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Vida Capixaba - O Retrato de uma sociedade (Parte VI)

Capa do Livro: Vida Capichaba: O Retrato de uma Sociedade - 1930

4.1 O Público e o Privado

A imprensa é um poderoso instrumento na medida em que atua no mesmo nível ético de instituições permanentes como a escola, a igreja, as associações comunitárias, as profissões liberais, as organizações locais, nacionais ou internacionais dedicadas ao bem comum. Ela serve melhor o público se conseguir incorporar os padrões morais da sociedade.

A opinião pública se orienta, muitas vezes decide e quase sempre raciocina, não pelas coisas em si mesmas, mas pelas feições que lhes damos, pelas imagens que os veículos de comunicação lhes atribuem. Por exemplo, opiniões ou julgamentos imprecisos, desinformados, apriorísticos sobre coisas e pessoas, homens públicos e instituições, assuntos internacionais, de trabalho, de capital, de relações sociais, de direitos humanos e outros, são algumas das armas que a imprensa pode utilizar para direcionar a tendência de uma sociedade (Bahia, 1990).

O espírito da imprensa tende a ser essencialmente o espírito público, desta forma a elite dominante busca produzir uma maneira de se incorporar a este processo, no intuito de através de influências manter sua dominação. Os interesses privados, são colocados em evidência e disseminados, contribuindo assim para direcionar as atitudes e a construção do público. A vida privada, como um produto da imprensa, é incorporada ao domínio público, se tornando um importante instrumento de disseminação dos interesses das elites.

O universo da vida privada passa a ter um contato direto com a sociedade, veiculando um novo modo de vida, de moral e de ética. Novos valores e novas normas são difundidas, visando sua incorporação pelo público, fazendo com que a imprensa seja um espelho em que a sociedade possa se reconhecer.

A revista "Vida Capichaba", enquanto um veículo de comunicação abrangente, funcionava como a expressão de uma espaço de convívio ampliado. De uma maneira branda e discreta, contribuiu na modelagem da vida cotidiana de seus contemporâneos. O público acreditava estar agindo à sua maneira, mas na realidade estava seguindo os valores e as ideias disseminadas pela publicação.

Nas páginas da revista podemos verificar que, praticamente, todas as fotos inclusas se referem ao circulo privado da sociedade. São fotos das festas de aniversário, batizado, casamento, posse de políticos ou militares, de crianças, de homens e mulheres provenientes da elite. Poucas são as fotos do povo, de suas manifestações ou de seu cotidiano. Desta forma, a partir da imagem, é construído um imaginário social que, dominado pela elite, determina as atitudes dos outros grupos sociais.

A dimensão privada também não reconhece fronteiras em relação aos espaços físicos, ocupa os espaços públicos sem nenhuma restrição, adotando-os como um de seus domínios. Os cinemas, teatros, restaurantes e outros ambientes historicamente públicos, são cooptados pelo privado que, controlando-os, determina suas programações e projetos. O público se torna secundário, um mero coadjuvante.

Os clubes são redutos da elite dominante, reafirmando em suas promoções o domínio da esfera privada. No número 208 da revista, de 02.01.1930, foi publicado um artigo sobre a inauguração da suntuosa sede do "Club Victoria", onde podemos perceber esta postura:

“Realizou-se, na tarde do dia 31, a inauguração da nova sede do 'Club Victoria'. A ella compareceram S. Ex.a. o Sr. Presidente do Estado, acompanhado de sua Ex.ma. Sra. [...], o Rev.mo. Sr. Bispo diocesano, secretários do governo, prefeito municipal e muitas autoridades, bem como grande número de pessoas gradas. [...]A noite, realizou-se o baile, tendo a elle comparecido o nosso fino escol social. [...] Tudo ali é revelador de fino gosto e arte apurada, tornando-o attrahente.”

Outra postura que reconhecemos na revista que retrata a sobreposição da dimensão privada sobre a pública é a publicação de artigos de resposta. Alguns colaboradores não concordam com o que foi escrito por outros, e passam a publicar artigos de réplica. Esta atitude trás a tona sentimentos. posições e ideologias particulares de determinados autores, que passam a integrar a vida pública. A população acaba se identificando com uma das correntes, e inconscientemente agrega estes novos valores as suas atitudes.

A influência da elite dominante se mostra sempre presente nas publicações, o privado domina o espaço público da revista. A cobertura mínima e tendenciosa que ela deu aos acontecimentos de 13.02.1930, quando policiais atiraram contra a população e os políticos que realizavam um comício da Aliança Liberal em Vitória, reafirma esta postura. No número 216, de 27.02.1930, publicou-se:

“Os lamentáveis acontecimentos do dia 13 do corrente, provocados nesta capital pelos caravaneiros 'liberais' [...] trouxeram uma espécie de injusta interpretação ao modo pelo qual o governo do Estado se portara antes, durante e após os factos.”

Percebe-se que os fatos não foram tratados pelo prisma do público, da sociedade enquanto coletividade, mas sim em função de interesses dominantes.

Devemos entender que a passagem do privado ao público não é um processo rápido e pacífico. O privado é uma estrutura construída por parte da sociedade, que passa a se relacionar com a estrutura primária, o público, o coletivo. As contradições ficam aparentes, e é neste momento que a imprensa interfere. Utilizando-se de seu poder de penetração, favorece as elites dominantes, o público é engolido pelo privado. O interesse de poucos se sobrepõe as necessidades de muitos.

Os valores privados, divulgados sistematicamente se tornam naturais, e como tudo que se torna natural, imune a críticas. O público os incorpora, dando-lhes sustentação. "A ilusão da independência alimenta o conformismo" (Prost, 1992).

 

 

Fonte: “Vida Capichava”: O Retrato de uma Sociedade – 1930. Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo - 2007
Autor: Jadir Peçanha Rostoldo
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2019