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“Não importa o ninho se o ovo é de Águia”

Personalidade Capixaba - Dr Adauto Santos

Esta assertiva, de aparência aleatória, tem uma significação profunda e reveladora.

Ela alberga o âmago duma realidade vivencial que não se pode nem se deve omitir.

Retrocedendo no tempo, ela me traz à mente o relato daquela singular história da gansa que chocara seus ovos, sendo acrescido à ninhada, um ovo de cisne.

Os ovos da gansa, no tempo certo, produziram vários, belos e assanhados gansinhos.

O ovo do cisne remanesceu por mais alguns dias, desafiando a paciência maternal da gansa, pressurosa por acompanhar seus irrequietos rebentos, ao lago vizinho.

Esta, vezes muitas, lobrigou o desejo de abandonar o ninho. Venceu, contudo, o acendrado amor materno que a constrangeu a permanecer no ninho por mais algum tempo.

Dias depois, quebrada a casca do solitário ovo, que tanta expectativa lhe causara, dele saiu uma criatura que em nada se parecia com seus filhotes, bem maior do que os outros e com uma cor parda, não de boa aparência.

Obviamente, a gansa pensou logo: este não é meu filho. Como ele é feio!

Admitiu, até, abandoná-lo.

Um tanto quanto sensibilizada, disse, de si para si: vou atirá-lo n’água! Se ele vier a nadar com os outros, tudo bem, isto é sinal de que é gente nossa. Caso ele não consiga nadar, por certo, morrerá afogado.

Uma surpresa, entretanto, estava-lhe reservada.

Aquela exótica criatura, aquele estranho personagem, sabia nadar melhor que todos os outros.

Como sói acontecer em casos semelhantes, o pequeno cisne não gozava de muita simpatia da parte de seus companheiros, visto que estes o invejavam pelo fator de nadar melhor.

Sendo feio, atraiu os ódios de todas as aves quem enciumadas, o odiavam e perseguiam cruelmente.

Desta forma, malquisto de todos, espancado e expulso em toda parte, procurou refúgio em um lugar estranho, onde existia um lago de águas límpidas e cristalinas.

Solitário, forasteiro e estenuado, uma grande surpresa o aguardava, quando, pousando sobre o lago, contemplou, no espelho cristalino das águas, a alvacente e imponente figura de um soberbo e belíssimo cisne.

Vê-se, pois, com clareza meridiana, que, em realidade, não importa o ninho se o ovo é de qualidade.

Dentro do espírito cristão democrático que nos envolve, não há dúvidas, todo jovem, independente de ser filho da nobreza de sangue azul, nascido na maior pobreza e rodeado das mais adversas circunstâncias, tem o privilégio e a oportunidade de lutar, estudando e trabalhando, até alcançar uma posição de poder prestar um grande serviço aos seus semelhantes.

Entretanto, há muitos jovens, por estes Brasis afora, que não chegaram a descobrir sua natureza superior, como o cisne.

Quantos jovens perambulam por este mundo de Deus, como navios em bússola, à matroca, verdadeiros náufragos de suas inciências e imprevisões.

Bom seria que tais jovens se apercebessem, de suas explêndidas e ricas oportunidades e possibilidades, voando condoreiramente, aos píncaros sobranceiros dos pensamentos e do ideal; entretanto, levam uma vida em tudo semelhante à dos patos, a rastejarem no lamaçal.

Não foi este o comportamento do jovem Adalton Santos, campista de nascimento e Castelense de criação, adoção e coração.

Arrostando as circunstâncias adversas dum malfadado racismo vigente (ele era de cor negra), suportando os desfavores duma pobreza constrangedora e cruel (seu pai era um humilde braçal e sua mãe, modesta lavadeira) – cedo teve que se defrontar com as cruentas realidades, agruras e vicissitudes que a vida, vezes muitas, nos reserva.

Ajudar nas despesas da família era um dever sagrado.

Assim, optou pelas atividades de “pintor”. Melhor dizendo, caiador de paredes.

Um luz resplende, entretanto, no final do túnel.

Uma plêiade de abnegados idealistas, entre outros, Menezes Pimentel (juiz), Carlos Campos (promotor), Manoel Pires Martins (prefeito), num rasgo de idealismo, fazem nascer o Ginásio Municipal de Castelo.

Surge aí a verdadeira “Porta da Esperança” par ao adolescente Adalton Santos, carinhosamente batizado por seus pais, Manoel Romão e Maria Quintina, por Babá.

Membro da Igreja Batista de Castelo, o jovem em análise valeu-se de seu Pastor, José Francisco de Paula, coordenador de disciplina do recém-criado Ginásio, conquistando a função de zelador do prédio daquela casa de ensino.

Esmerou-se, quanto pôde, na ordem e no asseio daquele templo de educação.

Passou, desde logo, a merecer a admiração, o respeito e a confiança de seus diretores: Dr. Menezes e Dr. Carlos Campos.

Funcionava, àquela época, apenas o Curso de Admissão ao Ginásio daquele educandário.

Em manhã bela, risonha e cheia de luz e de esperança, numa das salas do Ginásio, estava o professor Donato Fauce, em aula de matemática.

Do lado de fora da classe, pelo corredor, através da porta entreaberta e às escondidas, o jovem Adalton acompanhava, ressabiado e atentamente, as explicações daquele professor.

Não sabia ele que, no outro extremo do corredor, como de praxe, saboreando uma proveitosa leitura, jazia, imóvel, à sombra dum biombo, o atento diretor técnico da casa, a enérgica, competente e humana figura do Dr. Francisco de Menezes Pimentel Junior, juiz de Direito da Comarca.

Este, exímio observador, acompanhava, com interesse, os gestos e as atitudes daquele tímido jovem que, às furtadelas, acompanhava e hauria os conceitos matemáticos da exposição do professor Donato.

Observado o necessário, com sua voz firme e metálica, Dr. Menezes quebrou o silêncio vigente:

 

“Ó, rapaz! Que está fazendo aí?”

“Venha cá!”

 

Desnecessário é dizer-se que Adalton estremeceu em suas bases.

Após devidamente interrogado e esclarecidas suas intenções de estudar, recebeu ele a seguinte orientação daquele diretor e mestre, cearense de boa cepa:

“Meu filho, levante-se mais cedo, cada dia, tome o seu banho e assista as aulas com atenção”.

Ordens dadas, ordens executadas. Os dias se passaram céleres.

Não tardou muito e os exames de admissão foram fixados e proclamados.

O jovem Adalton fez logo e, com sofreguidão, a sua inscrição.

Certamente, os seus esforços e a sua aplicação aos livros se multiplicaram.

Efetivados os exames e publicados os resultados, à testa de classificação geral, estava o nome: Adalton Santos.

Uma retumbante vitória a mais daquele jovem humilde e tímido que, porém, almejava crescer na vida.

Professores e alunos, amigos e a gente castelense, entre surpresa e feliz, comemoravam, comovidamente, a brilhante vitória do jovem que começava a se despontar nas lides culturais.

O curso ginasial bem como o Colegial constituíram-se em renovadas oportunidades para que o jovem Adalton, gradativamente, ascendesse a estágios mais altos em sua vida cultural.

Sem vaidades, mas com honradez e competência, no quinto ano do antigo curso ginasial, Adalton já lecionava Francês para todas as séries do Ginásio, até a quarta série.

Com a professora Maria Madalena Pimentel, diariamente aprimorava seus conhecimentos da língua de Victor Hugo, vindo a falá-la com fluência e servindo de intérprete, com eficiência, quando da visita a Castelo duma equipe de cientistas canadenses, em busca, estes, de jazidas de urânio.

Com respeito à língua inglesa, além de seus esforços pessoais, em muito lhe valeu a eficiente maestria do brilhante professor Dr. Deusdedit Baptista, educador de primeira linha.

Tornou-se, desta forma, aquele ex-pintor, um conceituado e primoroso trilíngue, esteio e coluna do magistério castelense, no então Ginásio Municipal de Castelo, hoje, Escola de 1º e 2º Graus e Escola Normal “João Bley”.

Estimulado pelos expressivos triunfos anteriores, alçou voos mais altaneiros.

Por meio de brilhante vestibular, adentrou, gloriosamente, os umbrais da antiga Faculdade de Direito do Estado do Espírito Santo, onde, com dedicação e competência, viu-se diplomado em Ciências Jurídicas e Sociais.

Se tanto não bastasse, estabeleceu novos alvos e novos rumos para sua vida.

A judicatura era-lhe um fascínio irresistível.

Era-lhe, então, a sua próxima meta. Novo e pesado desafio à sua frente.

Encarou-o com destemor e, de novo, vê seus sonhos realizados seus esforços coroados de êxito.

Bem se diz que “Deus ajuda a quem trabalha.”

Aprovado que fora, ei-lo, agora, nas pugnas judiciais, mercê duma batalha gigantesca e cruenta, porém, vitoriosa.

Em Castelo, sua terra adotiva, em Nova Venécia, Vila Velha, Vitória e outras, sua tarefa de julgador foi aureolada pelas justiças, presteza e competência.

Esparzindo justiça, o agora Dr. Adalton Santos honrou e dignificou o Poder Judiciário em nosso Estado.

Mesmo açoitado pelos contratempos da vida, contudo, a largos haustos, sorvia as alegrias que esta mesma vida lhe prodigalizava.

Futebol e natação eram seus esportes preferenciais.

No coral da Igreja batista de Castelo, como tenor ou baixo, sua participação era indispensável.

Vezes muitas, solava com geral agrado de seus ocasionais ouvintes.

Sem que fosse um pantagruelista, contudo, era de alentado apetite.

Minimizar ou menosprezar o Flamengo era ferir-lhe o coração de rubro negro convicto.

Sua vasta cultura fê-lo granjear a alcunha de “Noite Ilustrada”, coisas do amigo Antenor Guimarães.

Suas repetidas visitas à residência do Diretor, participando de aulas de francês, o aproximaram da jovem Domícia Daniel de Lima, eficiente secretária da família Menezes Pimentel. São agora dois corações abrasados pelo fogo ardente de um amor puro e duradouro.

Namoro, noivado e casamento foram o caminho que ambos percorreram até a consumação do consórcio.

O fruto deste amor rendeu-lhes oito filhos, todos sadios, inteligentes e perfeitamente integrados à sociedade, participantes que são do bem-estar e do progresso da Pátria que os viu nascer.

Cedo, no limiar de sua vida de lutas, aprendeu à saciedade, que os grandes ideais de nossa existência demandam coragem, esforço, sacrifício e persistência.

Os seguintes e lapidares versos do General Mário Barreto França eram-lhe um autêntico norte, um seguro final em sua laboriosa caminhada e em seus labores.

 

“Quanto mais longe se apresenta a glória,

Tanto maior força faze por alcançá-la,

Porque o prazer mais profundo da vitória

Está, precisamente, em conquistá-la.”

 

“Se teu ideal for alto como os Andes,

E inescalável se tornar sua vida,

Não retrocedas, porque as coisas grandes

Não pertencem ao ideal de quem duvida.”

 

Palmilhando, resolutamente as sendas da verdadeira sabedoria e do dever, um dia, o bravo e humilde jovem Adalton atingiu, com brilhantismo e honradez, os píncaros da glória, legando, aos pósteros, um magnífico exemplo de brio e de idealismo de vida.

As limitações impostas pelas restrições financeiras, lar humilde, racismo e tantos outros fatores não foram barreiras obstaculadoras de seu condoreirismo idealístico.

Superou-os todos com sobranceria e sobriedade.

Daí nossa reiteração: “Não importa o ninho se o ovo é de águia”.

 

Fonte: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo-Nº 45, 1995
Autor: Irysson da Silva
Compilação: Walter de Aguiar Filho, novembro/2012 

 

Personalidades Capixabas

Miguel de Aguiar

Miguel de Aguiar

Miguel Manoel de Aguiar Junior nasceu em Vila Velha – ES, em 31 de março de 1893. Filho de Miguel Manoel de Aguiar e Maria da Penha Nunes de Aguiar, teve como irmãos, Augusto, João, Vitória, Manoel, Maria e Carolina. Aos quatro anos perdeu seu pai e aos nove anos sua amada mãe

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