Morro do Moreno: Desde 1535
Site: Divulgando desde 2000 a Cultura e História Capixaba

Primeiras notícias do uso do burro no Brasil – Por Ormando Moraes

Capa do Livro: Por Serras e Vales do Espírito Santo – A epopéia das Tropas e dos Tropeiros, 1989

Após as operações iniciais de reconhecimento, posse e conquista do imenso território brasileiro, ainda no mesmo século de seu descobrimento e da epopéia dos bandeirantes, que data do início do século XVII, quando nossos colonizadores começaram a se fixar no interior para exploração de ouro e pedras preciosas, já no século XVIII, a grande dificuldade era de meios de transporte. Os cavalos eram escassos e não tinham resistência suficiente para suportar muito peso em longas caminhadas. O muar seria o ideal para essa tarefa e desde 1764 a Coroa havia autorizado sua criação dentro do "continente do Estado do Brasil", mas o Conde da Cunha, que recebeu essa determinação, não a transmitiu aos governadores de São Paulo e das Minas Gerais.

Com a escassez de animais, os bandeirantes e exploradores recorriam aos índios para o transporte de carga, mas eles não resistiam à dura e cruel tarefa, de sorte que os Jesuítas, para protegê-los, foram se retirando pelo sertão, e os paulistas predadores perseguindo-os até o Rio Grande do Sul, onde descobriram, nas planícies e savanas sulinas, uma riqueza maior: "a gadaria vivendo à gandaia, à lei da natureza, solta em campos ferazes, sem restrições e sem dono, como um presente régio a esperá-los" (1). Iniciou-se, então, na direção sul-norte, por perigosas picadas mal abertas, uma corrente contínua de animais de carga e montaria, especialmente burros e bestas, que eram vendidos nas Minas Gerais, mas deixavam em São Paulo pesados tributos e os gordos lucros do negócio.

Generalizou-se o desinteresse pelos cavalos do Nordeste e seus criadores da Bahia, de Pernambuco, do Ceará e do Piauí se levantaram contra o comércio dos paulistas, alegando que, além dos animais dos pampas, "pelo sul entram de Espanha muitas bestas muares, com grande evasão de divisas em ouro", de sorte que "El-Rei houve por bem, sem maiores investigações, expedir a Carta Régia de 19 de junho de 1761, visando liquidar sumariamente com qualquer possibilidade não só de uso mas também de existência de muares em território brasileiro. Depois de se dizer sabedor da preferência dos mineiros pelos muares, pelo que deixavam de comprar cavalos, o que poderia ocasionar a extinção da criação de eqüinos; e também de ressaltar os prejuízos de seus cofres e também dos cofres de criadores de cavalos; e ainda preocupado com o bem comum dos lavradores dos sertões da Bahia, de Pernambuco e do Piauí, ordenava, atendendo o que me foi representado, que não mais se desse despacho para a entrada e saída de burros e mulas e, inclusive, mandava matar os que aparecessem depois da publicação de sua real ordem, além da multa que impunha aos contraventores".

E diz ainda José Alípio Goulart que "a "reação contra a ordem real foi enérgica, pois, decorridos apenas três anos de sua desrespeitada vigência, o Rei expediu nova Carta Régia, de 22 de dezembro de 1764, na qual aludia que a experiência mostrara a muita utilidade que havia no comércio de bestas muares destinadas ao transporte de mercadorias e também que havia grande cópia de cavalos nos sertões do Nordeste, tanto que, antes da introdução de muares, seus criadores se haviam enriquecido com as exportações para as Minas; então resolvia autorizar a criação de burros. E para que não fosse de todo desprezada a de cavalos, que daqui iam suprir seus exércitos na África, conforme Carta Régia de 3 de setembro de 1721, determinava que cada criador de muares possuísse a sexta parte em éguas, com seu cavalo, sob pena de lhe serem tomadas todas as bestas que tiverem de criação e de pagarem em dobro seu valor".

Enfim, de equívoco em equívoco, de leviandade em leviandade, de incompetência em incompetência, com algumas honrosas exceções, desde os primórdios da História do Brasil, nossos governantes não têm se conduzido muito bem em matéria de transporte, mas os muares, em seu tempo, acabaram se impondo por sua reconhecida eficiência e foram, até 1940, uma presença importante na vida brasileira, inclusive num dos acontecimentos mais significativos de nossa História: "D. Pedro I, quando deu o brado épico Independência ou Morte, estava montado numa mula, que a prudência aconselhava para a difícil caminhada na serra de Santos. No entanto, para a beleza marcial da tela de Pedro Américo e para a glória estatutária das praças, não ia bem a realeza sobre o dorso de um muar, que não é animal épico, nem régio, nem nobre. Fizeram-no montado num fogoso corcel de crinas bastas e cauda sedosa. É assim que se fazem as glórias nacionais e se escreve a história pátria".

 

Nota (1): GOULART, José Alípio - Tropas e Tropeiros na Formação do Brasil - Editora Conquista - Rio - 1961.


Fonte: Por Serras e Vales do Espírito Santo – A epopéia das Tropas e dos Tropeiros, 1989
Autor: Ormando Moraes
Acervo: Edward Athayde D’ Alcantara
Compilação: Walter de Aguiar Filho, abril/2016

Matérias Especiais

Um encontro com Luísa Grinalda

Um encontro com Luísa Grinalda

Fui a Évora visitar o Convento de Nossa Senhora do Paraíso, para onde se retirou a primeira governadora em terras do Brasil, Dona Luísa Grinalda, logo após ter deixado a direção da Capitania do Espírito Santo

Pesquisa

Facebook

Matérias Relacionadas

O Burro em Vitória – Por Ormando Moraes

Entretanto, burros, mulas e bestas foram presença importante em nossa ilha para serviços nas antigas fazendas de Jucutuquara, Maruípe e Santo Antônio 

Ver Artigo
Muares no Espírito Santo – Por Ormando Moraes

Então, o que se viu, atravessando serras e vales, foi a epopéia das tropas e dos tropeiros transportando a produção do Espírito Santo, especialmente o café

Ver Artigo
Primeira notícia sobre tropas e tropeiros

Em Muniz Freire, Estado do Espírito Santo, as tropas são, ainda hoje (escrevo em 1957), muito usadas

Ver Artigo
Tropas e Tropeiros no Espírito Santo

O poeta Casemiro de Abreu, Nilo Bruzzi enfatizou o trabalho de caixeiro-viajante, ou cometa, que saía do Rio em lombo de burro, com canastras de couro recheadas de amostras de tecidos

Ver Artigo
Bar-bicacho, o bar dos tropeiros

Bar-bicacho, o dos tropeiros (esses, num tempo bem remoto);

Ver Artigo
Tropeiros

Participar da Festa do tropeiro em Ibatiba é reviver a história, é dar valor a um legado precioso da gente do Espírito Santo, da nossa gente

Ver Artigo