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Ponta da Fruta - Por Levy Rocha

Igreja da Ponta da Fruta no dia de sua inauguração - Arquivo: Casa da Memória de Vila Velha

“A quatro léguas, pouco mais ou menos, ao sul da baía do Espírito Santo, colocado em 20º 32’ de lat. E em 42º 45 de long. Oeste meridiano de Paris” – assim observou César Marques, em 1879 – “situa-se o promotório de Ponta da Fruta”. O historiógrafo ajuntou comentário sobre a pequena aldeia cujos habitantes viviam da pesca e registrou que “as terras que ficam por detraz desta ponta são içadas de formigas carregadeiras”.

Também de quatro léguas, mas em sentido contrário, isto é, partindo do Perocão e cavalgando por extensa praia larga e limpa, o cientista Saint- Hilaire, no ano de 1818, “fez alto numa aldeia cheia de choupanas esparsas, construídas no pequeno promontório, chamado Ponta da Fruta”. A casa onde pernoitou, situava-se num alto onde, à exceção do mês de março, era batida todo ano com violência pelo vento. Não escapou à argúcia do sábio viajante a ação nefasta das formigas, “uma verdadeira desolação para os agricultores”. Observou, ainda, que desde os arredores de Guarapari até Ponta da Fruta, as terras eram menos produtivas do que a região do Itapemirim e mais ao sul.

Antecedendo ao viajante francês de cinco anos, em 1815, o Príncipe Maximiliano de Neuwied percorrera o mesmo caminho; seguiu a praia “até a Ponta da Fruta onde várias casas, à sombra de pequeno bosque formam uma aldeia dispersa”. Foi bem recebido pelos habitantes, “descendentes de negros portugueses”, os quais viviam de parca subsistência das plantações e da pesca.

Nas quatro ou cinco léguas, ainda a percorrer, para chegar a Vila Velha, o Príncipe de Neuwied observou que “sucediam-se florestas, campos, cerrados e extensos caniçais e brejos”, onde garças brancas e outras aves e plantas novas para o naturalista, constituíam um encantamento.

A mais antiga referência que encontramos a esse promontório que através dos tempos nunca passou de uma pequena aldeia de pescadores é contida na narrativa da vida do Padre Anchieta em livro que Simão de Vasconcelos publicou, no ano de 1672, em Portugal. Trata de dois casos maravilhosos das profecias e revelações que o Taumaturgo do Novo mundo teve nessa paragem, em 1587ou 1591, quando residia ele na aldeia de Reritiba. Melhor transcrever o biógrafo, lembrando que Anchieta “...andava outro dia em missão pelas aldeias, chegou a fazenda de Manuel Gaia, na paragem que chamam a Ponta da Fruta; pediu-lhe ali à mulher deste homem que encomendasse a Deus a seu marido que havia tempos andava em Europa e não tinha novas dele. Respondeu: Senhora, parta-se vossa mercê a manhã que vem, para a Vila, e ali o espere, que no mesmo dia o verá entrar pela barra a salvamento. Não cabia em si a mulher com tal nova, preparou-se logo e foi-se à Vila, e viu com seus olhos o que esperava e não acabava de crer”.

O segundo milagre, outra pré-cognição de Anchieta, refere-se à mesma intranquila fazenda da paragem ou pouso de Ponta da Fruta. Recordemo-lo do mesmo modo, nas palavras do historiador jesuíta: “Não foi este sucesso só em que tirou de pena esta matrona. Outra vez, achando-a em pranto por seu marido, por fama pública que corria que fora preso dos bárbaros gentios e comido deles; alumiado do mesmo espírito, lhe disse: não tem para que chorar, senhora, e alegre-se porque seu marido é vivo e ao primeiro dia de janeiro, depois das doze horas lhe entrará pelas portas a dentro. Cessou do pranto a mulher e as mesmas horas recebeu o marido com novo espanto”.

Parece fastidiosa a brincadeira de saltar o tempo para buscar uma prova de que a povoação de Ponta da Fruta, junto ao ribeiro Doce, que em 1828, segundo o Presidente da Província, Ignácio Acioli de Vasconcelos, registrava 240 habitantes, teve sempre o mesmo nome.

Se “fruta é o fruto das árvores ou plantas” – conforme dicionarizou Aulete – acrescentando “que é próprio para comer e especialmente o que é mais para regalo do sustento”, cresce o enigma. Quais as frutas a destacar naquela faixa litorânea de areia coberta de um carrascal e plantas rasteiras da praia?!

Se o terreno é bom para laranjeiras, repudiaríamos de começo, as frutas cítricas, em respeito às carregadeiras do sábio-viajante francês. Cinjamo-nos à conhecida vegetação de restinga que mesmo essa vai se acabando depressa.

Há uns poucos anos, eram encontradiças as frutas indígenas do tempo de Cabral: a pitanga e sua parenta da mesma família das Mirtáceas, a saborosa Cambuí ou mais comumente, camboim, fruto baga, globulosa, roxa, contendo poucas sementes envolta em polpa adstringente, notando-se de maior presença o cambuí-preto, baga roxo-escura, globosa, carnosa, polpa vermelho-escura, igualmente adstringente ao paladar. Havia uma variedade de palmeiras com presença constante da palmeirinha-anã, ou guriri, formando verdes tapetes que atingiam a pouco mais de um metro de altura. Frutificando todo o ano, seus frutos comestíveis prestavam-se para refrescos e havia o aproveitamento das folhas para fazer cestos e balaios. Abundavam comuns os araçás, os maracujás-da-praia, mas rareavam os cajus, os mupês, com suas frutinhas roxas, ou os rasteiros cajurus tão procurados para tratamento dos diabéticos.

Das árvores de maior porte, não devem ser esquecidas os jenipapos ou as mangas que há muito tempo foram aclimadas no país. Não menos digna de menção a amendoeira-da-praia, fruto insípido, engana-fome e medicamentoso, abundantíssimo, ainda hoje, avultando as árvores ornamentais num vigor selvagem, providencial guarda-sol (sinonímia), e agasalho ao banhista desprevenido com as intempéries.

Acolá da orla da praia, no tabuleiro, seriam de nota as pitombas, guaitis, muricis, cambucás, grapebas, ingás e as altaneiras maçarandubas que além das frutas dá um látex no caule que pode ser tomado como alimento, semelhante, no aspecto, ao leite de vaca, podendo também ser misturado ao chá, ao café ou ao mel-de-abelhas.

Nesse passado que invocamos, estaríamos evocando um solo de matas virgens onde não faltava, ao forasteiro, uma grande variedade de frutas nativas. Assim era todo o nosso Espírito Santo; uma ponta da fruta. E hoje?

 

Fonte: A Gazeta de 12 de maio de 1981
Autor: Levy Rocha
Pesquisa: Casa da Memória de Vila Velha
Compilação: Walter de Aguiar Filho, junho/2012 



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