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O Contestado Minas-Espírito Santo – Por Eurico Rezende

Eurico Rezende

De minha autoria a Emenda n° 827:

"Inclua-se nas Disposições Gerais e Transitórias:

"Art. Fica ratificado, em todos os seus termos, o acordo de limites territoriais, celebrado em 1965, pelos governos dos Estados do Espírito Santo e de Minas Gerais." ("ANAIS", Vol. 6, Tomo II, pág. 877.)

Havia uma questão lindeira entre os dois Estados. Datava ela de mais de um século. Pareceres encomendados pelos respectivos governos se mostravam, obviamente, antagônicos. A princípio, embora o oficialismo das duas unidades federadas oferecesse estudos e laudos em defesa de seus direitos àquela potencialmente rica região, que mais tarde se transformaria em área de grande desenvolvimento, as populações locais se ajustavam bem, sem interesse maior pela solução da divergência. Mas, a partir da década de 40, foi de cada lado formando-se intensa conscientização. Daí começaram a surgir conflitos, com o sacrifício continuado de vidas. Um permanente lacrimatório de viuvez, de dor e orfandade provocou a preocupação das autoridades e da opinião pública dos Estados em confronto. E a marcha dos acontecimentos, cada vez mais graves, terminou por ter repercussão nacional. Tentou-se, por várias vezes, uma solução amigável, mas a paixão desenfreada, comandada, sobretudo, pelo então prefeito de Mantena (Fernandinho), que depois seria deputado estadual por Minas Gerais, se apresentava como obstáculo intransponível.

Em meio ao ambiente já extremamente conturbado, foram adotadas duas medidas, em momentos diferentes, que motivaram forte reação pelo seu evidente facciosismo:

a) O Ministro da Guerra, por influência do Governo mineiro, passou a não mais conceder autorização às Polícias Militares dos dois Estados para a aquisição de armas e munições, sob a justificativa de que tal proibição era de natureza preventiva, isto é, para diminuir a possibilidade de uma "guerra de fronteira". Acontece que, de fato, a medida era de efeito exclusivamente unilateral, pois a Milícia mineira encontrava-se muito bem servida de armamento, suficiente para eventual combate, enquanto a nossa corporação militar se achava, na espécie, desprovida de recursos. A desproporcionalidade do número de homens e da quantidade de equipamentos era absoluta;

b) o Presidente Juscelino Kubitschek determinou o fechamento da estação de radiotelegrafia do escritório de representação do Espírito Santo, sediado na antiga Capital da República. O pretexto era que sua instalação fora feita de modo irregular. Isto, após vários anos de tranqüilo funcionamento e coincidindo com uma época em que nossas mensagens, dirigidas aos jornais do Rio de Janeiro através daquela estação, se tornaram freqüentes, denunciando à Nação atos de violência civil e militar praticados contra nossos serviços fiscais e judiciários.

O PLEBISCITO...

Em dado momento, correu a notícia de que iria realizar-se um plebiscito na região, para que a população opinasse sobre a que Estado gostaria de pertencer.

O boato, que posteriormente foi desmentido, provocou, dos dois lados, intensa movimentação, sobretudo, da parte de líderes políticos.

Dessa campanha participei, percorrendo várias localidades, pedindo "voto" para o Espírito Santo.

Houve, então, uma passagem hilariante. Eu e o Capitão Pedro Maia de Carvalho visitávamos um influente proprietário rural, residente próximo a Gabriel Emílio (Mantena, para os mineiros). Recebeu-nos bem. Passamos a conversar, terminando por lhe pedir o seu trabalho, no plebiscito, em prol do nosso Estado. Tivemos de explicar-lhe o significado da palavra, após o que o fazendeiro nos respondeu mais ou menos com estas expressões:

— "Meu Deputado e meu Capitão, gosto muito, mas muito mesmo dos capixabas. Aliás, tenho uma filha que estuda num colégio em Vitória. Um filho vai se casar com uma moça de São Francisco (Barra de São Francisco). Quase todo o meu café é vendido a comerciantes capixabas. Quando necessito de um médico vou a Colatina."

A esta altura, vivíamos a quase certeza de receber o “sim”, o que teve a duração de uma semifusa, pois eis o frustante desfecho:

— "Mas os senhores vão me desculpa, não dou bem com o clima do Espírito Santo.

UMA TENTATIVA

Quando era Presidente da Assembléia Legislativa do Espírito Santo, o Deputado Jefferson Aguiar (PSD) recebeu convite para visitar Belo Horizonte. O Dr. Juscelino Kubitschek era Governador de Minas Gerais e estava preocupado com o desgaste político que vinha sofrendo, pois naquela época articulavadentro do partido sua candidatura à Presidência da República, e a escolha estava encontrando resistências. Necessitava, portanto, dos convencionais do Espírito Santo.

O Dr. Jefferson de Aguiar, após argumentar que a reivindicação de Minas Gerais era inconcebível e improcedente diante do laudo do Serviço Geográfico do Exército, obteve do futuro Chefe da Nação o compromisso de, empossado, resolver a questão de limites, com base naquele documento técnico.

Ainda durante sua estada na capital mineira, o ilustre parlamentar capixaba, de modo talentoso e desassombrado, discursou na Assembléia Legislativa, defendendo os direitos de nosso Estado, sendo muito aplaudido. Este fato animou muito a quantos, quer de um lado, quer de outro, desejavam um acordo que pusesse fim àquela centenária questão.

AS DIFICULDADES DO DR. JUSCELINO

O discurso do representante espírito-santense repercutiu de tal forma que o Governador Kubitschek convidou-o para um almoço, no dia imediato, no Palácio da Liberdade, oportunidade em que foi reafirmado pelo anfitrião o compromisso de solucionar o problema.

Eram, porém, evidentes as dificuldades que o Dr. Juscelino tinha pela frente para levar adiante a missão pacificadora, a que se propusera pelo menos aparentemente.

Candidato a candidato a Presidente da República, se o acordo fosse desfavorável ao Espírito Santo, ele não teria o apoio dos seus companheiros capixabas na postulação partidária. Nessa hipótese, por certo, os convencionais prestigiariam a corrente que lhe era adversa. E se o contrário acontecesse, isto é, o desate não agradando aos seus coestaduanos, o efeito danoso à sua pré-candidatura seria maior ainda, em virtude do grande peso político e eleitoral de Minas Gerais.

O único recurso para safar-se da incômoda situação era manejar um compasso de espera.

Para conseguir colocar o assunto em "banho-maria", ele foi a Vitória e reiterou aos seus correligionários e ao povo capixaba o compromisso de, se eleito Presidente, conduzir as partes a um acordo. E o disse com a sua comprovada habilidade, gerando confiança. Tal pronunciamento retirou os óbices que, não digo que impediam, mas constrangiam o PSD do Espírito Santo a apoiá-lo.

Assinalo aqui que a UDN capixaba, a qual eu integrava, não aceitava o cumprimento da promessa para depois da eleição. Queria que fosse antes. Nesse sentido, fizermos cerrada campanha, através de volantes e faixas. E nossa reivindicação era que fosse cumprido o laudo do Serviço Geográfico do Exército.

Empossado na Presidência da República o Dr. Juscelino, questão ficou como estava e com a agravante do episódio do fechamento de nossa estação de rádio-telegrafia, já mencionada neste retrospecto.

FERVE O CALDEIRÃO DO CONTESTADO

Quando o Dr. Juscelino exercia a Presidência da República, eclodiu violenta crise na região, com a transferência de contingente das Polícias Militares de Minas e do Espírito Santo para Gabriel Emílio (Mantena) e São Francisco, na divisa entre os dois Estados. A distância em que se encontravam os grupamentos adversários não excedia de doze quilômetros. E os dois Governadores,através de telegramas, trocavam acusações.

Informado da grave situação, o Dr. Jefferson de Aguiar que se encontrava no Rio de Janeiro exercendo o mandato de Deputado Federal, procurou, com urgência, o Presidente da República, avisando-o de que havia possibilidade de confronto armado. Lembrou-o do compromisso que assumira, de resolver a questão de limites tão logo assumisse a chefia da Nação. A intervenção do parlamentar capixaba foi altamente proveitosa, dela resultando o seguinte:

a) imediatamente o Chefe do Governo telegrafou para o Governador Bias Fortes, mandando sustar qualquer iniciativa da Polícia mineira e se entender com o Governador do Espírito Santo o Dr. Francisco Lacerda de Aguiar, com igual propósito;

b) o Presidente incumbiu-o de seguir para Belo Horizonte com o seu Chefe do Gabinete Civil, Dr. Victor Nunes Leal, tendo ambos viajado em avião da FAB, na noite daquele mesmo dia;

c) em Belo Horizonte, mantiveram prolongados contatos com o Governador Bias Fortes, resultando desses entendimentos um Acordo Fiscal, assinado pelo Chefe do Executivo mineiro, pelo Ministro Victor Nunes Leal, representando o Presidente da República, e pelo Deputado Jefferson de Aguiar, "ad referendum" do Governador capixaba. Tal protocolo representou o primeiro passo para a solução amigável da questão de limites;

d) assinado aquele documento, que acomodava e disciplinava a situação dos postos de fiscalização e arrecadação tributárias dos dois Estados — causa principal das velhas divergências e da iminência de conflito — o Dr. Jefferson de Aguiar, de logo, viajou para Gabriel Emílio (Mantena), em companhia do Secretário de Justiça de Minas Gerais, Dr. Ribeiro Pena, para verificar a retirada do contingente mineiro; lá chegou a haver uma provocação da parte de comerciante local, logo cessada por ordem daquele Secretário;

e) em seguida, o Deputado Jefferson de Aguiar dirigiu-se a Vitória, onde, após expor as providências que adotara, obteve do Governador Lacerda de Aguiar a confirmação do acordo, graças ao qual a paz voltou à região, que deixou de ser abrigo de homens procurados pela Justiça e dos que não desejavam pagar impostos, amparados pela dupla jurisdição de autoridades capixabas e mineiras.

Grande parte desta narrativa decorre de informações que me foram prestadas, pessoalmente, pelo próprio Dr. Juscelino Kubitschek, quando éramos colegas no Senado Federal, pois eu sempre tive o desejo de escrever uma monografia sobre a história do "Contestado".

O "CONTESTADO" NO SENADO

Tratava-se, como se viu, de um acordo restrito. Faltava a demarcação dos limites entre os dois Estados, com o que se completaria a solução.

A batalha, com esse objetivo, teve começo no Senado Federal e por iniciativa, ainda desta vez, do Senador Jefferson de Aguiar que, em 6 de maio de 1959, apresentou o Projeto de Resolução n° 5, fixando e determinando os limites entre o Espírito Santo e Minas Gerais, ao norte do Rio Doce, com base no laudo arbitral do Serviço Geográfico do Exército, firmado em 15 de dezembro de 1941, quando em plena vigência a Constituição Federal de 1937, que dispunha, in verbis:

"Art. 184.  

Parágrafo 2°. O Serviço Geográfico do Exercito procederá às diligências de reconhecimento e descrição dos limites até aqui sujeitos a dúvida ou litígios, e fará as necessárias demarcações."

Com a invocação do documento técnico e do dispositivo constitucional, o autor da proposição fixou-se no entendimento de que o direito do Espírito Santo se mostrava evidente e incontroverso. E, para reforçar sua opinião, em longa justificativa, arrolou fatos históricos, um discurso do inolvidável Senador AttílioVivacqua e pareceres de eminentes constitucionalistas brasileiros, como Pontes de Miranda, Levi Carneiro, Eduardo Spínola, Carlos Maximiliano, J. M. Carvalho Santos e Carlos Xavier Paes Barreto, produzidos, em 1946.

O parecer do Relator na Comissão de Justiça, Senador Silvestre Péricles, foi favorável ao projeto. Mas, a partir de um voto escrito do Senador Milton Campos (MG) — que considerava a matéria inconstitucional, porque, no seu ponto de vista, a competência do Senado estava perempta — amplamente contestado pelo autor do projeto, a proposição passou a sofrer prolongado retardamento por mais de dois anos, não se chegando a qualquer decisão concreta.

Sobre a controvérsia, voltarei a tecer algumas considerações mais adiante.

 

Fonte: Memórias – Eurico Rezende– Senado Federal, 1988
Compilação: Walter de Aguiar Filho, maio/2018

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