, e Maura, que era magrinha.

Fui chefe de reportagem e tudo o mais dentro dO DIÁRIO. E isso fazendo medicina junto: fazia pauta, ia pra aula e voltava pra fechar o jornal à noite.

O DIÁRIO era livre. O Edgard dos Anjos tinha uma política de liberdade, fazia o meio de campo de uma maneira inteligente. O José Barreto Mendonça, que era editor de Polícia, e a Maura Fraga aprontavam horrores. Barreto saía com Maura Fraga, ele de sobretudo e ela de peruca loura, e iam para Cobilândia à noite. No dia seguinte ele escrevia no jornal: "Homem de capote (ele mesmo) e loura misteriosa vistos em Cobilândia". Quando precisava fazer alguma foto sem que o fotografado percebesse, o Paulo Makoto tinha um macete: ele não mostrava a máquina, ajeitava ela debaixo do braço e já chegava fotografando.

Um dia o Barreto, que era também delegado, pegou um revólver, com bala de festim dentro, e deu um tiro, não sei se no Jacaré, que era dono do jornal. O Jacaré caiu e gritava: "Tô ferido, tô ferido".

O DIÁRIO publicou uma série de reportagens sobre crianças supostamente raptadas que fez grande sucesso e criou uma confusão maior ainda. O gancho surgiu quando o Barreto resolveu explorar o fato de que, quando uma criança desaparecia, o pai prestava queixa na delegacia, mas quando o filho voltava ele não registrava o retorno. Um dia o Barreto resolveu "contar" as crianças desaparecidas. Deu cerca de 60... e havia um circo na cidade.

A matéria do Barreto começou por aí: "Sessenta menores desaparecidos em Vitória. Leão estaria comendo?" Deu até polícia no circo que, por falta de freqüência, acabou recolhendo a lona...

Um dia estava o editor de Esportes, Renato Dias Ribeiro, um cara sério que hoje é psiquiatra, redigindo sua matéria. Como não havia lauda, ele colava com fita adesiva pedaços do papel que sobrava da impressão mais ou menos no tamanho da matérias que precisava escrever. Enquanto tivesse papel, ele escrevia e por isso era chamado de Renato Cascata. Quando acabasse o papel, ele terminava a matéria. Naquele dia ele colou dois pedaços de papel e começou a fazer sua "cascata". Eu me abaixei e colei mais um, mais outro... No fim, tinha colado sete pedaços de papel e ele não notou. Era o rei da cascata porque só parava de escrever quando acabava o papel.

Num sábado - só havia dois telefones no jornal, um na Redação e outro na Administração - Renato estava reclamando de falta de assunto pra sua página, e nós armamos esta pra ele: eu telefonei da outra sala, e Renato atendeu. Daí eu comecei:

- Aqui é Kleber (o Kleber Andrade era presidente do Rio Branco), e tenho um furo pra você.

- Pô, Kleber, bem na hora. Eu estou sem assunto.

- Olha, daqui a uma semana vamos promover um grande torneio aqui em Vitória, reunindo Flamengo, o Santos, com Pelé e companhia, o Milan da Itália, a Desportiva e naturalmente o Rio Branco.

Eu falando, o pessoal rindo e ele anotando.

Desliguei o telefone e fui fazer outra coisa. O Tinoco, que editava a página de Esportes, sabia, mas deixou passar. No dia seguinte, primeira página: "Torneio monstro”. Foi uma loucura. Isso daria demissão sumária de todo mundo em qualquer outro jornal, mas, como estávamos nO DIÁRIO, nada aconteceu. O presidente do Rio Branco jurava que aquela história tinha sido sacanagem da Desportiva. E a coragem pra contar isso pro Renatinho demorou muito tempo.

Não foi má intenção, foi pura sacanagem.

Mesmo assim, O DIÁRIO se fez respeitar e influenciou claramente todo o resto da imprensa: A Gazeta deu uma virada total, a Revista Agora foi feita a partir da redação de O DIÁRIO, com Cláudio Bueno Rocha, que foi o precursor do profissionalismo na imprensa capixaba.

 

 

Fonte: O Diário da Rua Sete – 40 versões de uma paixão, 1ª edição, Vitória – 1998.
Projeto, coordenação e edição: Antonio de Padua Gurgel
Autor: Paulo Bonates
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2018

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