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Vida cheia de graça – Com Dino Gracio e Hely Edson

Jornal O Diário

P - Dino, em que época você trabalhou nO DIÁRIO?

Dino - Em 1970, cerca de sete para oito meses, e em 1976.

P - Boas lembranças?

D - Um monte de coisas (risos).

P - E você, Hely Edson?

Hely - Eu cheguei em Vitória em outubro de 1973. Vim do interior de Minas e comecei a trabalhar como editor de Internacional quando o jornal passou de matutino para vespertino.

P - O DIÁRIO costumava deixar marcas...

D - Particularmente, a lembrança mais marcante que eu guardo é a presença do Cláudio Bueno Rocha. Eu estava chegando de Salvador, saindo de casa, era a primeira vez que trabalhava em jornal. Foi ele quem praticamente fez com que eu definisse minha opção profissional como jornalista e até como publicitário. Era uma pessoa fascinante.

P - Hely, como foi sua entrada?

H - Eu tinha pouco tempo de estrada em 1973, quando cheguei a Vitória vindo do interior de Minas. Tomei um susto, primeiro por ter conhecido o Cláudio Bueno Rocha, um homem de grandes idéias e grandes ideais, músico, intelectual, muito bem informado, boêmio, contista, "escrevedor" de histórias, grande jornalista. Pra mim, o que ele estava fazendo era uma revolução, com essa transformação do jornal em vespertino. Tinha o plantão da madrugada, muita gente trabalhando à noite... e a gente tinha que chegar na redação às cinco, seis horas da manhã pra fechar o jornal ao meio-dia.

P - Como era essa história de ter que chegar cinco, seis horas da manhã? Ficavam a noite toda na esbórnia e...

H - Eu praticamente me mudei para o jornal, morava nO DIÁRIO. Tinha uma sala com um sofá-cama, que de noite virava uma cama (risos). Às seis horas a gente começava a preparar os textos, trabalho que terminava mais ou menos às dez e meia. Às onze horas da manhã, o jornal estava sendo fechado, pra conseguir furar os dois concorrentes, que eram A Gazeta, o maior jornal da Rua General Osório, e A Tribuna, o melhor da Ilha de Santa Maria (risos).

E circulava ao meio-dia, uma hora. A gente tinha o maior tesão de furar os grandes. O DIÁRIO era um jornal pequeno, sem anúncio, mas tinha grandes jornalistas. Foi uma época legal.

P - E a censura, pesava muito?

D - Eu estava começando e fazia o meu trabalho, a charge, que era alvo de muita observação, muita vigilância. Nós trabalhávamos com o censor na redação. Várias vezes o Cláudio teve que ir à Polícia Federal, não só por causa do meu trabalho, mas também pelo trabalho de outros companheiros, para dar satisfação e limpar a barra. Em 76 já não era assim, a coisa já estava branda, não havia censor.

P - Já estava na distensão, do Geisel.

D - Isso. Mas ainda havia aquele mal-estar. Ainda era algo de heróico fazer as coisas...

H - Como o Dino falou, a gente trabalhava com o cara da Polícia Federal nas costas da gente o tempo todo. E tinha um quadro de avisos na redação onde eram pregados quatro, cinco avisos por dia sobre o que não podia ser publicado. Na época, O DIÁRIO não tinha muitos recursos e, na maioria das vezes, a própria censura é que informava a gente sobre coisas que estavam acontecendo no País e que a gente não sabia.

P - Eles acabavam sendo fontes.

H - Isso. E a única forma que a gente tinha para colocar na roda essas informações era o Britz Bar. A gente decidiu fazer um jornal mural no Britz, aproveitando essas informações da Federal pra passar para o público. O mural funcionou durante um tempo, até que um dia a Marinha cercou o Britz e prendeu todo mundo num ônibus.

P - Quanto tempo durou esse jornal mural?

H - Uns oito, dez meses. E era uma coisa muito divertida, porque o Paru, dono do Britz, fez uma redação pra gente lá, botou máquina de escrever no bar. A gente chegava lá, tomava todas, escrevia o que queria e pregava no mural. Isso acabou incomodando a censura. Uma noite, resolveram cercar o quarteirão, fecharam o Britz, por volta de julho, agosto de 74. E foi todo mundo levado para o quartel da Marinha em Vila Velha.

P - O que aconteceu lá?

H - Conversaram muito com a gente, tentaram explicar o inexplicável e depois liberaram todo mundo. Voltou todo mundo pro Britz.

P - E o jornal mural?

H - Foi suspenso. Daí pra frente, além do censor na redação, tinha um que rondava o Britz também.

P - E o salário?

H - A gente não ganhava bem nO DIÁRIO, mas problema de dinheiro a gente nunca teve muito não. Tinha um tal de "seu" Nicanor, que a gente chamava de seu Nica, que era muito cuidadoso com a gente. Ele era um velhinho encarregado de pagar. Toda sexta-feira "seu" Nica passava, chamava a gente, e cada um recebia seu envelopezinho. Pelo menos pra segurar a semana a gente tinha.

P - Na sua época foi assim também, Dino?

D - Em 76, sim, eu recebia de forma regular. Em 70, não, o pagamento não era regular. Mas nessa época fiquei pouquíssimo tempo, uns meses.

P - Que fascínio era esse que o jornal exercia?

D - O grande encanto dO DIÁRIO era a gente saber que estava brigando, brigando no bom sentido. Era um jornal bem menor que A Gazeta e que A Tribuna, e brigava pau-a-pau com eles. Era feito com muito mais paixão, garra e romantismo, era um produto muito mais rico, mais quente, elaborado e curtido.

P - O DIÁRIO traduziu a efervescência da época em Vitória?

D - Acho que sim. Creio que a liberdade de pensar, de escrever, de publicar era maior que em outros jornais, por várias razões. Lembro do Milson Henriques criando lá o Britznik. O DIÁRIO era o jornal mais próximo do Britz, que era o centro boêmio-pensante da cidade. O Cláudio Bueno Rocha era uma pessoa muito aberta, não era nada burocrata, nada formal. O Marien também, com quem trabalhei na segunda fase, uma pessoa muito aberta, muito simples. As coisas eram fáceis. O Jairo de Britto eu conheci porque ele mandou um recadinho elogiando o fato de o jornal colocar a charge na primeira página, que era uma ousadia. De fato, era uma revolução. O DIÁRIO teve várias coisas assim. Inovadoras. Na verdade, em 70 pelo menos, o time era bastante jovem. Vinte anos, dezenove, dezoito... Tudo menino.

H - Talvez por isso a gente não ligasse muito pra dinheiro. A gente trabalhava mesmo com pique e com o coração.

D - Pelo prazer de fazer. Foi a época do Pasquim. Pra mim e para os outros que escreviam no jornal, o jornalismo tinha uma aura, a gente era herói.

H - Eu lembro que quando acabou a fase do CBR, foi uma tristeza muito grande porque a Blomaco resolveu acabar com o jornal.

P - Resolveu dar um perfil empresarial ao jornal, é isso?

H - Foi. Mudou muito. O jornal não sobrevivia de anúncios. E de venda, muito menos (risos). Então, era um prejuízo para a empresa todo dia botar aquela coisa na rua (risos), mas era um jornal que a gente colocava na rua com muito sangue, sangue da gente, não de matéria policial (mais risos). E quando não tinha mais jeito o CBR fez a última coluna dele com o título Classificados, anunciando redatores, repórteres, editores, fotógrafos (risos).

P - Liquidação de jornalistas?

H - "Redatores com tanto tempo de experiência".

D - O CBR "batia" completamente diferente da cidade. Para trabalhar com CBR, era necessário até uma certa coragem, um certo espírito. Mesmo porque era temperamental, embora muito bem-humorado. Mas não era uma pessoa simples. Era uma pessoa completamente diferente de um gerente, de um diretor de jornal ou editor chefe. Era um grande aventureiro, um grande romântico também. Tinha uma consciência social maravilhosa. Quando o jornal foi transformado em empresa eu já tinha saído. Acho que o problema dO DIÁRIO foi esse. Ele só sobrevivia da forma que ele era antes. Esculhambaram com o jornal quando tentaram organizá-lo.

D - A gente pode entregar alguém aqui? É brincadeira (risos).

P - Não sei se você seria capaz de entregar alguém tendo trabalhado nO DIÁRIO (risos).

H - O fato de praticamente morar no jornal fazia com que o trabalho se transformasse numa festa o tempo todo. Era tudo liberado. A gente bebia cachaça na redação, almoçava na oficina...

P - Quem cozinhava na oficina?

H - Era Dequinha, o linotipista.

D - Tem uma história engraçadíssima. Eu gosto de uivar de vez em quando, mas o culpado disso é Marien Calixte.

P - É, tem um ditado que diz o seguinte: "Quem não sabe uivar não encontra sua matilha", conhece?

D - Isso. E quem me ensinou a uivar foi Marien Calixte, que fazia isso muito bem na sacadinha do prédio dO DIÁRIO, especialmente em noite de lua cheia.

H - Aliás, era uma sacadinha usada para muitas outras coisas (risos).

D -  Pra muitas.

P - Uma sacadinha muito bem sacada.

H - Bastante.

D - Outra lembrança que eu tenho era de Maura Fraga, muito magrinha e frágil. Ela copidescava o texto do Barreto, que era uma baita figura física.

Uma noite a Maura estava passando mal de asma, ou bronquite, e como eu também tenho asma, sempre andava armado com Franol, um remédio violentíssimo. Inventei de oferecer a Maura. Eu tomava seis por dia. Fui dar meio a ela, e quase matei a Maura. Meio Franol...

P - E o que mais que vocês têm aí nessas caixas pretas?

H - Eu lembro das loucuras de Pedro Maia.

P - Conta uma.

H - Eu cheguei do interior de Minas, caretaço mesmo, mineirão ainda, apesar de nascido na Vila Rubim. Um dia Pedro Maia ficou puto comigo por causa de alguma coisa que eu tinha mudado na matéria policial dele. Cismou que ia fazer minha cabeça de qualquer jeito. Aí, pegou um pacote de maconha, botou em cima da minha máquina e disse: "Aí, um presente de capixaba pra mineiro otário. Se quiser se entrosar nessa porra desse jornal tem que ser por aí". E, a partir daí, a gente passou a fumar normalmente na sacadinha do jornal. Toda noite e madrugada a gente acendia um, fumava, tomava uma cachaça, fechava o jornal. Era um jornal muito liberal. A gente não tinha medo de chefe nem de feitor. A gente fumava, cheirava, bebia, brincava, trabalhava sempre muito. A gente segurava as loucuras da Carmélia, que era uma doida... grande figura. Tinha dia que ela resolvia, dizia que tava de saco cheio e não queria escrever a coluna. A gente tinha que fazer pra ela... Tinha essas loucuras. E muitas, muitas mais.

 

Fonte: O Diário da Rua Sete – 40 versões de uma paixão, 1ª edição, Vitória – 1998.
Projeto, coordenação e edição: Antonio de Padua Gurgel
Autor: Antonio de Padua Gurgel entrevistando Dino Gracio e Hely Edson
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2018

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