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Quando o Penedo falava, 1927 - Por Elpídio Pimentel - Parte VI

Capa do Livro: Quando Penedo falava, 1927 - Autor: Eupídio Pimentel

Quinta Narrativa – Junta Provisória

 

- Vovozinho, sempre ouço dizerem – de formas que, de maneiras que e estava convencido que, falando assim, não errava. Errarás gravemente, Glauro, porque aquelas frases...

 

- Benção! Vovozinho, gritou Glauro, acordando-o dos seus cochilos na cadeira de balanço.

- Deus te faça sempre bom e feliz, respondeu-lhe, beijando-o na testa. E, depois de ligeira pausa, continuou: Estava amadornado, mas, no meu espírito, se agitavam e combinavam os grandes feitos do nosso passado, porque estou gostando muito das nossas conversas, pelo interesse com que desejas conhecer toda a nossa história.

- Assim, pelo seu sistema, hei de ouvi-lo alegremente até o fim; mas da forma por que o doutor Ferreira, ontem, quis que eu aprendesse a história de um senhor Pinzon, que veio descobrir o Brasil, atordoando-me com muitas datas e nomes de barcos e marinheiros, tudo isso explicado muito ligeiramente, para que eu formasse um ponto – assim, nunca hei de ser amigo de semelhantes estudos.

- Continuarei fazendo sempre o possível para te agradar, porque desejo que me ouças até o fim. Quero, hoje, descrever-te como era o Espírito Santo, antes do tempo em que o governaram os Presidentes provinciais. Antes, porém, preciso dizer-te alguma coisa sobre a história geral do Brasil, sem o que não entenderás bem a da nossa terra.

Durante muitos séculos...

- Espere, vovozinho. Sempre ouço falarem em séculos, sem que, entretanto, saiba, ao certo, o que isso é.

- São os períodos de tempo de cem anos, cada um. Durante muitos centos de anos, toda a nossa Pátria, o nosso querido Brasil, não teve liberdade, não se governou sozinho: era uma propriedade de Portugal. Pertencia-lhe inteiramente e até nos seus atos mais simples lhe prestava respeitosa obediência. Portugal era a metrópole, a nação chefe, o país governador, e ao Brasil, sem liberdade, rigorosamente vigiado, cabiam os nomes de – colônia, fazenda, possessão.

- E que faziam os brasileiros, sem um gesto de revolta contra tamanha humilhação?

- Alguns, briosos e valentes, insurgiram-se contra Portugal, mas foram cruelmente castigados e não puderam evitar que a nossa pátria se demorasse na sua jornada em busca da independência, enquanto os dominadores portugueses, que a descobriram no ano de 1500...

- A professora disse-me, ontem, que eles eram comandados por um almirante, chamado Pedro Álvares Cabral, e chegaram aqui no dia 22 de abril de 1500.

- É isso mesmo. Aqueles portugueses, depois de descoberto o Brasil, puseram-se a colonizá-lo e a explorá-lo.

- Não hei de gostar nunca de Portugal, pelo mal que nos fez...

- Não! Meu querido Glauro: nós, brasileiros, esquecendo-nos daquelas perseguições e maus tratos, precisamos ser amigos de Portugal, que fez o que pode em nosso favor, evitando que outras nações poderosas, como a França, a Inglaterra, a Holanda, a Espanha, se apossassem das nossas terras, repartindo-as entre si.

- E porque é que, hoje, não temos mais nenhum temor a Portugal?

- Pelo motivo seguinte: o Brasil era como um grande gigante dormindo, cheio de cansaço, de ignorância e de preguiça, vigiado por larga quantidade de pigmeus. Por diversas vezes estremeceu, querendo acordar: em 1640, na capitania de São Paulo; em 1685, no Maranhão; em 1710 para 1711, em Pernambuco; em 1720, na cidade de Vila Rica, em Minas; em 1789, outra vez em Minas Gerais; em 1817, novamente em Pernambuco...

- Mas que sono forte!

- Ele não acordava, porque os pigmeus...

- Pigmeus quer dizer o mesmo que portugueses?

- Não, meu filho: pigmeus são os homens pequeninos, muito baixos, os anões. Na minha história, quando comparo o Brasil a um gigante, naturalmente os portugueses ficam fingindo de pigmeus, e foram eles que lhe deram chás de papoula, narcóticos – drogas para dormir por muito tempo, até que, em 1822, quando o sono já era demasiado, o enorme corpo gigantesco se ergueu: queria liberdade e, num momento, partindo os laços, que o prendiam a Portugal, firmou-se de pé. Estava passando o dia 7 de setembro do ano de 1822. Foi assim que a nossa pátria, quando viviam os teus tataravós, se libertou, do domínio português, à custa de não poucos martírios, depois do sacrifício da vida de alguns brasileiros, como José Bonifácio, Gonçalves Ledo, D. Pedro I e Clemente Pereira à frente dos liberais. Alcançada a sua maioridade, a sua emancipação ou independência política, o Brasil, com as suas leis, os seus regulamentos, a sua Constituição, o seu Congresso, passou a se chamar Monarquia Constitucional representativa, até chegar a República.

- Já o senhor me disse como isso se deu.

- Exatamente, não vou repetir esse fato.

Foi então, que o Brasil, livre, senhor de sua vontade e do seu destino, se retalhou em Províncias, as quais, mais tarde, com a vitória do regime republicano, passariam a denominar-se Estados. Proclamada a independência, ficou, como regente ou governador do Brasil, o Imperador Pedro I, e, para as Províncias, foram nomeadas, por ele, pessoas de sua confiança, para as administrar. Aqui, no Espírito Santo, houve alguns homens, que antes do mês de setembro, no ano da independência, já se tinham insurgido contra o cativeiro lusitano, de maneira que...

- Vovozinho, sempre ouço dizerem – de formas que, de maneiras que e estava convencido que, falando assim, não errava.

- Errarás gravemente, Glauro, porque aquelas frases, sendo locuções conjuntivas, não tem plural, são invariáveis. Mas aqueles capixabas, tendo, desde março de 1822, resolvido independer o Espírito Santo do governo português, fizeram que, em vez de termos um Presidente provincial, ficássemos sob os cuidados de uma Junta Provisória, que tomou o governo das mãos de Baltasar de Souza Botelho de Vasconcelos, o último governador português, que administrou nossa terra, na quadra colonial. Essa Junta, composta de quatro membros, sob a presidência do Padre José Nunes da Silva Pires, vigário da freguesia de Guarapari, e secretariada pelo cronista Azambuja Suzano, não fez serviços, quer lhe assegurassem a simpatia popular, por ser “vacilante, sem prestígio, sem poder, sem meios, sem ilustração”. Não chegou a concluir dois anos de administração, porque D. Pedro I logo nos deu o nosso primeiro presidente provincial, que foi o bacharel Ignácio Accioli de Vasconcelos.

- Se o senhor me desse licença, eu iria lá dentro pedir café pra nós...

- Concordo. Às duas horas da tarde, num dia feriado, como o de hoje, uma xícara de café tem muita oportunidade e saborosíssimo paladar. Além disso, já podemos descansar até amanhã, quando te informarei da situação do Espírito Santo no tempo em que era administrado por governadores, a princípio sujeitos à Bahia – que já foi, no período colonial, a parte mais próspera, ilustre e poderosa do Brasil – depois, subordinados diretamente a Portugal.

- Pois bem, vovozinho, então depois do café, irei para a área brincar com Evandro, que está lá há muito tempo, mais o Nailo, ambos a gritarem por mim.

- Vai, porque, para os teus dez anos, os brinquedos têm duas grandes necessidades: recreiam-te o espírito e fortalecem-te o corpo.

 

Fonte: Quando o Penedo falava, 1927
Autor: Elpídio Pimentel
Compilação: Walter de Aguiar Filho, junho/2015

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