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Vitória: uma Vila Fortificada

Ex-forte São joão e Cassino Trianon. Foto do livro VITÓRIA ONTEM E HOJE, de José Tatagiba, cedida pela familia de Isauro Rodrigues (fotógrafo), 1945.

Um aspecto da evolução urbana de Vitória que está intimamente ligado ao crescimento da própria cidade é o sistema defensivo, do qual, por alguma sorte, ainda restam uns poucos vestígios. Em outras regiões, mais desenvolvidas, fatalmente ter-se-ia preservado todo o conjunto que poderia servir inclusive, quando nada, como atração turística, carreando divisas para o Estado, que seriam superiores às geradas pelos empreendimentos imobiliários que o destruíram, substituindo-o por construções inexpressivas e massificantes.

O sistema defensivo de Vitória foi durante os séculos XVI e XVII relativamente diminuto, muitas vezes até aquém das necessidades da capitania para a sua segurança.

Somente após os ataques holandeses (1625 e 1640) e a notícia de uma suposta serra de esmeraldas no interior da capitania é que se despertou para a necessidade de melhorar as fortificações de Vitória. Mas, ainda assim, relegou-se a tarefa a um plano secundário, até que houve a descoberta de ouro, em grandes proporções, na região de Minas Gerais. A partir de então se deu uma radical mudança da política colonial portuguesa em relação ao Espírito Santo. As principais iniciativas consistiram na proibição da procura do ouro e sua mineração no Espírito Santo, por ser região próxima ao litoral e assim favorecer a cobiça estrangeira e a conseqüente invasão; e na proibição da abertura de qualquer estrada que atingisse o interior, impedindo-se terminantemente qualquer comunicação com Minas Gerais, quer por via fluvial (rio Doce) quer por via terrestre, temendo o uso desses caminhos tanto por contrabandistas de ouro como por possíveis invasores estrangeiros, devido a ser o litoral capixaba o mais próximo da área de mineração.

Conseqüentemente, o governo de Portugal passou a considerar a capitania como a “defesa natural das Minas Gerais ou a trincheira natural para a defesa das Minas Gerais”, proibindo qualquer “ato de civilização”, entrada ou povoamento do interior, que implicasse progresso regional, imobilizando o Espírito Santo por quase todo o século XVIII e provocando uma defasagem de desenvolvimento ainda hoje mensurável em relação aos estados vizinhos. A medida complementar a essa política foi o conveniente aparelhamento das fortificações de Vitória, visando, primordialmente, a defender as Minas Gerais, porquanto seria extravagante a construção de tantas fortalezas para defender apenas a humilde vila da Vitória, que por si só era inexpressiva. Durante quase todo o século XVIII, houve uma verdadeira obsessão governamental para assegurar o bom funcionamento do sistema defensivo instalado na baía de Vitória.

Muito interessante é o relatório do capitão-mor Dionísio Carvalho de Abreu, que, argumentando com a posição estratégica do Espírito Santo para defesa de Minas Gerais, descreveu a situação das fortalezas militares e pediu as providências cabíveis. Por esse relatório, datado de 1724, o sistema defensivo de Vitória estava nas seguintes condições:

 – Fortaleza da Barra de São Francisco Xavier: em forma de círculo, situada na barra da baía do Espírito Santo, possuindo nove peças de artilharia, sendo uma de calibre dezesseis e as restantes de calibre oito. Havia mais duas peças desmontadas e a murada estava bastante danificada.

– Fortaleza de São João: em forma semi-sextavada irregular, situada em frente ao Pão de Açúcar (Penedo). Sua artilharia estava desmontada e compunha-se de seis peças de calibre doze e uma de calibre dezesseis.

– Fortaleza de Nossa Senhora da Vitória: em forma semicircular. Situada no lugar superior ao monte onde estava a fortaleza de São João, com quatro peças de artilharia, todas desmontadas, sendo uma de calibre dezesseis, outra de calibre vinte quatro e duas de calibre oito.

– Fortaleza de São Tiago: em forma de semicírculo irregular, com pequena área, situada em uma praia da vila da Vitória, com três peças de artilharia de calibre oito, todas desmontadas.

– Fortaleza de Nossa Senhora do Monte do Carmo: em forma de meia estrela regular, com cinco ângulos, situada na marinha da vila da Vitória, com oito peças de artilharia calibre seis e oito, todas montadas em carretas, mais quatro de bronze e duas de ferro desmontadas.

– Reduto Santo Inácio: de forma quadrangular, com três peças de artilharia de calibre oito, todas desmontadas.

Em resposta à solicitação, veio ao Espírito Santo o engenheiro sargentomor Nicolau de Abreu Carvalho, que comandou a realização de reparos nessas seis fortificações sendo os mais importantes os seguintes:

 – Fortaleza da Barra de São Francisco Xavier: parapeito, esplanada, guarita, quartel e casa de pólvora.

– Fortaleza de S. João: parapeito, torreão, portada, esplanada, guarita e casa de pólvora.

– Fortaleza de Nossa Senhora do Monte do Carmo: parapeito, esplanada, porta, casa de arma e casa de pólvora.

Este trabalho, realizado em 1734, passou a ter manutenção contínua, tendo o rei ordenado que de três em três anos fosse um engenheiro à capitania para inspeção, tornando-se o assunto “defesa militar das Minas Gerais” uma constante na correspondência oficial da época.

De grande interesse cartográfico e histórico é a planta da baía de Vitória, realizada pelo engenheiro José Antônio Caldas, em 1767, mostrando especialmente a situação do sistema defensivo do Espírito Santo, conforme mapa encontrável no Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa. Junto a essa planta encontra-se a nota explicativa seguinte:

 “Plano do Rio do Espírito Sancto, comprehendida a barra suas fortalezas e Vilas.

Explicação

Os Algarismos que vão notadas na barra deve-se emtender por braças de oito palmos, foy esta sonda feita com marés mortas, e com marés cheias de agoas vivas, há de ter no mais baixo da barra, tres braças e meia.

Pelo Rio acima the a vila da Vitória, onde não vão notadas as braças, tem fundo capas de passar huma Nau. O lugar notado com a letra N he a praia de Suha, onde o Olandes fes o seu desembarque no principio do reinado do Senhor D. João quarto. O Rio chamado, Rio da costa, as suas áreas tem emtopido a barra, principalmente em tempo de seca, e no tempo de cheias fica a barra mais larga meia braça. Na ponta do Nordeste da Ilha do Boy; pode-se fazer huma boa fortificação, para a defeza da barra, e impedimento a alguns lanxoens, que possão fazer desembarque na praia de Maroipe.”

A planta em questão, além de se prestar ao conhecimento da baía de Vitória no século XVIII e a estudos sobre o seu assoreamento, serve como documento informativo para uma análise da evolução urbana e territorial da região. Nela podemos encontrar as referências seguintes:

– Na margem sul: morro fronteiro à barra (Moreno), rio “da costa”, convento de N. S. da Penha dos religiosos franciscanos, forte de São Francisco Xavier da Barra, vila do Espírito Santo (Vila Velha), rio de “areviri” (Aribiri), Pão de Açúcar (Penedo).

– Na margem norte: ponta de “Piraem” (Tubarão), ilha do “Boy”, ilha dos Frades, rio de “Maroipe” (canal de Camburi), letra N (demarcando a praia de Suá), ponta da praia de Bento Ferreira, forte de S. João, reduto de N. S. da Vitória, forte de S. Diogo (próximo à atual escadaria S. Diogo, na praça Costa Pereira), fortaleza de N. S. do Carmo (próximo à atual praça Oito), forte de Santo Inácio (próximo à atual rua General Osório). Está também indicado o lugar onde se situava a vila da Vitória (Cidade Alta).

Dessa rápida e ligeira análise documental, concluímos a existência de um amplo inter-relacionamento sócio-econômico e político entre Espírito Santo e Minas Gerais desde o século XVIII, especialmente aqui demonstrado sob o aspecto da produção aurífera versus sistema defensivo de Vitória.

  

Fonte: História do Estado do Espírito Santo, 3edição, 2008 
Coordenação editorial: Fernando Antônio de Moraes Achiamé
Revisão e atualização do texto: Reinaldo Santos Neves
Compilação: Walter de Aguiar Filho, junho/2015

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