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Partido Comunista Brasileiro e as outras esquerdas

Estátua de Leonel Brizola - Palácio Piratina, RS

Em fevereiro de 1961, foi fundada em São Paulo a Organização Revolucionária Marxista-Política Operária (ORM-POLOP), abrigando diversos setores descontentes com a linha oficial do PCB. A POLOP criticava a interpretação comunista sobre a realidade brasileira e, consequentemente, a estratégia revolucionária adotada pelo partido. O capitalismo, na visão dos polopistas, estava plenamente constituído no país, não havendo, portanto, nenhum resquício feudal ou semi-feudal que impedisse seu desenvolvimento. Na medida em que a classe burguesa já estava no poder, a revolução deveria ser necessariamente socialista, numa só etapa.

O objetivo da revolução mudava porque a questão principal não era mais destruir os obstáculos ao avanço capitalista, mas, sim tomar o poder da burguesia, vista em articulação com o imperialismo e os latifundiários. Se a interpretação da realidade brasileira e a perspectiva revolucionária eram diferentes, a tática política também se deslocava. Em vez da aliança, o confronto. No lugar da luta democrática, a luta armada. Daí a recusa em participar do movimento pelas reformas, visto como conciliador. A POLOP, assim, anunciava uma posição que se generalizaria a partir de 1964.

Seus quadros eram formados basicamente por estudantes militares de baixa patente. Nada mais contraditório para um grupo que definia o operariado como principal agente da revolução. Antes do golpe, a POLOP chegou a ter um assento na diretoria da União Nacional dos Estudantes (UNE) e controlar alguns diretórios acadêmicos. No caso dos militares, os polopistas dividiram com Brizola a influência entre os subalternos das Forças Armadas. Por isso mesmo, quando Jango foi deposto, a organização aglutinou, ainda que em menor número, os militares de baixa patente que se opuseram ao novo regime.

Os contatos entre Brizola e os subalternos do Exército e da Aeronáutica vinham sendo cultivados desde a Campanha da Legalidade. Dali em diante, o ex-governador tornou-se o principal expoente da chamada esquerda nacionalista. Em contraste com o PCB, que defendia uma revolução pacífica, Brizola assumiu uma postura ostensivamente belicosa. Foi emblemático, nesse sentido, que a proposta de formação do Grupo dos Onze tenha partido do líder gaúcho. Dadas as características da própria atividade militar, foi natural que um contingente cada vez mais politizado de sargentos, cabos, marinheiros e fuzileiros navais tenha se aproximado de figura de Brizola — até mesmo em virtude da identificação dos militares com a bandeira do nacionalismo.

No meio rural, a principal força política do período anterior ao golpe foram as Ligas Camponesas, organizadas por Julião em 1955. Até o final daquela década, a atuação das Ligas esteve limitada à defesa legal dos interesses dos camponeses de Pernambuco. A convergência de interesses garantiu, inclusive, o apoio dos comunistas à sua atuação no Nordeste brasileiro. Porém, a partir de 1960, as diferenças políticas acabaram separando Julião do PCB. Condizentes com sua proposta de revolução pacífica, os comunistas defendiam uma reforma agrária negociada, o que passou a ser rejeitado pelos camponeses.

A inflexão à esquerda se deu quando Cuba cruzou com o caminho das Ligas. Era 1962. Fidel Castro conclamava as lideranças de movimentos sociais a iniciarem a luta de guerrilhas na América Latina. Para subverter a ordem, alterando o tabuleiro político-ideológico do continente, o governo cubano começou a exportar sua própria revolução. No Brasil, as Ligas Camponesas seriam o primeiro grupo a receber ajuda de Cuba para iniciar a guerrilha rural.

Curiosamente, enquanto o governo cubano fornecia armas, dinheiro e treinamento militar para as Ligas, intervindo explicitamente nos destinos políticos do Brasil, o governo brasileiro defendia a permanência de Cuba na Organização dos Estados Americanos. Em 1961, numa rápida passagem por Brasília, Che Guevara chegou a ser condecorado pelo presidente Jânio Quadros com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul — a mais alta honraria brasileira atribuída a estrangeiros. Definitivamente, os sinais estavam trocados. A soberania nacional valia para Cuba, cujo destino político deveria ser respeitado, mas não para o Brasil, onde Fidel patrocinava a revolução.

As semelhanças entre Cuba e as Ligas Camponesas terminaram aproximando o governo de Castro do grupo de Julião. A presença de uma vanguarda política, o pano de fundo rural e o componente camponês eram comuns a ambos. A definição pelo socialismo e pela luta armada estreitou a base social das Ligas, que, a despeito do nome, passaram a reunir muitos estudantes e poucos camponeses. Tanto é verdade que, no início daquele ano, quando a organização estabeleceu um campo guerrilheiro em Goiás, a maioria dos militantes ali presentes era formada por secundaristas e universitários trazidos de Pernambuco. O campo, porém, duraria poucos meses.

Naquele meio tempo, Julião lançou o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), tentando recuperar o poder dentro das Ligas e contrapor-se à influência pecebista no flanco esquerdo. O MRT chegou a comprar algumas fazendas para realizar treinamentos guerrilheiros. Contudo, ainda em 1962, a polícia desmontou a estrutura revolucionária das Ligas, apreendendo armas, munições e prendendo dirigentes importantes. Fracassara, sem nem ao menos ter começado, a primeira tentativa revolucionária patrocinada por Cuba em terras brasileiras.

Outro grupo que disputou com o PCB a hegemonia dentro da esquerda foi o Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Embora tivesse crescido bastante no final dos anos 1960, desencadeando uma das mais importantes experiências guerrilheiras da ditadura militar, quando foi criado, em 1962, o PCdoB não passava de uma pequena dissidência do Partidão. Quatro anos antes, o PCB aprovara um documento político em que reconhecia a possibilidade da transição pacífica para o socialismo. Mas a preparação do documento ficou a cargo de uma comissão tão secreta que nem mesmo o Comitê Central e a Comissão Executiva do partido sabiam de sua existência.

Foi assim, meio às escondidas, que a nova linha política do PCB ganhou como, apesar de a mudança contar com o apoio da maioria de suas bases. Alguns dirigentes que se opuseram à guinada no sentido da democracia foram sumariamente excluídos da direção nacional. Em 1961, o partido encaminhou ao Tribunal Superior Eleitoral seu pedido de registro. Os comunistas já estavam na clandestinidade há praticamente quinze anos. Na época, as lideranças afastadas alegaram que o processo de legalização do PCB tinha distanciado o partido do marxismo. Era preciso defendê-lo. Mas os antigos camaradas estavam seduzidos pela ilusão democrática.

A única solução era salvar o verdadeiro partido comunista. Assim surgiu a cisão que criou o PCdoB. Em fevereiro de 1962, a minoria comunista realizou uma Conferência Nacional Extraordinária formalizando a divisão interna. Os dissidentes, que se proclamavam legítimos herdeiros da tradição iniciada em 1922, ano de fundação do PCB, passaram a considerar o PCdoB como sendo o verdadeiro e único partido da classe trabalhadora. Contudo, uma questão importante permanecia: para além das divergências em torno da via pacífica, que mais diferenciava o novo partido do anterior, em disputa pelo espólio comunista?

O PCdoB teve muitas dificuldades para seguir um caminho alternativo do antecessor. Sua interpretação da realidade brasileira e concepção revolucionária continuaram praticamente as mesmas do PCB. A responsabilidade pelos problemas econômicos e sociais do país foi atribuída ao imperialismo e ao latifúndio. Articulados, mantinham um desenvolvimento dependente do capital estrangeiro e uma estrutura agrária excludente. A revolução, portanto, também era dividida em duas etapas, sendo a primeira anti-imperialista e anti-latifundiária — próximo da perspectiva do PCB.

Foi em termos táticos, porém, que a inflexão do PCdoB tornou-se mais explícita. No afã de aparecer à esquerda de sua matriz, o partido flertou com alternativas radicais, como a luta armada. Sua concretização, porém, só aconteceria após o golpe de 1964. Para o PCdoB, a via pacífica para o socialismo se tornara uma saída inviável diante da violência a que recorriam as classes dominantes para ameaçar os movimentos sociais. A defesa explícita da luta armada, contudo, não figuraria no roteiro do PCdoB nesse momento. Até a derrubada de Jango, o partido seguiu hesitante entre optar ou não pela violência revolucionária.

Bem diversa das anteriores, a Ação Popular (AP) foi outra organização que marcou o debate dentro da esquerda brasileira no início da década de 1960. Criada por setores da Juventude Universitária Católica (JUC), entidade estudantil ligada à Igreja, a AP representou um caso típico de ativistas cristãos convertidos ao marxismo-leninismo. Em virtude de sua crescente organização, a JUC passou a liderar a frente de esquerda que dirigia a UNE, na época. Formou-se, assim, um imbricado cipoal envolvendo religião, movimento estudantil e política.

Embora tenha surgido como uma organização fundamentalmente religiosa, a AP logo acabou sendo hegemonizada por outro grupos. Até mesmo pela relação estabelecida como movimento estudantil, que não era, a rigor, religioso. Foi significativo, nesse sentido, que em sua primeira reunião nacional, em 1963, a AP tenha aprovado um documento-base sem nenhuma referência expressa ao cristianismo. A influência religiosa, porém, não desaparecera completamente. De outro lado, a sombra da Revolução Cubana mais uma vez encobria a história brasileira. As ideias que chegavam de Cuba foram decisivas para a inflexão à esquerda da AP.

A mistura de cristianismo com marxismo levou a Ação Popular ao encontro do socialismo humanista. Para a AP, a revolução brasileira seria imediatamente socialista, sem o etapismo que caracterizou o PCB. A visão dual, entretanto, continuou intacta. Haveria um sistema arcaico e feudal, no campo, coexistindo com um capitalismo em desenvolvimento. Para lutar contra a dominação nacional e internacional, a AP definiu como seu principal objetivo a organização política dos operários e camponeses, numa espécie de preparação revolucionária para o socialismo.

Além dos estudantes, maioria na organização, a AP também incorporou à sua base diferentes categorias profissionais, como professores, artistas, jornalistas e profissionais liberais; lideranças camponesas, sobretudo da região Nordeste; e, no campo religioso, militantes não-católicos. Dentro da esquerda, diferenciou-se do PCB por conta de sua concepção revolucionária e da POLOP por sua inserção nos movimentos sociais. A despeito das posições à esquerda, durante o governo Jango, a Ação Popular assumiu uma postura reformista, participando ativamente do movimento pelas reformas de base.

 

Sobre o autor

Vitor Amorim de Angelo nasceu em Vitória (ES) em 1982. É historiador formado pela Universidade Federal do Espírito Santo, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos. Atualmente, é pesquisador do Centre d’Histoire do Institut d’Études Politiques de Paris, onde desenvolve trabalho sobre o tema deste livro. Autor de A Trajetória da Democracia Socialista: da fundação ao PT (EdUFSCar, 2008).

 

Fonte: Luta Armada no Brasil, 2009
Autor: Vitor Amorim de Angelo
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2018

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