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Lugares de culto – Por Joaquim Beato

Escritos de Vitória N. 9 IGREJAS PMV

Num passeio pela cidade de vitória, com o objetivo de melhor conhecê-la para apreciá-lo melhor, o morador descobrirá, certamente, uma ampla variedade de espaços especializados. Perceberá, por exemplo, estádios, ginásios cobertos, quadras de basquete, vôlei, tênis, pista de atletismo e até mesmo o mar – espaços destinados aos jogos e competições que visam, principalmente, à formação do corpo; notará as escolas e colégios das redes municipal, estadual e particular, e o campus universitário, além das bibliotecas, galerias de arte, teatros e museus – espaços destinados à formação do espírito; mas é possível que tenha de ser chamada a sua atenção para mais um tipo de espaço especializado: os lugares de culto.

Sejam templos ou casas de oração; majestosos edifícios litúrgicos, de rica e vetusta tradição arquitetônica, ou os humildes cochicholos, sem nenhum sinal exterior característico, esses lugares de culto, mesmo levando em conta somente aqueles destinados ao culto cristão, são surpreendentemente tão numerosos que esse morador se sentirá, sem dúvida, desafiado a refletir sobre a importância de sua função social. Mesmo pensando apenas nas dimensões espaciais dos terrenos que ocupam em seu conjunto e do custo de sua construção e manutenção dos edifícios, ele, em se tratando de uma pessoa razoável e sem preconceitos, terá de indagar das razões que justificam, para os adeptos, investimento de tal monta. Se lhe for passada a informação de que o funcionamento desses lugares exige a formação e manutenção de pessoal especializado na sua administração, liturgia e teologia, perceberá que o investimento total cresce ainda muito mais. Que retorno é esperado? Percebendo que há um constante crescimento do número de lugares de culto em nossa cidade, o morador há de concluir que seus adeptos têm o retorno que esperam e os consideram suficientemente valiosos para compensar seu investimento.

Por isso, para essa parcela nada desprezível de nossa população é impossível imaginar a cidade sem esses lugares de culto. Para ela, sem esses espaços haveria não somente uma sensível modificação do seu panorama como também se alterariam substancialmente a história e a qualidade de vida de nossa polis. Para esses adeptos, como não pode prescindir, por exemplo, de hospitais, mercados, praças, jardins, bibliotecas, estádios e universidade, assim também a cidade não pode dispensar os lugares de culto. Eles são os locais em que comunidades das mais variadas tradições cristãs se reúnem para as celebrações rituais e litúrgicas, em que, pela Palavra e pelo Sacramento, se recolocam em contato com a experiência fundante e expressam sua maneira própria de se relacionar com o Sagrado em sua vida diária.

Voltemos à questão da função social desses lugares de culto, supondo que o morador ainda continua interessado na resposta à sua indagação. Analistas da civilização tecnológica contemporânea são unânimes em reconhecer que ela é uma civilização tipicamente urbana. E muitos deles não deixam de expressar sua preocupação com o fato de que, em afastando o ser humano de seu meio natural, a urbanização tem produzido efeitos destrutivos, existencial e relacionalmente, da sua condição humana. Um desses efeitos é o anonimato. Os condôminos num edifício e até vizinhos de mesmo andar não se conhecem por nome e mal se cumprimentam. As relações entre pessoas na cidade são tão especializadas que os papéis exercidos importam mais que o ator. O Dr. Admardo Serafim de Oliveira escreveu: “o homem urbano moderno se assemelha a uma cifra sem rosto, é o homem-massa, inexpressivo, sozinho e ávido por um nome, já que se sente, frequentemente, reduzido a um número...” Efeito correlato disso é a solidão. Desfeitos os vínculos de família e vizinhança, fortes na sociedade tradicional, no meio urbano produz-se o isolamento, a frieza e a indiferença de uns pelos outros. Torna-se raro e improvável o estabelecimento de relações humanizadoras, o tédio, a angústia. Além disso, desfeitos esses vínculos, livre do controle social, tão forte na sociedade tradicional, a cidade leva o homem urbano a pôr em questão os códigos de conduta a que vinha obedecendo, os valores morais que tinha interiorizado. Ei-lo liberto das amarras, que o continham mas lhe davam segurança. Ei-lo, portanto, numa situação angustiosa de anomia ou, pelo menos, de liminaridade. Essa liberdade lhe exige grande quantidade de opções pessoais e uma multiplicidade de atitudes morais fundadas em valores morais variáveis e, portanto, contraditórios.

Anonimato, solidão e anomia são os males que ameaçam, em suas raízes mais profundas, a existência do homem urbano. E é contra essa desunamanização ameaçada que as comunidades cristãs se apresentam. Oferecendo, através do culto e do ritual, uma relação com a realidade transcendental, elas lhe provem o fundamente para uma nova segurança, uma identidade mais firme, apoio moral, consolo e entendimento de quem ele é. Eis o retorno que tem mais do que justificado o investimento que os lugares de culto representam.

Outra coisa mais que fala da importância dos lugares de culto é a antiguidade de sua presença na história da humanidade. Religião e família são dois subsistemas sociais presentes em todas as sociedades e culturas até agora conhecidas. Nas sociedades primitivas e arcaicas não havia lugares de culto, porque a religião era nelas um fenômeno difuso, sendo um aspecto da vida de todos os grupos sociais. Mas os arqueólogos têm encontrado templos com arquitetura relativamente complexa, datando do quarto milênio a.C., isto é, de quase seis mil anos atrás. O mais famoso lugar de culto na tradição judaico-cristã, o templo de Salomão, foi construído no décimo século a.C., isto é, cerca de três mil anos atrás, em Jerusálem. Desde o quarto milênio a.C., a humanidade passou por transformações e revoluções e percorreu os longos e variados caminhos que a trouxeram até a idade contemporânea. Passaram os grandes impérios: Egito, Babilônia, Pérsia, Macedônia e Roma; o império de Carlos Magno, o bizantino e o sarraceno. Houve grandes revoluções culturais, como a Renascença, a Reforma Protestante, O Ilumisnismo; a Revolução Francesa; a revolução industrial; a revolução científica e tecnológica... Seis mil anos de história separam a ziggurat de Anu, em Uruk, no sul da Mesopotâmia, e os muitos templos existentes em Vitória; mas todos têm uma finalidade comum: são lugares de culto. É claro que hoje, com a secularização, “essa libertação do homem da tutela da religião e da metafísica” (Cox), o templo perdeu a posição central de que desfrutou por milênios. Mas só o secularismo, “... uma ideologia... uma nova visão fechada do mundo, que funciona muito semelhantemente a uma nova religião”, produz o tipo de crítica radical da religião e busca conseguir o seu desaparecimento histórico. Porém, em vista da experiência recente do leste europeu, onde um secularismo aguerrido, patrocinado pelo Estado, combateu sem tréguas a religião, sem conseguir esse intento, pode-se inferir que os lugares de culto continuarão a serem construídos. Tudo leva a crer que a religião não é apenas um fenômeno da infância da humanidade, pois continua a fazer sentido para o homem urbano, que alguns consideram como tendo chegado à idade adulta, neste final de milênio.

Tendo servido como pastor, na década de 1950, de igrejas em Santo Antônio, em Maruípe e na Rua Sete de Setembro, só posso me alegrar que assim seja e apreciar profundamente mais esse vínculo entre tantos que me ligam à nossa cidade.

 

Escritos de Vitória – Uma publicação da Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura Municipal de Vitória-ES, 1996
Prefeito Municipal: Paulo Hartung
Secretária Municipal de Cultura e Turismo: Jorge Alencar
Conselho Editorial: Álvaro José Silva, José Valporto Tatagiba, Maria Helena Hees Alves, Renato Pacheco
Assessoria Técnica: Biblioteca Municipal de Vitória
Revisão: Reinaldo Santos Neves, Enyldo Caravalinho Filho
Capa: Paulo Bonino
Editoração Eletrônica: Edson Maltez Heringer
Impressão: Gráfica Ita

 

Fonte: Escritos de Vitória, nº 9 Igrejas, Secretaria Municipal de Cultura e Turismo – PMV, 1995
Texto: Joaquim Beato
Compilação: Walter de Aguiar Filho, outubro/2018

 

Joaquim Beato

Nascido em Guaçuí (ES).

Pastor, filósofo e sociólogo.

Professor da UFES (aposentado).

Ex-secretário municipal de Cultura e Esporte – PMV.

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