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Nós os capixabas – Por Francisco Aurélio Ribeiro

Francisco Aurélio Ribeiro

Em 1998, houve um Congresso Nacional de Antropologia na UFES. Nossa querida amiga e Professora Antônia Colbari organizou uma mesa-redonda com o tema "Existe uma identidade capixaba?" e convidou alguns "especialistas" para falar do assunto. O título da mesa estava afixado numa das portas e isso chamou à atenção de estudiosos nacionais e estrangeiros que perguntavam: "Que tribo tão importante é essa que tem uma mesa só para discuti-los"? Pois é, de vez em quando, somos instigados a discutir a "identidade capixaba" e este número do Escritos de Vitória é uma dessas oportunidades. Portando, vamos lá, meter nossa colher-de-pau nessa "moqueca" ou "polenta", como queiram.

Há várias marcas que distinguem o capixaba. Uma delas é a discrição. Somos tão discretos que ficamos perdidos no coral dessa "terra brasilis", em que baianos, cariocas, gaúchos, mineiros (que silêncio, nada!) e os nordestinos em bloco ("mais verba pro nordeste!") fazem um estardalhaço tão grande que nossa voz não se faz ouvir. Eles levam tudo: verbas, destaque na mídia, aplausos e apupos e nós ficamos, aqui, a contemplar o Convento da Penha, há quinhentos anos. Por sinal, essa parece ser a explicação histórica para nosso isolamento: ficamos tanto tempo isolados dos poderes e benesses da matriz, quando fomos colônia, servindo de proteção verdejante às riquezas de Minas, que nos acostumamos a ficar alijados. Se não for isso, é outra coisa, e não me interessa averiguar.

Capixaba não tem códigos próprios de afirmação. Não tomamos chimarrão, falamos grosso e usamos bombacha como os gaúchos; não escorregamos nos esses como cariocas ou carregamos nos erres como paulistas. Não temos a malevolência e a verve artística dos baianos e nem fugimos das adversidades climáticas como os retirantes nordestinos. Capixaba só sai daqui para "fazer sucesso no Rio" ou para desmatar em Rondônia. Por isso, o Rio está cheio de "artistas" capixabas, alguns, merecidamente, outros, nem tanto. E em cada buraco desmatado da Floresta Amazônica, tem capixaba. Pode procurar!

Capixaba não tem nada legitimamente seu e que seja reconhecido assim por todos. O convento? Pode ser, mas há templos, igrejas e santuários por todo o Estado que resolvem a religiosidade popular. Não chega a ser uma "sina" religiosa peregrinar ao Convento. Vai quem quer e, se quiser, independente da crença religiosa. A moqueca? A mim, e a muitos outros que nascermos no interior, não faz falta. Fui criado com frango, quiabo e polenta, arroz e feijão. Portanto, moqueca é prato pra comer quando se leva visita de fora, e pronto! Marfim azul? Tá louco! Nunca o vi mais gordo ou magro, nem na peixaria nem na panela. Pesca ao marfim é esporte de "rico e famoso" que não tem o que fazer ou matar. Se ainda fosse o peroá, este sim, é peixe capixaba de beira de praia, saboroso, barato e popular. O resto é conversa de publicitário paulista que vem fazer campanha política. Congo? Pode ser, para os maratimbas, os que vivem no litoral. No interior do sul do Estado, cresci vendo as folias-de-reis, os bate-flechas, o boi pintadinho e a mula-sem-cabeça. Beija-flor? Tai! È um bom símbolo, lindo, não faz mal a ninguém e há de várias espécies, mas não creio que seja um símbolo típico capixaba, já os vi em Singapura, e sei lá onde mais.

Se temos um linguajar próprio? Sim, mas, discretamente. Ditongamos muito, daí os "bandeija, carangueijo" do nosso dialeto; já ouvi até menino gritar "A Gazeita!!"; falamos "pocar" para muitas coisas; principalmente, nos "pocamos de rir" e por aí vai. Os "com muito tempo" e " sem o que fazer" já estão divulgando na internet uma lista de palavras do dialeto capixaba. Deve ser brincadeira de mineiro, que não tem praia, e, por isso, sem o que fazer, vai para o computador, "navegar".

Até o nosso Hino do Estado feito pelo escritor Pessanha Póvoa fala de nossa modéstia: "Se as glórias do presente forem poucas, / Acenai para nós - Posteridade". Ou seja, não confiamos muito nas nossas "glórias do presente", por isso, apelamos para as que virão, se vierem. Talvez sejamos portadores da síndrome do Patinho Feio ou do Flicts, do Ziraldo. Um dia, viraremos cisne ou chegaremos à lua, mas, até lá, vamos nos conformando com o que somos e temos, sem se importar muito com esse futuro alvissareiro. Dizem que em Pedra Azul há o "terceiro melhor clima do mundo", sem nos importar onde é o primeiro e o segundo. Que, em Colatina, há o "terceiro (ou segundo?) mais belo pôr-do-sol" e por aí vai. Não somos o primeiro. em nada. E isso não nos preocupa. Nunca tivemos um escritor capixaba na Academia Brasileira de Letras e nem sei se alguém, um dia, brigou por isso. Nossos artistas capixabas se diluem em outras culturas, quando fazem sucesso lá fora: Danuza Leão cariocou-se; Rubem Braga mineirou-se, no início da carreira; Roberto Carlos paulistou-se, para se firmar como o maior cantor romântico brasileiro. Elisa Lucinda está dando muita "bandeira de capixabismo", mas não tira seus belos olhos do Rio, onde teve o destaque que aqui não lhe deram. Mas seu hino de amor capixaba é um "Espírito santinho", com voz de Kátia Rocha, Manimal e tudo.

Yes, nós temos valores, sim. Nossas praias não são as mais belas, mas são nossas. Ou da Vale, Aracruz, CST ou Samarco?. Nossa capital não é uma "cidade maravilhosa", mas é uma delícia, às vezes. O chocolate da Garoto não é um Godiva, mas é daqui, pertinho. A Pedra Azul não é o Pão de Açúcar, é bem mais bonita. O Convento não é o Cristo, é bem mais antigo. O Congo não é samba. Elisa não é Elza. Ou seja, somos por negação, oposição ou contradição, mas, somos. Quem? Nós, os capixabas, é claro.

 

Fonte: Estrela Prometida, crônicas capixabas – ano 2003
Autor: Francisco Aurélio Ribeiro
Compilação: Walter de Aguiar Filho, outubro/2015

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