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O homem da revolução – Por Cacau Monjardim

Sob as ordens de Chiquinho

O DIÁRIO nasceu do sonho e da vontade de alguns jornalistas e homens de imprensa do meu tempo. Resultou de uma investida corajosa, quase heróica para a época, de se implantar um jornal com independência suficiente para acutilar a administração estadual de então e dar um novo tratamento à notícia.

Sempre foi conhecido como uma verdadeira escola de jornalistas. Dávamos oportunidade a todo mundo, e o jornal passou a ter identidade com a juventude daquele tempo. Era uma "universidade" que nascia. Sem dúvida alguma, o Espírito Santo deve aO DIÁRIO muito mais do que se pode supor. Porque ali nasceram grandes idéias, grandes fatos, grandes conquistas.

A imprensa capixaba era tipicamente provinciana antes de algumas ousadias praticadas na Rua Sete. Por exemplo: para fazer a paginação dO DIÁRIO, contratamos Reinaldo Jardim (conhecido pela grande reforma gráfica do Jornal do Brasil). Ele passou uma temporada em Vitória e mudou completamente a cara do jornal.

Além disso, O DIÁRIO tinha Marien Calixte e Rubinho Gomes, insuperáveis numa "cozinha" de jornal e que viviam criando novas soluções gráficas, novas páginas. Com suas constantes inovações, eles obrigavam os concorrentes a se movimentarem.

O DIÁRIO também mudou em termos redatoriais, graças à juventude daquele tempo, que tinha muita garra e muita capacidade. No tempo do Esquadrão da Morte, por exemplo, vendíamos entre 11 mil e 12 mil jornais por dia, o que era muita coisa tendo em vista as condições de trabalho.

Basta dizer que o jornal tinha que rodar até 4 horas da tarde, porque era impresso numa máquina plana, antiga e vagarosa. Na Rua Sete ficava uma fila enorme para comprar O DIÁRIO. As pessoas compravam o jornal ainda molhado de tinta. Quantas e quantas vezes aconteceu isso...

Naquela época foi instituído em Vitória o primeiro grupo organizado de pequenos jornaleiros, os "periquitinhos dO DIÁRIO". Eram garotos assistidos por entidades beneficentes começando pelo Orfanato Cristo Rei, vestidos com uma túnica verde onde estava impresso o nome do jornal. Chegamos a ter uma equipe de 120 "periquitinhos", que recebiam comissão e repassavam para o orfanato.

NO DIÁRIO, comecei como colunista social, fui redator esportivo, redator econômico e diretor.

A coluna social nasceu quando o grupo que dirigia o jornal sentiu falta de um espaço para esse tipo específico de informação, que já fazia algum sucesso na imprensa carioca, embora sofresse críticas como "coisa inútil", "culto à vaidade" etc.

Mesmo assim, lancei nO DIÁRIO o Coquetel da Cidade, que era uma coluna no estilo do velho e saudoso Antônio Maria. Noticiava fatos e comentava assuntos da noite, transformando as andanças e distrações noturnas em fatos noticiosos. Mas, depois de algum tempo, a coluna ficou sem notícia porque Vitória não tinha movimento noturno que sustentasse uma coluna diária.

Mais ou menos no mesmo período em que chegamos a essa conclusão, fui convidado para uma festa de 15 anos e publiquei comentários sobre a mesma. Depois disso, começaram a chover no jornal convites para festas de debutantes, outros aniversários e casamentos. Noticiamos tudo isso e acabamos transformando o Coquetel da Cidade realmente numa coluna social, no seu mais genuíno sentido, dedicada a eventos que serviam como referência de sucesso para a juventude e a sociedade daquele tempo. Em conversa com Alvino Gatti e o resto do pessoal, decidimos seguir essa linha, que estava dando ibope e vendendo jornal. E assim, durante anos eu escrevi o Coquetel da Cidade.

Depois, quando já estava cansado das festas e da vida noturna, comecei a escrever a coluna econômica Poltrona B, que falava de economia e indicadores financeiros. Era uma inovação, porque naquela época ninguém falava em economia. A coluna passou a ser uma leitura obrigatória dos empresários do Estado.

O DIÁRIO fazia oposição ao Governo da época, dirigido por Francisco Lacerda de Aguiar e, embora comandado por um grupo de pessedistas, não tinha o apoio dos grandes coronéis do PSD. O jornal ficou em péssima situação financeira e teve que ser vendido.

Christiano e Alvino Gani conseguiram vendê-lo para Mário Tamborindegui, deputado federal muito amigo do então governador Lacerda de Aguiar, adversário do PSD. Resultado: todos nós deixamos o jornal quando Mário Tamborindegui assumiu. Eu, que tinha a coluna, também parei de escrever e saí com todo o grupo de rapazes pessedistas.

Uma ou duas semanas depois, fui surpreendido com o convite para continuar escrevendo. Acabei continuando no jornal com uma proposta na época altamente vantajosa em termos financeiros.

Mais tarde, o jornal foi comprado pelo ex-governador Lacerda de Aguiar que, então, me entregou a direção do jornal, apesar de eu pertencer à ala moça do PSD.

Fiquei como diretor responsável, Fernando Jakes como diretor comercial, Marien Calixte como editor-chefe. Além de nós, ficou também toda aquela turma que, no curso dos anos, mantinha uma coluna no jornal. Setembrino Pelissari era o elemento de contato com Chiquinho.

Nessa época, o jornal voltou a uma fase tranqüila e pôde se efetivar como veículo, gerando e lançando o primeiro caderno cultural do Espírito Santo, que Marien dirigia. Fomos também os primeiros a importar dos Estados Unidos cadernos de ilustração e aplicá-los na imprensa capixaba.

O DIÁRIO também foi pioneiro na veiculação de cadernos especiais, lançando dezenas deles a partir de 1957, 1958. Eram cadernos especiais sobre vários assuntos, como por exemplo "A Vale do Rio Doce no contexto da economia capixaba", em que saiu uma reportagem belíssima feita por mim. Depois de ter acesso ao orçamento, aos gastos, aos equipamentos e a todos os setores da Vale, mostrei que não era só o apito do trem que a empresa deixava no Espírito Santo, como se falava na época. Fizemos um caderno maravilhoso sobre o que Vale representava para o Estado. Era uma coisa completamente nova no jornalismo capixaba.

Lembro de uma passagem fantástica do período da Revolução de 1964. O jornal publicou um caderno especial com Mao Tse-tung na capa e matérias sobre todos os grandes esquerdistas da época. Quando eu cheguei de uma festa no Clube Vitória no sábado, por volta de 3h30 da madrugada, resolvi dar uma corujada para ver como estava a coisa lá no jornal, já que morava em frente. Cheguei lá, achei estranho que o Caderno Dois estivesse impresso com aquela capa, em pleno período da Revolução. Fiquei alucinado com aquilo e o que me ocorreu foi pegar toda a edição, colocar no meu carro e levar para casa. Virei para Dequinha, que era o impressor, e disse: "Rasgue o que houver e não deixe rastro". Mandei-o colocar um anúncio na primeira página dizendo que a máquina quebrou e por isso o Caderno Dois não iria circular.

Depois disso, recebi uma carta de protesto daquela meninada: Paulo Torre, Maura Fraga, Rubinho Gomes, Antonio Alaerte e outros companheiros que naquela época acharam que eu tinha censurado o jornal, castrando a liberdade de imprensa.

Mas não, eu os livrara da cadeia, do tacão militar, porque ao levar a edição para casa não deixei nenhum elemento capaz de instruir um processo contra eles. Tenho até hoje guardada em casa a carta que me escreveram dizendo "graça" porque eu havia censurado aquilo.

Depois que passou a fase da Revolução, evidentemente, eles deveriam até me agradecer, porque eu sabia que, naquele tempo, sem qualquer segurança, aqueles rapazes talvez poderiam ir parar num DOI-Codi da vida. E a gente tinha mais experiência do que eles, era um pouco mais velho.

Lembro também que fui enquadrado na Lei de Segurança Nacional várias vezes, mas isso nunca gerou processo, porque quando, em 1964, A Gazeta tomou o caminho da esquerda, apoiando o Governo João Goulart, O DIÁRIO marchou na linha da livre empresa.

Até hoje tenho em minha casa cópia de uma correspondência do coronel Aguiar, dizendo que O DIÁRIO era o porta-voz da Revolução no Espírito Santo. E realmente foi o porta-voz da "Revolução". Publicamos todos os artigos dogmáticos sobre o movimento.

Participamos de todos os movimentos para levantar fundos financeiros em benefício da "Revolução", ao lado do empresariado, e passamos a ter um campo de faturamento para sustentar o jornal.

Nessa época, Milson Henriques tinha criado um personagem fantástico, o "seu" Justino. Todo dia ele fazia uma charge para a primeira página dizendo do que o "seu" Justino gostava e do que não gostava. Claro que, com meias palavras, alguma coisa sempre se dizia com referência à "Revolução".

E Justino também era o nome do comandante do Primeiro Exército. Quer dizer: já era um negócio meio esquisito usar esse nome. Mas, como o Exército também não podia vestir essa carapuça, o Milson fazia isso todo dia. Só que uma vez ele escreveu que o "seu" Justino não havia gostado de um determinado fato relacionado ao general Justino.

Eu era diretor responsável do jornal, fui enquadrado na Lei de Segurança Nacional e intimado pelos militares. Com o Milson não aconteceu nada. Mas, como eu tinha a carta dizendo que o jornal era porta-voz da "Revolução", apresentava sempre a carta como escudo. Isso me livrou de muita coisa...

 

Fonte: O Diário da Rua Sete – 40 versões de uma paixão, 1ª edição, Vitória – 1998.
Projeto, coordenação e edição: Antonio de Padua Gurgel
Autora: Fernando Jakes Teubner
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2018

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