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Hospedaria de Imigrantes da Pedra D’Água - Atual IRS

Pedra DÁgua. Atual Instituto de Reabilitação Social - IRS

Resumo

 A presente Memória, pretende apresentar aspectos geográficos e históricos do local e da edificação situada na localidade de Pedra d’Água no município de Vila Velha com destaque para o período em que ali existiu a antiga Hospedaria de Imigrantes culminando com a atual penitenciária denominada Instituto de Reabilitação Social – IRS. Ao abordar aspectos históricos locais alertamos para preservação do local como lugar de memória.

Localização

A localidade conhecida por Pedra d’Água se situa ao sul a da baía de Vitória e é, no dizer de Cezar Márquez, uma “ponte de terra na base do morro de mesmo nome”, que poderíamos chamar de península, no município de Vila Velha entre a “prainha” da Glória e a foz do rio Aribiri, tendo ao fundo o Morro da Manteigueira ou da Pedra d’Água. Mas a visão ampla do local se dá a partir de Vitória, na av. Beira Mar, entre a curva do Saldanha e a ilha da Fumaça, além do alto do morro da outrora Ilha de Santa Maria, sem mencionar a vista a partir das embarcações que adentram a baía com destino aos terminais portuários de Vitória e Vila Velha.

Primeiras Citações

Na carta da Capitania do Espírito Santo, onde se detalha a baía de Vitória e arredores, constate do Atlas Manuscrito de 1631, feito por João Teixeira Albernaz, O Velho, existente na mapoteca do Itamarati, podemos observar que nas proximidades do que chamaremos de península da Pedra d’Água, já no século XVII existia um engenho de açúcar de propriedade “Do Azeredo”.

Mas é do século XVIII que vem a mais remota referência ao nome do lugar. Levy Rocha, ao falar sobre “um fato da inquisição” cita referências sobre “A lenda de Braz Gomes” ou “O Judeu Pescador”. No decorrer da história cita que o dito Braz Gomes, uma filha de nome Cecília e um filho chamado José foram enviados a Lisboa, enquanto que “outras duas filhas são amaldiçoadas, levadas em canoa, por um escravo morfético, ao lugar chamado Pedra d’Água, no continente, donde surgem ‘por praias e caminhos infestados de bugres e feras até a vila da Barra do Paraíba dos Campos dos Goitacazes”.

Havia um caminho a partir do qual se seguia para o sul da Capitania do Espírito Santo, era o Caminho Geral ou Caminho da Costa que interligava por terra a capitania com seus vizinhos.

Tudo indica que este caminho, ou uma variante dele, partia da Pedra d’Água para o sul da capitania.

Sobre a origem do nome Pedra d’Água

Não é possível responder quando o local passa a ser conhecido por este nome, talvez nunca saibamos.

Porém, pode-se afirmar que, conforme a lenda do Judeu Pescador e, como consta em uma Carta “Topográfica da Barra e rio do Espírito Santo”, de José Antônio Caldas que em fins do século XVIII (1767) o local já era descrito como “Ponta da pedra de agoa” tendo ao fundo o “Morro da pedra de agoa” (hoje Morro da Manteigueira). O que nos autoriza afirmar que essa denominação já devia ser corrente no século XVIII.

No início do século XIX o viajante austríaco, Príncipe Maximiliano de Neuwied, irá utilizar essa mesma rota, porém no sentido inverso, pois, vindo do sul passando pela Barra do Jucu, sua caravana, “atravessou quatro montarias e dois burros de carga na baía que o Príncipe chamou de rio (mas corrigiu o engano), em PEDRA D’ÁGUA, sitio distante meia légua de Vila Velha, formado por uma colina em cujo alto havia uma casa solitária, donde se descortinava belo panorama que se estende a esquerda, no estreito prolongamento da baía”. É aí que Levy Rocha cita uma das versões mais plausíveis para a origem do nome que “origina-se da grande pedra isolada, que aflora nágua, em frente a colina”. É a partir da colina onde, já havia uma casa em 1815 (e, mais tarde, se erguerá a Hospedaria dos Imigrantes) que foi feita uma ilustração estampada depois no livro do Príncipe Neuwied onde se observa um barco a vela, “o rochedo Jucutuquara e a casa da fazenda Rumão, fronteira ao sítio Pedra D’Água, na baía de Vitória”.

Em 1856 era proprietário do Sítio da Pedra d’Água, no termo da Vila do Espírito Santo, o Sr. Francisco Dias de Alvarenga, conforme registro de terra feito pelo pároco local.

Na “Planta da parte da Província do Espírito Santo em que estão compreendidas as colônias”, acima, publicada no Rio de Janeiro em 1878, existente no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, observa-se que “o caminho Geral” continuava a existir e principiava na Pedra d’Água, onde se pode observar que ainda existia (em 1878) uma edificação onde mais tarde (1889) surgirá a Hospedaria dos Imigrantes.

A Hospedaria dos Imigrantes

O edifício ao qual foi dado o nome de HOSPEDARIA DE IMIGRANTES PEDRA D’ÁGUA foi construído em 1889. Até o início daquele ano todos os imigrantes que se estabeleceram no Espírito Santo eram alojados em hospedarias improvisadas localizadas no centro da cidade de Vitória em ruas com a do Commercio (hoje av. Florentino Avidos), da Alfândega e Primeiro de Março (hoje incorporadas a av. Jerônimo Monteiro). Foi na administração do Presidente da Província Dr. Henrique de Athayde Lobo Moscoso (06/08/1888) a 08/05/1889) que se empreendeu a construção da hospedaria.

De acordo com Lei provincial n. 32 de 1888, em seu art. 5, determinou-se a “construção de uma hospedaria para imigrantes, que atendesse aos requisitos de boa acomodação, higiene e capacidade suficiente, a vista de planta e orçamento da Inspetoria de Obras Públicas, e por meio de concorrência (...)”.

Como vimos, o Príncipe Neuweid, em 1815, já havia encontrado uma casa na colina da Pedra d’Água. Em 18 de janeiro de 1889,o Governo da Província adquiriu os terrenos para a construção da hospedaria do Coronel Henrique da Silva Coutinho (que em 1890 foi Presidente do Estado) e do Governo Imperial. Em 08 de março de 1889, a Inspetoria Especial de Terras e Colonização, apresenta ao Dr. Moscoso “os projetos e orçamento para construção, (...) no lugar denominado Pedra D’Água, que consistiam, entre outras, das seguintes providências: reparos e modificações na casa ali existente, adaptando-a ao plano geral da obra e aquisição da propriedade”.

Do exposto se percebe que, mesmo antes da Hospedaria em 1889, existia uma edificação que, adaptada, serviu de base ao conjunto de edifícios de que era composta. É Príncipe Neuweid, em 1815, logicamente, passando por várias reformas/ reconstruções, tendo em vista que, como vimos em 1878, ainda havia uma edificação no local.

Apenas um mês após a apresentação do projeto, em 18 de abril de 1889, o Inspetor Especial de terras e Colonização, Sr. Joaquim Adolpho Pinto Pacca, enviou ofício ao Inspetor Geral no Rio de janeiro, Tenente-Coronel Francisco de Barros e Acioli de Vasconcellos, informando que “acha-se estabelecida a Hospedaria de Imigrantes na Baía desta Capital, do lado oposto a esta e a 15 minutos de viagem, em lancha a vapor”.

Segundo Lucílio da Rocha Ribeiro, “apesar dessa correspondência, a referida hospedaria ainda não se encontrava totalmente concluída e alguns trabalhos foram ali realizados após essa data”.

O Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (APEES) possui em seu acervo, sete livros escriturados na antiga hospedaria, além de documentos avulsos e outros que indiretamente se relacionam com a mesma, que abrangem o período de 1889 a 1908, no qual ela funcionou como Hospedaria sendo desativada no Governo do Dr. Jerônimo Monteiro. Além disso, esta mesma instituição guarda o “projecto de reconstrução do predio situado na Pedra d’Agua e construção de mais Quatro chalets destinado à Hospedaria de Immigrantes, organisado pelo Agrimensor Augusto Roberto Wabberstein Pacca, Ajudante da Inspectoria Especial de Terras e Colonisação, em cumprimento e ordem do Inspetor Especial das Terras na Provincia do Espírito Santo, 1889”, com a “Memoria Justificativa” em anexo e o “Projecto de construção de duas casas para armazéns de bagagens da Hospedaria de Immigrantes e de um caes organisado pelo Agrimensor Augusto Roberto Wabbersteisn Pacca, ajudante da Inspectoria Especial das Terras e Colonisação, em cumprimento e ordem do Ill.mo Snr Inspector Especial das Terras na Provincia do Espírito Santo. 1889”.

Por volta de 1910, o edifício serviu de Quartel Militar (Sétima Companhia de Caçadores Isolada) ocasião em que foi provisoriamente cedido a União. Nesta mesma época foi dotado de luz elétrica. Em 1915 devido a uma epidemia de varíola a Hospedaria foi transformada em lazareto (Hospital de Isolamento) no Governo do Coronel Marcondes Alves de Souza.

A Primeira Penitenciária do Estado

No final do Governo do Coronel Nestor Gomes, através da lei n. 1.416 de 21 de março de 1924 foi transformado em Penitenciária do Estado. Antes, desde 1892, a prisão era junto ao Quartel da Polícia Militar, que existia na Praça Misael Pena, no Parque Moscoso.

Em fins de 1925, já no Governo de Florentino Avidos o Decreto n. 5.810 de 12 de dezembro deste ano a intitulou de “Penitenciária da Pedra d’Água”. Nesta mesma época (Governo Avidos) o edifício sofreu as primeiras adaptações.

No Governo do Interventor Federal no Estado, João Punaro Bley por volta de 1937-1938, a Penitenciária passou  por inúmeras reformas e ampliações que descaracterizaram o conjunto construído para Hospedaria dos Imigrantes. Foi a primeira Penitenciária do Estado. Nela, durante o regime do Estado Novo, ficaram presos, descendentes de imigrantes, membros da Aliança Integralista Brasileira, possivelmente descendentes dos que haviam sido hospedados naquele mesmo local.

A denominação atual, Instituto de Readaptação Social – IRS foi dada pelo Governador Jones dos Santos Neves através da Lei n. 688 de 29 de dezembro de 1952.

Com a construção de outros edifícios prisionais vizinhos ao velho prédio da hospedaria, já transformado em Penitenciária o local passou a ser conhecido como “Complexo Penitenciário de Vila Velha”.

No início desta década a prefeitura de Vila Velha criou o Parque Natural Municipal Morro da Manteigueira, vizinho ao complexo penitenciário, “área que abriga espécies da Mata Atlântica, manguezal e restinga”, onde, até a década de 1960 existiu a Casa da Manteigueira, um antigo solar que tinha a fama de ser assombrado pelos espíritos de dois amantes, conforme conta Maria Stella de Novaes no seu livro intitulado Lendas Capixabas.

Apesar de ter sido totalmente descaracterizado com as reformas e ampliações feitas desde a sua transformação em penitenciária na década de 1920 até hoje o edifício ainda guarda em sua volumetria um valor simbólico para todos os descendentes dos que por ali passaram no final do século XIX. Podemos, inclusive, afirmar que o edifício caracteriza em si um lugar de memória, de um passado quase mítico que o capixaba deseja recuperar na sua busca por uma identidade.

Um minucioso trabalho de Arqueologia Histórica poderá por em evidência os vestígios do píer e rampa de acesso ainda visíveis no local, bem como, prováveis estruturas do edifício da Hospedaria aproveitadas ou encobertas pelo seu novo uso.

O rico acervo de documentos textuais, cartográficos e iconográficos existentes no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo poderá proporcionar pela quantidade e qualidade de informações, caso houver interesse, uma reconstituição física (recuperação das características arquitetônicas originais da antiga Hospedaria) ou mesmo virtual.

Salientamos ainda que no setor de Patrimônio da Secretaria de estado de Gestão e Recursos Humanos, poderão existir os projetos da reforma e ampliação do prédio enquanto Penitenciária (provavelmente na década de 1930), o que, caso confirmado, será relevante em superposição ao projeto da Hospedaria existente no APEES, e que poderá, como já foi dito, ser utilizado num levantamento arqueológico que objetivasse verificar o que resta dos edifícios originais da Hospedaria.

Como foi sugerido pela Subsecretária de patrimônio Cultural, Sra. Christiane Wigneron Gimenes, uma boa proposta seria integrar a ponta onde se localiza o edifício do IRS (antiga Hospedaria) ao território do Parque Natural Municipal Morro da Manteigueira, o que reforçaria ainda mais a sua preservação a qual, acreditamos, deve estar focada em uma finalidade turístico-cultural-ambiental.

Acreditamos que esta breve explanação não está livre de lacunas ou falhas, mas poderá orientar futuros levantamentos visando a recuperação preservação do que poderá se tornar um MEMORIAL DO IMIGRANTE NO ESPÍRITO SANTO.

 

Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, n. 62, 2008
Rogério Frigerio Piva (Graduado em História pela UFES, Associado Executivo do IGHES)
Compilação: Walter de Aguiar Filho, outubro/2011



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