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Tempos Brabos – Pedro Maia

Capa do Livro: O Diário da Rua Sete – 40 versões de uma paixão, 1998 - Capa: Anderson Marques

Para os que não sabem houve época em que fazer jornal aqui nesta terrinha abençoada por Nossa Senhora da Penha não era tarefa das mais tranqüilas. Muitas vezes as coisas ficavam quentes e, além das centenas de processos por "infâmia, calúnia e difamação" tramitando pelos fóruns do Estado, o pau também comia solto, com agressões de parte a parte. Aliás, violência contra jornalista existe, até hoje basta citar o lamentável caso da morte da colunista Maria Nilce, do Jornal da Cidade, covardemente assassinada a tiros por pistoleiros alugados por figurões da nossa intocável sociedade mundana. Blargh...

Bem, mas esta é uma outra história! O que pretendemos registrar agora é o clima em que funcionava a nossa imprensa na passagem da década de 50 para 60, quando de um lado o grupo do ex-governador Francisco Lacerda de Aguiar, o "Doutor Chiquinho", aprontava das suas e do outro a turma do também ex-governador Carlos Lindenberg (que processou o Plínio Marchini por este tê-lo apelidado de "Papa-terra", nome de um peixe na época farto em nosso litoral, em alusão a terras de que o então governador teria se apossado ilegalmente no norte do Estado. Coisas da imprensa da época...) manipulava o antigo PDS, o partido que então congregava em seus quadros o que havia de mais esperto entre as raposas políticas daquele tempo. E o couro comia...

Pois foi justamente por esse tempo que, já promovido a revisor, comecei a rondar a redação do semanário Sete Dias, recém-inaugurado na capital, e comandado pelo carioca Cesar Vieira Bastos, que sentiu na política capixaba brecha para a implantação e manutenção de um novo jornal, criando assim o semanário depois de ter comprado — por pouco mais ou nada - que restava da antiga e tradicional Revista Capixaba que já não funcionava mais naquele tempo.

Eu havia saído de O Diário graças à insistência do saudoso Darly Santos, que não se conformava em ver um jovem envolvido com aquela "curriola de biriteiros", como ele, de gozação, denominava o pessoal da oficina, seus amigos e colegas de partido. Todos comunistas convictos, mas acomodados. Pois o Seu Darly, como o tratavam em O Diário, me descolou um emprego na agência da Panair do Brasil aqui em Vitória, que funcionava sob as ordens do comerciante João Freitas, instalado ali em frente ao mercado da Vila Rubim. Então, empolgado pela nova "profissão", pedi contas ao velho Lisboa e parti para ser "despachante" da Panair no antigo aeroporto de Goiabeiras, mil vezes pior do que é hoje. Um saco, meus senhores! Eram dois vôos diários, um pela manhã que ia para o norte do país e outro à noite, que vinha para o sul. Então era o dia inteiro preso e envolvido com manifestos de carga, manifestos de passageiros e o diabo a quatro. Como não podia deixar de ser, aquilo durou pouco tempo. Em menos de cinco meses, para desencanto e desilusão do velho Seu Darly, lá estava eu de volta aos pés de Seu Lisboa pedindo meu reingresso no jornal. Seu Lisboa, que era um nortista de quatro costados, simples e cinicamente me mandou à merda e que fosse ser empregado do "puto do Darly". Que o Deus em que ele não acreditava, como bom comunista que era, que o proteja onde o velho Darly estiver. Este desabafo do velho Lisboa não era para valer, já que meses depois eu voltava para o jornal já sob a tutela de Setembrino Pelissari e tendo o ousado e combativo Plínio Marchini na chefia de redação. Jornalisticamente falando foram bons aqueles tempos...

Mas como a gente ia contando, trabalhava na revisão do Sete Dias um grande amigo nosso que é o João Macedo, hoje meio ermitão lá pros lados de Vila Velha, cara cobra em português, que se prontificou em me arrumar um bico por lá. E foi então que fiquei conhecendo, além do José Costa (grande cronista, pena que bissexto), o paulista Fernando Costa, que já havia estado em Vitória dirigindo A Tribuna, que então pertencia a Adhemar de Barros, e daqui havia saído fugido, na ponta de revólveres empunhados por pistoleiros profissionais que, segundo comentários da época, agiam a mando do chefe político Asdrúbal Soares.

Com a mudança da política, ou seja, o provável e depois confirmado retorno do "Doutor Chiquinho", o Fernando Costa voltou para fazer a campanha do Floriano Rubim que também pretendia ser governador do Estado. E se juntou ao Cesar Vieira Bastos na mais curiosa e confusa implantação de jornal na cidade. Era A Palavra, que durou pouco menos de quatro meses.

Mas antes dessa aventura político-empresarial aconteceu um caso de que poucos falam hoje em dia mas que representou, de uma certa maneira, um passo importante na luta dos jornalistas contra os chamados "grandes" do poder governamental. Foi a agressão do então diretor da Imprensa Oficial, capitão Harry Barcellos, contra o Cesar Vieira Bastos, que perdeu uma vista ao ser surpreendido em frente ao Hotel Sagres, ao lado dos Correios, por dois capangas do capitão, que o seguraram para que fosse espancado. O Cesar recebeu várias pancadas no rosto, aplicadas com um cassetete empunhado pelo próprio Harry Barcellos, e o fato foi um escândalo na época.

A razão da agressão, segundo se apurou mais tarde, foi conseqüência de uma retaliação que o capitão fizera ao jornal Sete Dias, cuja composição, ainda nas velhas linotipos, era feita na Imprensa Oficial. Como o Sete Dias desancava o governo, o capitão Harry Barcellos aumentou o preço da linha composta no Diário Oficial de quarenta centavos para um cruzeiro e setenta centavos, o que acabou acontecendo tempos depois. Mas devido a esse aumento absurdo o Cesar Bastos resolveu compor uma edição na marra, ou seja, compondo na mão (nos moldes em que se faziam os jornais antes das linotipos), e nesse número fez que do capitão Harry Barcellos gato e sapato, só faltando ofender a mãe do cidadão. E a resposta veio rápida em forma de agressão na porta do Hotel Sagres...

Por esse tempo, o Fernando Costa (com o qual passei a trabalhar fazendo de um tudo para conseguir me manter junto à turma de jornal) escrevia seus artigos na redação do Sete Dias com dois revólveres ao alcance das mãos ao lado da máquina de escrever. O José Costa, que sempre foi mais diplomático e também cauteloso, costumava arrumar o que fazer fora da redação nesses momentos. No que fazia de muito bem!

Pois foi nesse clima que o chefe político do PTB no Espírito Santo, Floriano Rubim, embalado pelo sucesso que o Fernando Ferrari fazia pelo Brasil afora, resolveu também se candidatar ao governo do Estado e para tanto implantar um jornal que fortalecesse sua campanha. E convidou o Cesar e o Fernando Costa para levar adiante a empreitada...

A Palavra foi montada em um salão na avenida Jerônimo Monteiro, então avenida Capixaba, próximo ao mercado. Foi um Deus nos acuda para as máquinas funcionarem, já que haviam sido adquiridas de um antigo jornal no Estado do Rio e estavam todas em petição de miséria. A impressora, uma antiga Marignoni, funcionava na base dos rolos de gelatina, que eram usados no máximo três vezes antes de se tornarem totalmente imprestáveis. As linotipos eram antigas e o saudoso Antonio Cunha, único na cidade que entendia de "máquinas de jornal", ficou quase doido para colocá-las funcionando razoavelmente. O jornal saía um dia e os dois seguintes eram "para reparos". Uma zorra total...

Mas A Palavra tinha uma vantagem: graças ao espírito bonachão e gosto pelo bate-papo de redação, o Fernando Costa reunia ali um grupo seleto de pessoas da ilha, jornalistas, boêmios, intelectuais, enfim, o fino da época, para troca de idéias e jogar conversa fora, como dizia o Adam Emil, hoje cônsul da Polônia no Espírito Santo, que era secretário de redação. Pois, ao entardecer, sempre se encontravam na redação o Livio Renoldi, do IBGE, a Carmélia (que por essa época era bem diferente da Carmélia dos anos 70), o José Costa, com sua elegância de província, o Pippa, que estava deixando o jornalismo para seguir por atividades mais rendosas, o Alvino Gatti com sua prosa inigualável, e mais um punhado de gente desse quilate.

Eu ocupava o cargo de revisor naquela confusão geral que era A Palavra. Certo dia notei que o jornal não tinha a famosa "coluna de cinema" que todo jornal que se prezava tinha que manter. De leve fiz umas insinuações nesse sentido ao Fernando Costa, solicitando para mim o encargo de escrever a tal coluna, já que naquele tempo as empresas donas dos cinemas distribuíam "permanentes" para os colunistas. E como eu gostava de Cinema (aliás a única coisa que tinha para se fazer em Vitória fora dos sábados e domingos), candidatei-me ao cargo.

O Fernando Costa não fez muita fé, não disse que sim nem que não, mas ficou na dele. Então eu relatei o caso ao Adam

Emil, dando conta da minha frustração. Pô, eu entendia de cinema, fazia parte de um cineclube que funcionou aqui por algum tempo sob o comando de um jovem líder católico, de que não me recordo o nome, então por que não poderia fazer aquele raio de coluna? Sacanagem pura do Fernando Costa que previa onde eu me esconderia depois que tivesse em mãos o tal "permanente"...

Pois foi o Adam Emil Pololov Alexander Czartoryski (o maior nome da imprensa capixaba) quem resolveu o problema. Como se ele precisava de matéria para encher o jornal, determinou que eu fizesse uma coluna com o pseudônimo de "J. Kelly" (até hoje não sei onde o polonês arrumou este "J. Kelly") que ele mostraria ao Fernando Costa alegando que havia "encontrado" alguém para fazer a coluna. O Fernando gostou, aprovou e assim, por obra e graça do velho Adam Emil, me tornei um redator. E colunista de cinema...

Pena que foi por pouco tempo. A candidatura do Floriano Rubim gorou em conseqüência da morte do Fernando Ferrari em um acidente aéreo; o jornal foi devolvido ao dono, pois não havia sido pago um tostão do contrato de compra; o Cesar Vieira Bastos pouco depois voltava para Niterói, onde deve estar até hoje, e o Fernando Costa, a quem devo muito do meu conhecimento das "trivelas" da imprensa, apaixonou-se por urna jovem de tradicional família aqui do Estado e mais uma vez foi obrigado a partir para não ficar eternamente em terras capixabas. Em Santo Antônio, possivelmente...

Eu por minha vez voltei ao velho Lisboa e de novo fui enfrentar o Nabor Vidigal, o velho Darly Santos, o José Guterrez e, principalmente, o Plínio Machini, que me elevou à condição de  repórter depois de me designar para uma cobertura que repórter nenhum queria fazer.

Bem, mas esta é outra história...

 

Fonte: ESCRITOS DE VITÓRIA — Imprensa – Volume 17 – Uma publicação da Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura Municipal de Vitória-ES.
Prefeito Municipal - Paulo Hartung
Secretário Municipal de Cultura e Turismo - Jorge Alencar
Sub-secretário Municipal de Cultura e Turismo - Sidnei Louback Rohr
Diretor do Departamento de Cultura - Rogério Borges de Oliveira
Diretora do Departamento de Turismo - Rosemay Bebber Grigatto
Coordenadora do Projeto - Silvia Helena Selvátici
Chefe da Biblioteca Adelpho Poli Monjardim - Lígia Maria Mello Nagato
Bibliotecárias - Elizete Terezinha Caser Rocha e Lourdes Badke Ferreira
Conselho Editorial - Álvaro José Silva, José Valporto Tatagiba, Maria Helena Hees Alves, Renato Pacheco
Revisão - Reinaldo Santos Neves e Miguel Marvilla
Capa - Amarildo
Editoração Eletrônica - Edson Maltez Heringer
Impressão - Gráfica e Encadernadora Sodré
Autor do texto: Pedro Maia
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2018

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