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Vida Capixaba - O Retrato de uma sociedade (Parte II)

Capa do Livro: Vida Capichaba: O Retrato de uma Sociedade - 1930

O Brasil e o estado do Espírito Santo na Primeira República

 

2.1 Panorama Político e Econômico do Brasil

O contexto político e econômico de um espaço físico, em um determinado período, pode ser descrito e apresentado isoladamente. Porém, para que ele seja compreendido é necessário que se tenha uma visão holística e sistêmica dos fatos inseridos no momento histórico vigente. Seguimos esta direção na análise do Estado do Espírito Santo no final dos anos 1920 e início dos 1930. Para que esta análise represente da melhor maneira possível a realidade, se faz necessário que também se conheça a realidade do Brasil naquele momento. Esta relação é que nos propomos a apresentar neste capítulo.

O 15 de novembro de 1889, representou a entrada do Brasil no regime político conhecido como República, e marcou o início de um período de grande incerteza. Os grupos que disputavam o poder tinham interesses diversos e divergiam em suas concepções de como organizar o novo regime. Haviam também rivalidades no âmbito militar entre Exército e Marinha, o primeiro ligado a República e o segundo no Império. O Exército, apesar das contradições internas, formava uma instituição coesa que era parte do aparelho do Estado, era adversário do liberalismo, defendendo uma República dotada de um Poder Executivo forte.

Os partidários da República Liberal, temerosos da ação dos conservadores, apressaram-se em garantir a convocação de uma Assembleia Constituinte, e em 24 de fevereiro de 1891 a primeira Constituição Brasileira, que consagrava a República federativa liberal, foi promulgada. Os Estados adquiriram certa autonomia, mas o governo federal não perdia seu poder. O sistema presidencialista de governo foi adotado, assim como o sistema de voto direto e universal, com exclusão de certas categorias. O texto constitucional consagrou o direito dos brasileiros e estrangeiros residentes no país à liberdade, à segurança individual e à propriedade. A religião católica deixava de ser a religião oficial do Brasil, e o Estado e a Igreja passaram a ser instituições separadas.

O período que se segue a Proclamação da República e a promulgação da primeira Constituição foi intensamente conturbado, um país vivendo uma experiência nova de governo onde os interesses das elites pelo poder político e econômico suplantava o interesse pelo desenvolvimento da nação. O primeiro presidente do Brasil, marechal Deodoro da Fonseca, só permaneceu no cargo cerca de nove meses, envolto na crise do "encilhamento" e mantendo uma postura conservadora não conseguiu manter o cargo. O vice-presidente, marechal Floriano Peixoto, assumiu o posto no final de 1891.

O governo do marechal Floriano continuou conturbado. A República só conseguiu se manter devido a um acordo feito entre o governo e as forças econômicas dominantes. As elites assim, conseguiam manter o regime que lhes interessava e o governo construía uma base política para governar. O jogo de interesses e poder, mais uma vez se sobrepunha aos interesses da nação.

Os governos seguintes, de Prudente de Morais (1894-1898) e Campos Sales (1898-1902), marcaram a consolidação da República liberal. A elite política dos grandes Estados assumia as rédeas do país, criando instrumentos para que a República oligárquica, ou seja, a República de poucos, se consolidasse em um sistema político estável.

O desenrolar dos acontecimentos políticos durante a Primeira República consolidou um certo tipo de governo, que embora aparentasse uma organização liberal, na prática, tinha o poder controlado por um reduzido grupo de políticos em cada Estado. Segundo Fausto (1996), este período pode receber várias denominações: República oligárquica, República dos "coronéis" e República do "café-com-leite".

Estas denominações explicam e reafirmam o cenário político da época, onde poucas pessoas, pertencentes a uma determinada classe ou família controlavam o poder. As oligarquias estaduais se valendo da autonomia do regime formavam partidos republicanos restritos a cada Estado. Defendendo os interesses de cada região, decidiam o destino da política nacional, fechando acordos para a indicação de candidatos à presidência da República.

Os coronéis, patriarcas das oligarquias, eram em sua maioria proprietários rurais que baseavam seu poder na relação de clientelismo. Essa relação se sustentava devido a desigualdade social e a ausência do Estado, deficiências supridas pelos coronéis com a troca de favores, que assim formavam uma base local de poder. O coronelismo esteve presente durante todo o período da Primeira República, constituindo-se em um dos elementos fundamentais de sustentação da base do sistema oligárquico Era centrado na troca de interesses entre os grupos dominantes, exercendo um importante papel na condução da política nacional.

A expressão "café-com-leite" indica um pacto não escrito, firmado em 1913, entre mineiros e paulistas que tratariam de se revezar na Presidência da República. Exprimindo inicialmente uma ideia de aliança, na verdade foi uma composição de forças das duas maiores oligarquias nacionais na busca de manter o poder. Os paulistas defendiam os interesses da burguesia do café, instituindo uma política de valorização do produto, base da economia de São Paulo e do Brasil. Minas Gerais não tinha o potencial econômico de São Paulo, sua economia era diversificada tendo como principais produtos o gado e o café. Porém, seus políticos eram profissionais, exercendo forte influência na Câmara dos Deputados, defendendo os produtos mineiros e, de acordo com as circunstâncias, a valorização do café. Essas oligarquias dominaram a cena política nacional durante a Primeira República, e o acordo firmado entre elas foi de suma importância para a estabilidade do período. O não cumprimento das regras do acordo em 1929, pelo presidente Washington Luis, provocou uma desestabilização na política nacional, se constituindo em um fator central da ruptura política ocorrida no Brasil em 1930.

As oligarquias que dominavam o cenário, tanto político quanto econômico do país, provinham em sua grande maioria da burguesia do café. No Brasil durante a Primeira República predominavam as atividades agroexportadoras, o cultivo da cana-de-açucar, da borracha, a produção de charque, além dos negócios do café que representavam o eixo da economia. O café era o primeiro produto na pauta das exportações brasileiras, e dele dependiam o crescimento e o emprego na maior parte do país.

O setor cafeeiro lançou a base para o primeiro surto da indústria no Brasil, promoveu a imigração e os empregos urbanos vinculados ao complexo cafeeiro, criando um mercado para produtos manufaturados; promoveu o investimento em estradas de ferro, que ampliaram e integraram o mercado; desenvolveu o comércio de exportação e importação, contribuindo para a criação de um sistema de distribuição de produtos manufaturados, além de fornecer recursos em moeda estrangeira para pagar a importação das máquinas industriais. O café se afirma como eixo da economia nacional gerando o capital base do processo industrial (Fausto, 1996).

Os principais ramos industriais da época foram o têxtil, o da alimentação e do vestuário. Apesar deste relativo avanço na produção industrial, havia uma profunda carência de uma indústria de base (cimento, ferro, aço, máquinas e equipamentos), fazendo com que grande parte do surto industrial dependesse da importação. O governo continuava com seus interesses voltados para a agroexportação, mas não se pode dizer que ignorou totalmente o fluxo industrial. É verdade que não promoveu nenhuma política deliberada de desenvolvimento industrial, no entanto, não se colocou em posição contrária.

Uma importante mudança sócio econômica ocorrida no período foi a imigração em massa para o Brasil. O país recebeu milhões de europeus e asiáticos que aqui chegaram em busca de oportunidades de trabalho e ascensão social. Nos primeiros anos foram submetidos a duras condições de existência, resultantes das condições gerais de tratamento dos trabalhadores no país, onde quase se equivaliam a escravos. Representaram a principal mão-de-obra para a lavoura do café e mudaram a paisagem social do país, com sua presença nas atividades econômicas, seus costumes, seus hábitos alimentares e sua postura diante do trabalho. Os imigrantes também foram peça fundamental no processo de industrialização, podendo ser encontrados nas duas pontas da indústria, como donos e como operários.

Dentro deste contexto seria difícil prever que no final da década de 1920 uma forte cisão entre as elites dos grandes Estados ocorreria, demarcando o fim da Primeira República. Os desentendimentos se iniciaram quando Washington Luis, em 1929, insistiu em "quebrar" a regra do pacto efetuado entre São Paulo e Minas Gerais em relação a indicação do presidente da República. Segundo Fausto (1996), não se sabe ao certo as razões que levaram-no a adotar esta postura, o que se pode afirmar é que as consequências alteraram sensivelmente os rumos do pais.

Os acontecimentos que se seguiram resultou no movimento conhecido como Revolução de 30, que foi deflagrado a 03 de outubro no Rio Grande do Sul, conduziu Getúlio Vargas ao poder. Os vitoriosos de 1930 compunham um quadro heterogêneo, tanto do ponto de vista social como político. Ocorreu a partir de então uma troca da elite no poder, sem grandes rupturas. Caíram os quadros oligárquicos tradicionais e subiram os militares, os técnicos diplomados, os jovens políticos e os industriais. O novo governo tratou de centralizar em suas mãos tanto as decisões econômico-financeiras como as de natureza política, passando assim a arbitrar os diversos interesses em jogo. As relações sócio-políticas baseadas na "troca de favores" não deixava de existir, mas a irradiação agora vinha do centro para a periferia, e não da periferia para o centro.

Um novo tipo de governo nasceu após 1930, centralizado e com maior grau de autonomia, atuou economicamente voltado para os objetivos de promover a industrialização. No âmbito social tendeu a dar algum tipo de proteção aos trabalhadores urbanos, enquanto às Forças Armadas atribuiu o papel central de suporte a criação de uma indústria de base, e sobretudo a responsabilidade em garantir a ordem interna.

O Estado getulista promoveu o capitalismo nacional, tendo como suportes as Forças Armadas e uma aliança entre a burguesia industrial e setores da classe trabalhadora urbana. Getúlio Vargas permaneceu por quinze anos no poder, entre 1930 e 1945, ora eleito pelo voto indireto ora como ditador.

No início dos anos 30 o governo provisório buscava se firmar em meio a muitas incertezas. A crise mundial de 1929 trouxe como consequência uma produção agrícola sem mercado, a ruína de fazendeiros e o desemprego nas grandes cidades. As dificuldades financeiras eram enormes, a receita das exportações caía e a moeda conversível se evaporava. No âmbito da política, as oligarquias regionais tentavam reaver seu poder, se opondo ao fortalecimento do centro. A centralização foi ratificada com a demissão de todos os antigos governadores, com exceção do de Minas Gerais, e a designação de interventores federais para seus postos. O governo concentrava também em suas mãos a política do café, que continuava a ser o principal produto nacional, apesar da crise mundial. Desta maneira o Estado getulista centralizava todo o poder, fazendo com que o país trilhasse novos caminhos.

 

Sobre o Autor: Graduado em História (Bacharelado e Licenciatura) pela Universidade Federal do Espírito Santo, Mestre em Economia pela mesma Universidade. Doutor em História Social pela FFLCH/USP. Atua nas áreas de História do Brasil; História do Espírito Santo; Gestão e Políticas Públicas; Economia Brasileira. Professor; Pesquisador; Orientador; e Gestor. Experiência em EAD. 

 

Fonte: “Vida Capichava”: O Retrato de uma Sociedade – 1930. Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo - 2007
Autor: Jadir Peçanha Rostoldo
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2019

Revista: Vida Capichaba

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