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Liberalismo e Solidarismo – Por Eurico Rezende

Eurico Rezende

Minha fidelidade ao liberalismo e o meu respeito e solidariedade aos democratas não se manifestaram apenas na conduta que tive no curso dos governos revolucionários e, sobretudo, na elaboração constitucional de 1967.

Estão registrados, quer em passado remoto, quer em época recente, antes de encerrar minha carreira eleitoral.

Passo a citar alguns.

CONTRA O "GOLPE"

Corria o ano de 1937.

Eu me encontrava no início da mocidade. Havia chegado do interior do Estado, onde, em Alegre, concluíra os estudos secundários, e fazia o curso pré-jurídico, em Vitória.

Surgiram três candidaturas à sucessão do Presidente Getúlio Vargas: a de José Américo de Almeida, a de Armando Saltes de Oliveira e a de Plínio Salgado.

As duas primeiras polarizavam a opinião pública. A terceira, sem chance eleitoral, tinha como finalidade expandir uma ideologia recém-criada, o Integralismo.

Ao lado de companheiros de minha geração, notadamente de colegas do antigo Colégio Estadual do Espírito Santo, participei da campanha do Dr. José Américo. Esta opção decorreu, quase exclusivamente, do fato de o candidato ser um primoroso escritor. Seu livro — "A Bagaceira" — de profundo sentido nordestino, foi o toque nacional da grande fase literária do país, que se chamaria "ciclo da cana-de-açúcar", iniciado por José Lins do Rego. Seguiram-se "O boqueirão" e "Coiteiros". As três obras penetraram na avidez intelectual de nossa geração.

A literatura foi, assim, o verdadeiro motivo da adesão dos jovens ao honrado político brasileiro. Logo em seguida, os discursos do candidato — de acentuado combate à pobreza e à corrupção — passaram a nos empolgar num crescendo permanente.

Buscando dar articulação à campanha, instalei em Vitória uni comitê, tendo como companheiros, dentre outros, Carlos Miranda Cunha, José Nunes, Gerson Lucas, Hermes Carloni, Antônio Vieira de Rezende, Carlos Santana Cá e Alexandre Carneiro. Coube-me a presidência. Com poucos dias de propaganda, o movimento passou a contar com cerca de cem rapazes, a maioria estudantes do curso complementar.

Curioso assinalar é que, via de regra, nossos pais eram adeptos de Armando Saltes de Oliveira. Naqueles tempos, era raro acontecer tal discrepância.

Articulamo-nos com a União de Estudantes Democráticos, com sede no Rio de Janeiro, responsável pela mobilização da classe em todo o país, remetendo para os comitês estaduais exemplares do "Diário Carioca" e do "Correio da Manhã", além de manter com a entidade troca de correspondência.

Sem recursos financeiros, nossas atividades se circunscreviam a Vitória e Vila Velha, com a distribuição de volantes, fixação de faixas e realização de comícios.

A certa altura da campanha. espalharam-se comentários, segundo os quais o Dr. José Américo estava sendo apoiado pelos comunistas. Era exato, mas sem que com eles tivesse assumido qualquer compromisso. Será, aliás, estultice um postulante a cargo eletivo recusar apoio. Naquela época, a religião tinha influência quase decisiva. A palavra do padre era como que uma ordem divina. E a Igreja Católica, diferente hoje em termos políticos, combatia de modo permanente e obsessivo a ideologia marxista.

Tratava-se de clara exploração da chamada "indústria do anti-comunismo" contra o nosso candidato orquestrada e difundida por autoridades e mercenários do Governo Federal, com a colaboração de vários governadores, principalmente o Dr. Benedito Valadares, de Minas Gerais, este assim procedendo apesar de haver sido quem lançara a candidatura do Dr. José Américo. A trama foi-se desenvolvendo, já sob a direção ostensiva do governante mineiro, que, primeiro, propôs a desistência das candidaturas, o que foi logo rechaçado. Depois, sugeriu que se emendasse a Constituição, prorrogando o mandato do Presidente Getúlio Vargas, e para criar condições atrativas no Congresso, colocou em sua proposta a extensão do benefício aos parlamentares federais. Nada disso vingou, pois a manobra espúria não conseguiu o apoio do Ministro da Guerra, General Eurico Gaspar Dutra.

Mas a marcha para o "golpe" não arrefecera.

O Governador do Espírito Santo, João Punaro Bley, que antes estava publicamente solidário com o nosso candidato, mudou de atitude e integrou-se na conspiração antidemocrática.

Em virtude de tal mudança de procedimento, cerca de cinquenta jovens nos dirigimos à Praça João Clímaco, frente ao Palácio do Governo, e ali fizemos manifestações de protesto e inconformismo. A polícia, sem usar de violência física, retirou-nos do local. Procuramos, então, ingressar no prédio da Assembleia Legislativa, mas a porta se fechou para nós. Lembro-me de que, ao nos retirarmos, encontramos um deputado estadual, que, mais tarde, ficaríamos sabendo que era o Dr. Francisco Clímaco Feu Rosa, tendo ele, questionado por nós, dito que "as notícias não eram boas".

Fomos, então, para a sala onde habitualmente nos reuníamos, no prédio em que funcionava o curso pré-jurídico, situado na Avenida Capixaba. Ali, discutimos o problema e fizemos um relatório dos acontecimentos ao Dr. José Americo, o qual foi entregue a um representante da União de Estudantes Democráticos, que, dias antes, viera a Vitória para participar de dois comícios nossos, um dos quais, me lembro, na Fonte Grande.

lnobstante essas ameaças, a campanha se desenvolvia normalmente em todo o país.

Algum tempo depois, porém, o Presidente Getúlio Vargas, com o apoio do Congresso, decretou estupefaciente "estado de guerra", o que acentuava os sinais de que nossas instituições democráticas estavam a caminho da derrocada.

PRESOS

Realmente, dois meses após, em 10 de novembro de 1937, veio o golpe militar, fechando as casas legislativas e mantendo o Dr. Getúlio Vargas no Poder.

Voltamos a nos reunir. Redigi e assinei telegrama de protesto, dirigido ao Ditador, em nome de nosso comitê.

O telegrama, obviamente, não chegou às mãos do seu ilustre destinatário, interceptado que foi pela vigilante censura, automática nessas conjunturas.

Mas, no dia seguinte, dois policiais, um civil e outro militar, foram de carro me apanhar em uma "república", onde eu morava com o meu irmão Jayme, no bairro de Jucutuquara.

Fui conduzido para a velha Chefatura de Polícia, que funcionava na Rua Graciano Neves. Ali já se encontravam alguns colegas meus.

Dr. Paulo Veloso, que era Chefe ou Delegado de Polícia — não me lembro com precisão — me recebeu bem e me tratou com urbanidade. O escrivão tomou minhas declarações por escrito, ele mesmo me fazendo as perguntas. Findo o interrogatório, fui levado para uma sala ao lado, onde fiquei detido, separado de meus companheiros. No dia seguinte, pedi à autoridade licença para me comunicar com um advogado, a fim de ser providenciado um "habeas corpus" para mim e meus colegas. Veio a resposta: "Deixe isso prá lá e tudo acabará bem".

Meus colegas, no espaço de setenta e duas horas, foram sendo liberados. Mas eu fiquei um pouco mais. Afinal, eu era o "chefe" e autor do telegrama.

CINCO ANOS DEPOIS

Em dezembro de 1942, na solenidade de colação de grau pela antiga Faculdade de Direito do Espírito Santo, de cuja turma fui orador, disse em meu discurso, quando ainda imperava a ditadura getuliana:

"A beleza desta solenidade nos oferece, de um lado, o encantamento da vitória alcançada através da pertinácia do ideal, finalmente colimado. Mas, em outro ângulo, nos proporciona o desencanto, porque vamos iniciar a nobreza de nossa profissão numa quadra nacional incompatível com as lições que recebemos de nossos dedicados mestres. Mas nem por isso sejamos abatidos pelo desânimo. Lembremo-nos desta expressão-símbolo da esperança: "Depois do túnel virá a claridade”. ("Discurso de Formatura — pág. 2")

QUATRO DÉCADAS DEPOIS

Decorridos quase quarenta e um anos, a lembrança da nossa frustrada campanha de 1937 passou a figurar nos anais do Senado Federal.

O Senador Mauro Benevides, através de belo discurso, falando em nome de toda a Casa, comemorava o cinquentenário do romance "A Bagaceira", o livro que tivera marcante influência sobre a minha geração e que me conduzira a apoiar a candidatura do Dr. José Américo de Almeida.

Emocionado, dei-lhe um aparte, do qual constou:

"Está fazendo V. Exª um discurso nacional, porque abordando um vulto nacional e com base num livro nacional.

Daí não estranhar, pelo contrário, receber com agrado a intervenção ecumênica do Plenário. Quero dizer que a bancada da Arena se associa também a essa homenagem. E V. Exª vai me permitir aproveitar a oportunidade para procurar caracterizar o meu respeito madrugador por José Américo de Almeida. Quando, em 1937, estava nas ruas a sua candidatura, nós, da minha geração, tínhamos uma opção, entre o valoroso homem público, que era Armando Sales de Oliveira e outro, igualmente valoroso brasileiro, que era e é José Américo de Almeida. Com 19 anos naquela época, preferimos o intelectual aplaudido e resolvemos apoiar a sua candidatura. Dado o "golpe" de novembro, com a implantação do "Estado Novo", reunimo-nos e enviamos um telegrama ao ditador, protestando contra a supressão das nossas instituições representativas. Obviamente, o telegrama não chegou ao seu ilustre destinatário, mas nós fomos presos por mais de setenta e duas horas". ("DCN" — Seção II —11-3-1978 — pág. 241.) Poucos dias depois, o Dr. José Américo me endereçou esta carta:

 

João Pessoa, 4 de abril de 1978

Ilustre amigo

Senador Eurico Resende:

 

Agradeço com toda a alma o aparte lapidar com o que me honrou por ocasião do discurso proferido pelo Senador Mauro Benevides homenageando meu romance A BAGACEIRA em seu cinquentenário.

Comove-me a evocação que fez de sua atitude em meu favor na campanha malograda em 1937. Valeu mais do que o poder o apoio dos intelectuais e dos estudantes na minha tentativa de reforma política que a ditadura sacrificou.

Com amizade e admiração,

José Américo de Almeida.

 

UMA VIOLÊNCIA SEM LIMITES

Em 6 de dezembro de 1947, o Chefe de Polícia do Estado do Espírito Santo baixou o seguinte edital:

"O doutor Messias Lins de Oliveira Chaves, Chefe de Polícia do Estado do Espírito Santo, torna público que, em virtude de achar-se encerrada a fase de propaganda eleitoral, e não havendo, portanto, motivos outros que justifiquem a realização de comícios, "fica terminantemente proibida, por ordem do Exm. Sr. Dr. Secretário do Interior e Justiça, qualquer manifestação pública de caráter partidário", salvo com autorização expressa da Chefatura de Polícia. E para que chegue ao conhecimento de todos, manda que se publique na imprensa local" (A Gazeta — Vitória, ES — Edição de 7.12.1947).

Faça-se o confronto dessa decisão policial com o artigo 141, §11, da Constituição Federal de 1946, então vigente:

"Todos podem reunir-se, sem armas, intervindo a polícia senão para assegurar a ordem pública. Com esse intuito, poderá a polícia designar o local para reunião, contanto que, assim procedendo, não a frustre ou impossibilite."

O edital decorreu do fato de o Deputado Benjamin de Carvalho Campos, eleito pelo Partido Comunista do Brasil, haver programado e anunciado a realização de reuniões públicas na cidade de Vitória e em seus bairros.

O desrespeito àquela proibição resultaria em copiosas prisões em flagrante.

Como se vê, a comparação da norma com o fato deixava inteiramente a nu intolerável violência contra os direitos fundamentais do homem.

Procurado pelo parlamentar, embora não me aliasse à sua ideologia, mas por ser aliado da Constituição, impetrei a seu favor e de seus companheiros ordem de habeas corpus, cumulada de salvo-conduto, perante o nosso Tribunal de Justiça, sem qualquer interesse pecuniário.

Entendia o chefe de polícia que somente na "fase de propaganda eleitoral" é que poderiam ser realizados comícios.

Tão esdrúxula opinião — mais do que estranheza — causou estupefação, sobretudo porque chancelada por um dos maiores advogados do meu Estado, que não teve, sequer, a habilidade de decretar o veto sem publicá-lo, como, vez por outra, costuma agir a autoridade policial.

O habeas corpus foi denegado pelo Tribunal por entender que esta não era a medida cabível e, sim, o mandado de segurança.

Foi voto vencido o do Desembargador Barros Wanderley, através de sucinta, mas precisa argumentação. (Habeas corpus n 1.086 — Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo — Imperante: Dr. Eurico Rezende. Paciente: Benjamin de Carvalho Campos.)

O RECUO DA POLÍCIA

Menos de um mês depois de julgado o habeas corpus, ingressei no Tribunal com um mandado de segurança sobre os mesmos fatos.

O Deputado Benjamin de Carvalho Campos estivera no gabinete do chefe de polícia, comunicando a este que em tal dia seria realizada reunião pública, sob sua responsabilidade, com o fim de expor ao povo suas ideias a respeito de problemas de ordem geral e de âmbito nacional, dentro da garantia constitucional, para o debate de temas brasileiros para esclarecimento coletivo. Recebeu da autoridade resposta negativa, sob a alegação "de se tratar de um movimento partidário de ordem subversiva'', aduzindo que já se encerrara a campanha eleitoral e que, por isso, não mais se justificava a realização de comício..."

Diante desse quadro estarrecedor, constata-se que a polícia da época, apesar de estarmos sob a égide da Constituição de 1946, prolatou a seguinte sentença "histórica”:

"Só pode haver reunião política quando se está em campanha eleitoral".

Esta "súmula'', que o Supremo Tribunal Federal jamais adotaria, estava inscrita no famigerado edital já reproduzido neste capítulo.

É certo que a proibição, após indeferido o habeas corpus, fora revogada, pois tivera caráter casuístico.

Mas eu tinha justo receio de que, designada nova data para a concentração, fosse restaurada a medida cesarista.

Daí o mandado de segurança, que foi julgado prejudicado. O Tribunal, porém, por unanimidade, acatando o voto do Relator, Desembargador Danton Bastos, após firmar-se no entendimento de que aquele era o recurso cabível, deu exemplar lição de democracia, declarando que a medida policial ofendia plenamente os direitos e garantias individuais.

Foi, sem dúvida, primorosa a peça do saudoso magistrado.

Nela, o exame da espécie e a consequente condenação da violência constante do edital se deram de maneira esgotante. Merecem ser transcritos estes trechos do acórdão:

"Ora, a franquia do direito de reunião fundamental do homem — repita-se — "direito supraestatal", na expressão de Pontes de Miranda, só pode ser negado quando suspensas as garantias constitucionais, isto é, quando legalmente declarado o estado de sítio.

Fora daí, não se pode admitir como válido o ato do poder público declarando "terminantemente proibida qualquer manifestação pública de caráter partidário".

O ato será manifestamente, flagrantemente, solar-mente inconstitucional.

E o Judiciário, invocado, deve anulá-lo pela medida própria, que o egrégio Tribunal, em habeas corpus impetrado pelo requerente para tal fim, declarou ser o mandado de segurança".

E arrematou o preclaro magistrado, no seu voto condutor da decisão:

"Bem inspirada a revogação, como desacertada a medida revogada.

Mas o Tribunal de Justiça fixa a interpretação do inciso constitucional, como uma espécie de medida preventiva, mostrando aos cidadãos de todos os credos que nele encontrarão sempre o amparo seguro para o exercício de todas as garantias constitucionais".

Sensibilizou-me esse julgamento porque, sobre honrar o Judiciário capixaba, lecionou direitos e garantias individuais, com séria advertência à autoridade governamental, que — repito — chegara a se fixar na diabólica premissa segundo a qual só pode haver reunião durante campanha eleitoral. ("Mandado de Segurança nº 187 — Comarca da Capital — Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo — Requerente: Benjamin de Carvalho Campos (Deputado Estadual). Advogado: Dr. Eurico Rezende.)

A VIOLÊNCIA MAIOR

Dando estrito cumprimento a Resolução do Tribunal Superior Eleitoral, a Mesa da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo declarou, em 13 de janeiro de 1948, extinto o mandato do Deputado Estadual Benjamin de Carvalho Campos, eleito pelo Partido Comunista do Brasil.

A decisão daquela Corte fora tomada pela escassa maioria de votos (4 x 2), considerando constitucional a Lei Ordinária n 211/48, que dispôs sobre extinção de mandatos dos membros dos corpos legislativos da União dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, "eleitos ou não sob legenda partidária", na hipótese de "cassação do registro do respectivo partido, quando incidir no § 13, do art. 141, da Constituição Federal", o qual, por sua vez, prescrevia:

"É vedada a organização, o registro ou o funcionamento de qualquer partido político ou associação, cujo programa ou ação contrarie o regime democrático, baseado na pluralidade dos partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem".

A violência, tanto da lei, como da resolução, era evidente.

Conforme acentuei em considerações anteriores, os direitos e garantias individuais são definidos de modo rígido, sendo vedado ao legislador ordinário restringi-los. E mesmo que se quisesse ferir esses princípios, inerentes ao regime democrático, tal violação, na vigência daquela Constituição (de 1946), só poderia ser perpetrada após cumpridas certas regras nela estabelecidas, in verbis:

"Art. 217. A Constituição poderá ser emendada.

§ 2º Dar-se-á por aceita a emenda que for aprovada em duas discussões pela maioria absoluta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em duas sessões legislativas ordinárias e consecutivas.

§ 3° Se a emenda obtiver numa das Câmaras, em duas discussões, o voto de 2/3 (dois terços) de seus membros, será logo submetida à outra; e sendo nesta aprovada pelo mesmo trâmite e por igual maioria, dar-se-á por aceita".

A hipótese era de emenda constitucional e não de lei ordinária.

Foi, sem dúvida, uma das piores práticas de inconstitucionalidade registradas na história deste País. E tanto maior foi tal dessangramento jurídico quando se tem em vista a dolorosa verdade: buscou-se, no próprio Capítulo dos Direitos e Garantias Individuais, o instrumento espúrio para a usurpação de direito conferido pela soberania popular.

Em outras palavras: a garantia estabelecida contra o Estado, em favor do cidadão, foi usada pelo Estado, contra o cidadão. Estávamos, assim, diante de episódio estarrecedor, em que o Presidente Eurico Gaspar Dutra, com a lamentável aquiescência do Congresso Nacional, vilipendiou o famoso "livrinho". que ele dizia sempre consultar quanto lhe propunham qualquer medida contrária ao regime democrático.

EM DEFESA DE UM OPRIMIDO

Éramos colegas na Assembleia Legislativa, eu pela legenda, da UDN.

Fui procurado por Benjamin de Carvalho Campos, vítima da "guilhotina". Consultou-me se eu aceitaria impetrar um mandado de segurança contra tal arbitrariedade, visando à retomada de sua cadeira parlamentar.

Apesar de pertencer a uma agremiação que participava do Governo e inobstante as "ponderações" de alguns companheiros de legenda, respondi afirmativamente e ingressei com a medida em nosso Tribunal de Justiça, competente para o julgamento da espécie, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Além do argumento central, aduzi outro, de relevância, qual seja a vulneração do princípio federativo.

A Constituição de 1946 somente fixará normas para os Estados no que dizia respeito ao Poder Judiciário (Título II). E, assim mesmo, porque quis — e o fez sabiamente — assegurar maiores garantias para o seu soberano exercício. No mais, deixou aos Estados a competência de auto-organização de seus poderes.

Em seis páginas, cotejei os textos constitucionais com a iniquidade praticada e demonstrei que entre esta e aqueles havia um abismo de incompatibilidade, onde jogaram o diploma de um mandatário popular.

E acentuei: — "Egrégio Tribunal, somente a Justiça poderá sustar a marcha para a subversão da ordem jurídica. A ameaça absolutista aí esta nesse estranho caso de absorção, com a bússola a assinalar a diretiva da nefasta centralização de poderes. Urge reagir com serenidade, resolução e firmeza. Chegamos à encruzilhada decisiva em que o Poder Judiciário exercerá ou não o "judicial control". ("Mandado de Segurança n° 188/1948 — Advogado: Dr. Eurico Rezende — Impetrante: Benjamin de Carvalho Campos — Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo").

O pedido de segurança foi indeferido, de vez que o Supremo Tribunal Federal, em controvertida decisão, entendeu que era constitucional a lei motivadora da violência.

Devo, finalmente, ressaltar que não impetrei a medida em caráter profissional, mas na minha condição de democrata. E lembrar também que, como nos episódios anteriores, eu pertencia a um partido que apoiava o Governo Federal.

 

Fonte: Memórias – Eurico Rezende– Senado Federal, 1988
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2018



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