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Quando o Penedo falava, 1927 - Por Elpídio Pimentel - Parte VII

Capa do Livro: Quando Penedo falava, 1927 - Autor: Eupídio Pimentel

Sexta Narrativa – Governadores

- Já voltaste da escola?

- Já. Fiz um ditado, escrevi uma cartilha, resolvi um problema e tirei distinção – nota 10 – com tinta azul...

- Parabéns, no fim do ano te darei um belo prêmio. Agora quero que me ouças a continuação da nossa história.

- Sim senhor; e foi para isso que vim logo à sua procura.

- Em Portugal, de que já te falei ontem, as coisas não estiveram boas no ano de 1820. Havia um rei com poderes absolutos, sem parlamento, sem constituição, que tinha sob os rigores do seu pulso os destinos da nação lusitana. Alguns portugueses, mais corajosos e amantes da liberdade, ergueram-se lá em revolução contra o absolutismo do monarca, que os desgostava, e, reunidos em grande assembléia, tentaram votar uma constituição liberal, para eles, suprimindo certas regalias descabidas do rei. O Brasil, a mais importante das colônias portuguesas, aderiu a esse movimento e, naquela assembléia, apareceram alguns brasileiros, defendendo-lhe os direitos. O Espírito Santo pediu ao seu filho, doutor Fortunato Ramos, lente da Universidade de Coimbra, que o representasse naquele Congresso; mas, não tendo esse capixaba podido aceitar a honrosa distinção, foi posto em seu lugar, o ilustre bacharel brasileiro, José Bernardino de Almeida Baptista Pereira, naquele tempo, em Portugal.

- Então, há cem anos atrás, já tínhamos espírito-santenses de tanto valor?

- Já; quando falam em José Bonifácio, citam, como um de seus nobres títulos, ter ele sido lente da Universidade de Coimbra. Pois bem, também o nosso Fortunato Ramos deu sabias lições naquela celebre escola – uma das mais antigas e acreditadas da Europa – e nós, meu Glauro, tão ingratos, tão inimigos das nossas tradições, quase que nem lhe sabemos o nome. Mas feita essa justiça ao grande espírito-santense esquecido, preciso dizer-te que, mesmo aqui, em Vitória, a Junta Provisória, da qual já sabes alguma coisa, se organizou e instalou em 2 de março de 1822. Até esse dia, desde 1779, o nosso Estado, como pequena parte da colônia brasileira, esteve sob a orientação dos Governadores, que tudo faziam de acordo com Portugal, de onde vinham.

- Embora fique pesaroso, ouvindo recordar uma época de tanto desamor à liberdade espírito-santense, quero que o senhor me diga os nomes desses personagens, que foram donos de nossa terra.

- Sim e não saberia continuar a nossa história, sem dizer-te os seus nomes, porque a algumas hás de ficar querendo bem, lembrando-te que elas aqui estiveram numa época de grande atraso, sem  meios de comunicação rápida, sem vapores, sem eletricidade, sem estradas de ferro, e, não obstante isso, muitos benefícios fizeram ao torrão capixaba. O quarto e último governador chamou-se Baltasar de Sousa Botelho de Vasconcelos, nas vésperas da independência brasileira, ainda quando o Espírito Santo se denominava Capitania. Sua administração durou dois anos de motins e desrespeitos à sua autoridade, até que ele, mal querido pelos capixabas, voltou para Portugal; com a comitiva régia de D. João VI, deixando o governo entregue à Junta Provisória.

- E quem foi o terceiro governador?

- Chamou-se Francisco Alberto Rubim, português ilustre e progressista, capitão de mar e guerra e cavalheiro da Ordem de Cristo. Sua administração durou oito anos. Desse governador há muito que contar, porque ele soube dedicar-se, ativamente, aos deveres do seu alto encargo, tentando dar ao Espírito Santo uma excelente posição nos serviços de agricultura, da economia pública, da indústria, da itineração...

- Já não o estou compreendendo, vovozinho; deixe esses termos mais complicados, para usá-los nas suas conversas com o doutor Sousa, a quem, por isso, pouco entendo...

- Não empreguei nenhuma palavra imprópria; fiz uso, apenas, de um vocábulo, que não conheces, mas que tem a vantagem de indicar, sozinho, o que se diz com expressões maiores: itineração quer dizer – serviço de estradas públicas. Rubim fundou a povoação de Viana com colonos, que vieram das ilhas dos Açores, pertencentes a Portugal; mandou construir uma grande estrada de rodagem, para transporte de cargas e de animais, ligando o Espírito Santo a Minas Gerais. Essa longa estrada, aberta por dentro da mata virgem, a machado e a foice, sob a constante ameaça dos botocudos sanguinários, tinha 71 léguas de comprimento; demorou sete anos em construir-se, entregue aos cuidados do capitão Ignácio Pereira Duarte Carneiro; foi paga pelas duas capitanias a que ela interessava – ligando-as; e partia do lugar, que ainda se chama Itacibá, perto dessa cidade de Vitória, indo acabar em Mariana, na Capitania de Minas Gerais. Essa grande estrada, que prova quanto era realizadora a força de vontade de Rubim, ficou sendo para o povo, a estrada de Rubim até lhe mudarem o nome para – estrada de São Pedro de Alcântara. No seu percurso, de três em três léguas, havia quartéis com soldados pedestres, aos quais, hoje, se dá o nome de – soldados de infantaria – para que desse alimentos aos viajantes e os defendessem dos bugres flecheiros. Poucos anos depois de finda a sua administração, já essa estrada importante, por falta de conservação e melhoramentos – vicio de que ainda padecem as do nosso tempo – ficou interrompida e abandonada.

- Então, o senhor Rubim trabalhou tanto para chegar, apenas, a este resultado desanimador: uma estrada abandonada?

- Não, meu Glauro. Ele ligou seu nome a outros empreendimentos inesquecíveis: iniciou, no Espírito Santo, a cultura do trigo, mandou explorar as nossas jazidas minerais, fez honestas economias e pagou as nossas dívidas públicas; no seu tempo, venderam-se as primeiras arrobas de café espírito-santense; tentou introduzir, entre nós, a indústria da seda, mandando cultivar a mamoneira, arbusto que, na falta das amoreiras, dá bom alimento aos bichos, que, nos seus casulos, produzem aquele fio precioso; fundou um hospital para os pobres; castigou as crueldades dos selvagens e escreveu uma crônica ou memória da Capitania do Espírito Santo, onde narrou todos os fatos de sua história, desde o descobrimento até o seu governo. Foi ele ainda quem reabriu a Santa Casa da Misericórdia, que foi fundada, primitivamente, nos fins do século XVI, em Vila Velha, e, no ano de 1605, mudada para esta cidade de Vitória, com  todos os privilégios da sua matriz, na cidade de Lisboa, em Portugal.

- Foi lá que trataram do senhor Guimarães, no mês passado, quando esteve muito mal?

- Sim; lá ficou o senhor Guimarães, até se restabelecer. No tempo do governador Rubim, a nossa terra, generosa e querida, tinha, apenas, quatro vilas no litoral, algumas aldeias de índios mansos e pescadores, estando todas as nossas opulentas florestas, no sertão – onde, hoje, há cidades grandes, vilas progressistas, fazendas riquíssimas – sob o domínio selvagem dos flecheiros! Por esses motivos é que se justificam todos os louvores concedidos a esse governador, que, além disso, ainda deu ao Espírito Santo a ventura de ser o berço do seu filho Brás Rubim – um dos mais ilustres espírito-santenses conhecidos, fundador de nossa Biblioteca Pública e, com mais preparo do que o pai, carinhoso historiador do torrão espírito-santense, cujos feitos estudou zelosamente, procurando-lhes a verdade “no meio de um tecido de fábulas, contradições e absurdos, que tem passado de geração em geração”.

- E esse Brás Rubim não exagerou o valor de seu pai?

- Não, embora o devêssemos desculpar, se o fizesse: ele, apenas, transcrevendo documentos firmados por estranhos, a respeito da administração paterna, e não podendo conter-se num preito de justiça a quem tanto beneficiara nossa terra, escreveu que “a ventura ou desventura dos povos depende, em grande parte, da escolha dos seus administradores e magistrados”. Deixa-me concluir, que a nossa conversa de hoje está muito comprida: Rubim, não obstante esses serviços, foi combatido valentemente pelo padre serrano Marcelino Pinto Ribeiro Duarte, famoso poeta e filósofo, a quem, pelo seu temperamento exaltado e brejeiro, não se ajustavam bem as exigências da batina. A luta entre o governador e o padre foi agitada e forçou o sacerdote a embarcar para o Rio de Janeiro, onde foi queixar-se do português, que estava dirigindo a Capitania espírito-santense, acusando-o de prepotente e arbitrário. Esse mesmo sacerdote serrano, alguns anos depois, desaveio-se com o célebre Padre Diogo Feijó, que estava, no tempo da Regência, governando o Brasil, e crivou-o de zombarias e sátiras.

- De modo que os serranos...

- ... são gente desse quilate. Ainda não te disse que, no tempo de Rubim, se tornou célebre o grande Bem-Bem, o heróico espírito-santense Domingos José Martins, que foi fuzilado, porque tentou, chefiando a revolução pernambucana de 1817, liderar o Brasil do predomínio português. Nasceu no torrão capixaba, no lugar que hoje se chama Barra do Itapemirim e criou-se aqui, em Vitória, à Rua das Flores ou de Dionísio Resendo, onde moravam seus pais. Tendo falhado o seu plano de revolta, não teve medo dos castigos, que o maltrataram, e, na hora do fuzilamento, batendo no peito, exclamou que morria pela liberdade. Não te esqueças nunca, meu bom Glauro, desse espírito-santense ilustre, inteligente, de convicções firmes, educado e instruído, para quem “os sentimentos de honra e probidade eram os únicos que davam valor à vida.”

- Ah! Então é por isso que ali, perto do Palácio, na Praça João Clímaco, lhe levantaram um busto de bronze?

- É por isso mesmo, e bem pouco deram a quem tanto se elevou na história nacional, sacrificando-se, corajosamente, pela liberdade da Pátria querida. Já envolvido nos perigos da revolução, casou-se com a brasileira Maria Theodora da Costa, para quem fez, pouco antes de morrer, este famoso soneto:

“Meus ternos pensamentos, que sagrados

Me fostes quase a par da Liberdade,

Em vós não tem poder a iniqüidade;

À esposa vai, narrai meus fados.

 

Dizei-lhe que, nos transes apertados,

Ao passar desta vida à eternidade,

Ela dama reinava na metade,

E com pátria partia-lhe os cuidados.

 

A pátria foi o meu nome primeiro,

A esposa, depois, o mais querido

Objeto do desvelo verdadeiro.

 

E na morte, entre ambas repartindo,

Será de uma o suspiro derradeiro,

Será de outra o meu último gemido!”

 

- Muito bonito, vovozinho. Vou decorá-lo para a primeira festa cívica em minha escola, depois de pedir ao dicionário, ao senhor ou à minha professora a significação de algumas de suas palavras, cujo sentido ignoro.

- Fazes bem em decorar somente aquilo que entendes. Guarda esse soneto para o próximo 12 de junho, que é feriado estadual, porque foi nesse dia que mataram o nosso glorioso conterrâneo.

- E antes de Rubim?

- Houve  o período administrativo, louvável, do fidalgo português Manuel Vieira de Albuquerque Tovar, que governou o Espírito Santo durante oito anos. Nesse tempo conseguimos soltar-nos, administrativa e militarmente, do domínio baiano, ao qual estivermos sujeitos por longos anos. Juridicamente continuamos ligados à ouvidoria do Rio de Janeiro e eclesiasticamente também permanecemos dependentes dessa cidade.

- Isso está muito complicado, vovozinho, nunca ouvi falar em ouvidoria.

- Assim se denominava, o cargo de ouvidor, que era o juiz incumbido, pelo rei, de ouvir todas as queixas, que lhe levavam, afim de punir os culpados. Tovar foi um administrador ativo e bem intencionado, mas muito violento, o que lhe custou fortes lutas com outras autoridades, tão poderosas quanto ele. Esquecida essa desvantagem do seu temperamento, devemos recordar-nos que ele mandou fazer estradas; cuidou empenhadamente da navegação do Rio Doce; interessou-se pela povoação de Coutins, mudando-lhe o nome para Linhares, preocupou-se com a exploração das minas auríferas da serra do Castelo; e atacou, energicamente, os índios botocudos, ferozes, bárbaros que só há pouco mais de cinqüenta anos deixaram – mortos alguns e outros amansados – de fazer grandes males à nossa terra.

- Disseram-me que comiam a carne das pessoas, as quais matavam a flechadas. É certo?

- É, e por isso, também lhes dão o nome de antropófagos. O primeiro governador da Capitania do Espírito Santo chamou-se Antonio Pires da Silva Pontes e deixou fama de ter sido notável matemático. Foi nomeado para aqui – como os seus sucessores – por um decreto do rei de Portugal, isto é, por uma carta régia. Assumiu o exercício do seu cargo em 1800. Teve grande amizade ao Rio Doce, em favor de cuja navegação muito se esforçou, elaborando a respeito dele famosa Memória...

- Não sei o que ele deixou, porque desconheço o sentido de...

- Uma Memória, meu Glauro, é todo escrito de pequenas dimensões, onde se inscrevem noticias históricas, curtas e ligeiras, de qualquer feito ou objeto, dignos de perpétua lembrança.

Ele fez ainda que, se lavrasse o auto – uma declaração narrativa e legitimada – de caráter temporário, no sítio chamado Porto do Sousa, mais de trinta léguas acima da foz do Rio Doce, sobre os limites das capitanias de Minas Gerais, de onde era filho, e do Espírito Santo, para o efeito da cobrança de impostos. Criou, também, a povoação de Coutins, prestando merecida homenagem ao vice-rei do Brasil, que, então, era D. Rodrigo de Sousa Coutinho, conde de Linhares, e senhor de uma granja ou fazenda, em Portugal, com aquele nome. Em remate, o seu triênio governativo foi cheio de trabalhos, favoráveis à prosperidade do território espírito-santense. Agora vai brincar e deixa-me só, porque tenho que responder a duas cartas, recebidas há instantes.

- Se escrever ao tio Areobaldo, não se esqueça de falar a meu respeito...

- Naturalmente; lembrarei, por exemplo, o teu próximo aniversário natalício...

- E Deus queira que, desta vez, não me falte a bicicleta prometida – rematou Glauro, saindo do gabinete de estudos.

 

Fonte: Quando o Penedo falava, 1927
Autor: Elpídio Pimentel
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2015

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