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Um fato da inquisição – Por Levy Rocha

Pedra Dágua hospedaria

O historiador Mário Freire presenteou-me uma novela de barbante capaz de deixar ao Umberto Peregrino, respeitado colecionador do gênero e que foi dinamizador da Biblioteca do Exército, cheio de inveja.

Refiro-me a um opúsculo de 31 páginas, com duas gravuras coloridas a mão e outras no texto, intitulado: "Um Fato da Inquisição no Brasil e Heroísmo de uma Capichaba — Tradição Popular da Província do Espírito Santo" — publicado pelos Editores Laemmert, do Rio, em 1876.

O autor, anônimo, provavelmente Azambuja Susano, o qual escreveu: "Braz Gomes e a Inquisição na Província do Espírito Santo", compôs a narrativa tomando por tema central uma tradição popular do século XVIII, conhecida como: "A Lenda de Braz Gomes" ou "O Judeu Pescador".

Contavam os macróbios capixabas que existiu, outrora, na Vila da Vitória, um judeu pescador que conhecia um bom pesqueiro em alto mar, onde colhia tamanha provisão de pescado que ele sozinho abastecia a povoação, enquanto os outros pescadores voltavam no "ora veja", com as suas canoas vazias. Bafejado, assim, pela fortuna, o pescador Braz Gomes edificou uma elegante casinha de pedra e cal no meio da vila e mais dois casebres na margem do lameirão, dando começo à rua que se chamou da Praia, depois, do Ouvidor e, por último, Duque de Caxias.

O judeu, natural do Algarve, era católico, e atribuía a sua boa sorte à devoção de São Tiago e Santa Marta, cujas imagens mantinha num Oratório, ao qual pretendia juntar um crucifixo que conservava guardado numa caixa de madeira, enquanto aguardava um "rico resplendor que já havia encomendado a um ourives". Mas, deram outra versão à sua prosperidade: espalharam que ele fizera trato com o Diabo, o qual enxotava os peixes para o seu anzol; denunciaram-no ao Santo Ofício, com o agravo de que ele usava a caixa de madeira, onde encerrava o crucifixo, para se assentar.

Metido a ferros, Braz Gomes foi levado para Lisboa, submetido aos Autos da Fé e condenado à "fogueira de lenha benta".

Alguns fatos parecem provar que existiu mesmo um "Braz Gomes de Siqueira, parte de Cristão novo, mercador; natural da vila de Santos e morador da Capitania do Espírito Santo, Bispado do Rio de Janeiro; convicto e pertinaz", condenado pela Inquisição de Lisboa, segundo transcrição de um Auto de Fé, publicado no Tomo Sétimo da Revista do Instituto Histórico Brasileiro.

Até fins do último século, constava existir na sacristia da Igreja Matriz de Vitória, um quadro, enviado de Portugal, pela Inquisição, representando o suplício do judeu pescador. Tal pintura, já bastante arruinada, teria sido levada para a Matriz de N. S. do Desterro, em Florianópolis. E o crucifixo, que dera causa à acusação de heresia, seria conservado, em Vitória, pela Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência.

Procuremos sumariar a novela de barbante: Os bens de Braz Gomes são seqüestrados enquanto ele, com sua filha primogênita Cecília, de 17 anos, e seu filho José, de 16, são transportados para Lisboa, para responderem ao Santo Ofício. Outras duas filhas são amaldiçoadas, levadas em canoa, por um escravo morfético, ao lugar chamado Pedra D’água, no continente, donde seguem "por praias e caminhos desertos, infestados de bugres e feras, até a vila da Barra do Paraíba dos Campos dos Goitacazes". O veleiro que conduz o pescador e seus dois filhos é atirado, por um tufão, às costas de Gibraltar e feito presa de um chaveco de Tunis, que o arrasta para Marrocos, onde Cecília é vendida para o harém do Imperador, o qual somente por obediência à lei do Alcorão se abstém da violência para conquistar a moça.

Braz e José também vão servir ao mesmo sultão, como jardineiros do palácio. Cecília não se deixa vencer pelo Imperador e é vendida ao árabe Majedib, moço de 22 anos, Estribeiro-Mor do Palácio, que logo por ela se apaixona. Desta feita, apenas a diferença de crenças separa o senhor e a escrava, pois a moça fica enamorada do Estribeiro-Mor. Este, adoece, é velado por Cecília que o reanima milagrosamente, borrifando-lhe umas gotas d’água no rosto.

Tendo notícia do falecimento do pai, Cecília pede ao seu jovem senhor que compre José para servir de jardineiro.

Um dia, no jardim, ao cantar em sua guitarra uns versos de Homero, Majedib surpreende a escrava conversando com o jovem jardineiro, mas Cecília explica a condição de parentesco que ocultara e conta toda a odisséia da família. Manjedib não se convence do vínculo de parentesco do jardineiro e ordena a este que faça Cecília se converter ao maometismo.

Preocupação maior ocorre: a ameaça da Espanha de se apossar de Tanger. O Imperador envia o seu estribeiro-mor ao Cairo, para provisionar-se de soldados e cavalos. Majedib resolve levar Cecília em sua companhia; embarcam num veleiro mourisco que os fortes ventos desviam para as costas da França e Itália, onde naufraga. Cecilia, que aprendera a nadar na enseada do Piratininga, em Vitória, salva-se e socorre Majedib e, usando da influência de cristã, interfere a favor do seu amado senhor.

A história termina com a conversão de Majedib ao catolicismo e o seu casamento com a heroína capixaba, tendo o consórcio, por padrinhos, os Duques de Asinara e, por celebrante, o arcebispo de Sassarro.

 

Fonte: De Vasco Coutinho aos Contemporâneos
Autor: Levy Rocha,1977
Compilação: Walter de Aguiar Filho, outubro/2015

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