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Um raio de luz que se ofuscou – Moniz Freire

Vista de Vitória em 1902, referências de Jorge Roberto

Multiplicam-se as atividades urbanas na primeira República. Um raio de esperança sacode o capixaba. Os edis compenetram-se de suas funções e atacam os problemas de saneamento. As rendas municipais são promissoras e o povo ávido de melhores dias. O café está provisoriamente em alta. Vitória comercia e o interior prospera. Os colonos de Rio Nôvo, Alfredo Chaves, Sta. Isabel, Sta. Leopoldina, Sta. Teresa e Conde D'Eu conhecem seus primeiros dias de fartura americana. A lavoura compensa. Os produtos alcançam preços compensadores. Fundam-se casas comerciais de capitais respeitáveis: Lizandro Nicoletti, Hard Rand & Cia., Pecher, Zinzem & Cia., Casa Cruz Irmão, Manuel Evaristo Pessoa e outras menores.

Vitória tem efêmero progresso comercial. Levantam-se clamores generalizados contra a falta de conforto urbano. O Conselho Municipal não dorme. A cidade precisa de tudo: água e esgoto, drenagem e aterro, luz e força. A tarefa é demasiada. Quer-se resolver todos os problemas e todos são postos em equação.

Antero revela-se estudioso e compenetrado de suas altas funções. As sugestões, que apresenta, denotam critério de administrador.

O curso do decantado "Reguinho" não foi disciplinado com vazão suficiente, devido a leviandade técnica dos engenheiros, que lhe deram solução. Leopoldo Cunha, Del Vechio e Temistocles de Freitas, chamados a opinar, optaram pela canalização em tubo de ferro de onze centímetros de diâmetro. Pouco mais do que um condutor comum de águas pluviais de qualquer casa de moradia.

Cleto Nunes escreve criteriosa mensagem em 7 de outubro de 1895, dando conta da ação do Conselho desde 1892, data da sua instalação.

É notável prestação de contas de um dos maiores capixabas da República, prematuramente desaparecido do cenário político. Como realizações concretas fez, o Conselho Municipal algumas obras de valor indiscutível, tais como a ligação do Cais do Imperador com a Rua da Alfândega, pondo em comunicação direta todas as vias da orla marítima. Até o começo da República, não havia comunicação carroçável entre a Rua do Comércio, hoje Florentino Avidos e a Praça Oito. Da escadaria do Palácio até as proximidades da Ladeira da Misericórdia, a passagem era estreita e tortuosa. Foi preciso que se desapropriassem pequenos e antigos imóveis, no valor de Cr$ 42.000,00, fronteiros ao edifício Mor-gado Horta, para que a Rua Jerônimo Monteiro, antiga da Alfândega, desembocasse na escadaria do Palácio.

As sobras das áreas foram vendidas por Cr$ 32.000,00 e nelas se construiu o bloco mais valorizado de então: a casa Perch Zinzem & Cia. e grande armazém de café, da mesma firma. O armazém de café transformou-se, após 1920, no antigo "Cine Central", elegante e servido por magnífica orquestra de câmara, e a casa comercial virou, "Hotel Beira Mar" e lojas de modas. Na testada correspondente a esses edifícios erguem-se o "Hotel Tabalara" e o Edifício das Secretarias do Estado, já agora sem o mar a bater-lhe nas soleiras dos fundos. Foi um melhoramento impressionante. A primitiva estrada carroçável para Sto. Antônio também é cometimento daquele Conselho. Introduziu-se a obrigatoriedade de "meio-fio" e a construção de calcadas. Fez-se o primeiro pavimento a paralelepípedos, obrigou-se ao licenciamento de obras com planta a se construírem e proibiu-se o beiral. O Código de Posturas, longo e minucioso, continha artigos deste teor:

"Art. 113 — São proibidos os despejos de lixo e matérias fecais nos cais da cidade, das 6 horas da manhã às 9 da noite. Ao infrator, ou seu responsável, multa de 15$000 e o duplo na reincidência.

Art. 133 — As ruas que se abrirem serão denominadas pela intendência, que compete dar alinhamento, comparecendo neste ato o fiscal, que lavrará um termo, assinando-o também o presidente e secretário."

No relatório já citado, Cleto Nunes focaliza um tópico que seria suficiente para imortalizar-lhe o espírito culto de esteta: "Não menos indispensável é a aquisição das matas, que circundam o lado setentrional da cidade. É escusado encarecer-vos o alto apreço, que a higiene liga à conservação das matas em volta dos grandes povoados, máxime quando essas matas guardam, como no nosso caso, os únicos mananciais, que até hoje fornecem a água de que se serve a população. Faz-se preciso, portanto, chamar ao domínio da municipalidade essa esplendida mata, que fica a cavaleiro da cidade e pô-la ao abrigo das devastações, que o ferro e o fogo fazem ali diàriamente, de modo revoltante, sacrificando essa opulenta riqueza vegetal, que tanto aformoseia a capital, quanto beneficia seus moradores."

A floresta reclamada pelo chefe do executivo municipal estendia-se por toda a encosta, desde o morro de Sta. Clara até a pedra da Vigia. Era soberba, bela, policrômica, exuberante.

O autor desta memória, quando Diretor Municipal de Obras e Viação, nos dois períodos em que serviu ao Município, de 1926 a 1930, de 35 a 39, coadjuvado pelo saudoso Paulo Mota, chefe de Matas e Jardins, empregou o melhor de seus esforços para preservar o pouco, que ainda restava. Mas tudo foi em vão. Chapeladas demagógicas e covardia cívica das altas autoridades, facilitaram o machado e o fogo. Vitória, em vez do cinturão verde, para emoldurá-la, inscreve-se num perímetro de "favela", nociva e desconcertante.

De 1889 a 1900 Vitória se enriquece de prédios notáveis para a época, que merecem registro.

O principal, pela envergadura e pelo custo, é, sem dúvida, a casa Hard Rand, cujo pedido de licença foi protocolado em 26 de dezembro de 1892. Foi seu construtor Rufino Antônio Azevedo hábil mestre de obras capixaba, sob projeto elaborado na América do Norte. Está edificado sobre estacas. Todas as esquadrias, soalhos e engradamento de telhado são de pinho de Riga. Os sobrados das antigas Ruas do Comércio, Primeiro de Março e Jerônimo Monteiro, aparecem nessa década. É então que desaparece o célebre "Beco Manuel Alves", prolongamento da Ladeira da Misericórdia para o mar. Ficou reduzido a uma viela sanitária de metro e meio de largura até a construção do Edifício das Secretarias. Era um canal onde atracavam canoas e saveiros. Vindo da mais remota antigüidade colonial. Recebeu o nome de "Manuel Alves", porque esse mestre de "pontão", da Lamport, ali estacionava sua embarcação. Foi lugar preferido para despejo dos "tigres", nojentos tonéis domésticos. O movimento marítimo, principalmente o de lanchões e canoas, não só do litoral, como de Cariacica e Sta. Leopoldina, propiciaram o comércio de botequins à beira-mar. Nasceram os "quiosques". O primeiro concessionário, Sebastião da Costa Madeira, obteve licença para se estabelecer no Eden Parque a 24 de dezembro de 1892.

Houve uma invasão desses originais botequins, exagonais ou redondos, de madeira, cobertos de zinco e pintados a óleo. O cais do Mercado e o "Porto dos Padres" se povoaram rapidamente deles. Aqui faziam ponto os canoeiros de Nova Almeida e, em particular, os do Porto Cachoeiro de Sta. Leopoldina, tripulantes de embarcações das ricas casas Vervloet, C. Muller e Reisen. Foi "quiosque" de fama o de Florêncio Coelho, português reforçado, que tinha o hábito de adormecer os fregueses maçantes com soco lusitano: mão fechada, abarcando um peso de quilo. Bebia-se "cariacica", "pernambucana" e "dois com goma" — cachaça com xarope. Comia-se lingüiça ou manjuba frita. O último "quiosque" desapareceu em 1925. Situava-se no prolongamento da Rua General Osório, onde hoje se ergue o Edifício dos Comerciários. Das seis da tarde até o "tiro das oito" esses lugares eram perigosos para transeuntes pacatos. A "temperatura" se elevava e aos palavrões sucediam-se lutas de corpo a corpo e não raro com uso de achas de lenha e canivetes de marinheiro.

 

Fonte: Biografia de uma ilha, 1965
Autor: Luiz Serafim Derenzi
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2017

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