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Entrevista do Site Morro do Moreno com o condutor do bonde em Vila Velha - em 27/04/05

João Simões - Condutor de Bondes em Vila VelhaJoão Simões - Condutor de Bondes em Vila VelhaJoão Simões - Condutor de Bondes em Vila Velha

Confira a entrevista feita com o Condutor do Bonde em Vila Velha JOÃO SIMÕES, o CABEÇÃO uma das grandes personalidades da cidade.

Do alto de seus 90 anos de vida o Sr. João falou de sua lembranças da Vila Velha do bonde.

Site: O SR. É DE VILA VELHA MESMO?
João: Não. Eu sou de Guarapari, aliás, município de Guarapari, Aldeia Velha.

Site: EM QUE ANO O SR. NASCEU?
João: Em 1915.

Site: O SR. VEIO PARA VILA VELHA JÁ ADULTO?
João: Primeiro eu vim para servir o Exército no 3º B. C. (Batalhão de Caçadores). A gente chamava Caça Ratos. Quando acabou o Exército, voltei para Guarapari. Depois eu vim para Vila Velha definitivamente em 1947, e entrei para a Companhia de Bonde em dezembro.

Site: O SR. NÃO QUIS CONTINUAR NO EXÉRCITO, SEGUIR CARREIRA?
João: Eu quis, aliás, eu fiz requerimento para engajar, porque a gente fazia o requerimento, mas deu indeferido para todo mundo, naquele tempo não teve jeito pra ninguém. Eu era Sinaleiro Observador, inclusive hoje é um posto que não existe mais.

Site: O SR. CONHECE A HISTÓRIA DO SINALEIRO DO MORRO DO MORENO, JOÃO MORENO?
João: Eu sei que tinha um sinaleiro, mas a nossa sinalização era exclusivamente do Exército. Eu sabia o alfabeto Morse todinho. A gente fazia requerimento, engajava, entrava no curso de telegrafista, e ia adiante. Mas infelizmente ou felizmente, não sei, não deu.

Site: O SR. TINHA QUANTOS ANOS NA ÉPOCA DO EXÉRCITO?
João: Eu tinha 21 anos mais ou menos.

Site: O SR. JÁ ERA CASADO?
João: Ainda não. Eu casei em 39, pela primeira vez. Não, casei uma vez só mesmo graças a Deus. Sério foi uma vez só, com a segunda mulher, mãe dos meus filhos. “Aparte do filho, Lula”: Meu pai foi casado uma primeira vez, mas não deu certo, aí ele veio embora para Vitória. Aqui ele entrou na Companhia Central Elétrica e um dia, ele foi assistir um jogo no Morro de Jucutuquara, que passava no Campo do Rio Branco, quando ele conheceu minha mãe. Daí veio a prole de 5 filhos. Quando minha mãe morreu, ele teve outra mulher,que morreu e agora a última, quatro, a atual.

Site: O SR. ESTÁ A QUANTO TEMPO COM A ATUAL MULHER?
João: Diretamente? Tem uns 8, 9 anos. Mas antes disso a gente já se conhecia, já passeava...

Site: PORQUE O SR. TEM O APELIDO DE CABEÇÃO?
João: Esse apelido foi arranjado mesmo nos bondes. Os condutores e motorneiros, todos tinham apelidos, eu acho que não tinha um que não tivesse apelido. Cachimbinho, Tristeza, 101 e 102. Esses eram dois irmãos, 101 e 102, acho que por isso não tinham apelido. “Aparte do filho, Lula”: Na época do bonde, todos tinham um número de registro no quepe. Papai era o 132. E além do número, eles eram também chamados pelo apelido. Quem era o 132? Era o Cabeção.

Site: O SR. FOI CONDUTOR DURANTE QUANTO TEMPO?
João: Fui condutor de 1947 a 1963.

Site: O SR. TINHA QUANTOS ANOS?
João: Eu entrei com 35 mais ou menos.

Site: ANTES DISSO O SR. FEZ O QUÊ, QUANDO DEIXOU O EXÉRCITO? 
João: Eu voltei pra Guarapari, trabalhei de vendedor, de ambulante, depois trabalhei na Nibra, serviço de areia em Guarapari. “Aparte do filho, Lula”: Em Guarapari tem a areia monazítica. Então tinha uma empresa chamada Nibra que beneficiava a areia monazítica para exportação. Separava areia preta, branca, amarela e fazia uma classificação de areia. Depois que me desentendi com a mulher lá, eu deixei ela e vim para cá.

Site: COMO O SR. FOI ESCOLHIDO PARA TRABALHAR NO BONDE?
João: Eu tinha um primo que era condutor, Darly. Conversando, ele disse: Vem trabalhar nos bondes com a gente. Eu pensei: Será que dá certo? Aí fui, cheguei lá fiz uma entrevista e daí fiz a praticagem (um treinamento de aptidão), ficava uns dez dias mais ou menos com um funcionário mais antigo e fui direto trabalhar. E eu trabalhei foi de 1947 até 1963, 18 anos. Terminou o bonde de Vila Velha em 1963.

Site: E DEPOIS, O SR. FEZ O QUÊ?
João: Depois eu trabalhei mais 11 anos na Escelsa e aposentei em 1973. “Aparte do filho, Lula”: O bonde era da Companhia de Forças Elétrica, então com o advento da Escelsa, os funcionários da Companhia Central Brasileira, passavam automaticamente para a Escelsa. No novo trabalho, ele ia de casa em casa contando registro. E entregando talão também.

Site: O SR. PAQUERAVA AS MOÇAS NOS BONDES?
João: Ah, mas isso era muito, não era só eu não, a raça toda. Falava que era condutor de bonde, motorneiro, já se sabia que era paquerador mesmo. O negócio não era mole não.

Site: COMO ERA O DIA A DIA NA ÉPOCA DOS BONDES?
João: O bonde saía de Aribiri, da garagem e vinha direto para Vila Velha. Chegava em Vila Velha na parte da manhã, pegava a criançada que vinha para o colégio, saltava em Paul no Colégio, voltava à tarde, a mesma coisa. Eu ia passando e cobrando.

Site: QUAL ERA A MOEDA DA ÉPOCA?
João: Eram os réis. O valor da passagem era 500 réis de Paul a Vila Velha no bonde motor, e no reboque era 200 réis. O bonde era uma espécie de trem de ferro. Tinha o pessoal sentado nos bancos e tinha o estribo por fora, tipo uma tábua, de um lado e do outro, uns balaústres pendurados na frente dos bancos para ficar segurando e eu ficava por fora, no estribo, cobrando. O dinheiro era moedinha e as notas nos dedos. N. Site: Sr. João mostra como fazia com as notas na mão, veja foto ao lado. O passageiro dava o dinheiro para pagar a passagem, e era só apanhar a moedinha aqui e dar o troco e eles davam os réis na outra mão. “Aparte do filho, Lula ”: A roupa dele tinha bolsos grandes para isso. Era um uniforme cáqui. Eu morei em Alto Laje na casa da avó dos meus filhos durante 1 ano e pouco. Quando saía de lá, ás 2h da madrugada, a pé, não tinha ônibus para ir para a Praça Costa Pereira. Lá é que eu pegava um ônibus e chegava no serviço. Nunca encontrei um ladrão que me atacasse, nada, nada.

Site: TINHA MUITA GENTE QUE ANDAVA DE GRAÇA NOS BONDES?
João: Ah, isso tinha um monte. Mas tinha era muito. “Aparte do filho, Lula”: principalmente a rapaziada tinha prazer em dar o tombo no condutor. Quando ele ia pra frente, saltava e pegava cá atrás, quando ele ia para um lado, a molecada corria para o outro lado.

Site: E AS PONGAS (como eram chamadas as viagens de graça)?
João: O pessoal pulava com os pés juntos e saía pulando. Tomavam muita queda.

Site: O BONDE ANDAVA A QUAL VELOCIDADE MÉDIA?
João: Não ia a mais de 40 quilômetros não. Inclusive, o bonde tinha doze metros de comprimento.

Site: CABIAM QUANTAS PESSOAS NO BONDE?
João: Não tinha tabela certa. Mais ou menos uns 120, só nos bancos e no estribo. Mas aquilo pegava exagerado. Inclusive na Festa da Penha eu acho que nem o capeta cobrava tudo. Na Festa da Penha, tinha gente até em cima, no toldo do bonde. Não tinha como cobrar. Era o dia todo passando atrás dos outros, correndo pra cá e pra lá... Nossa Senhora!

Site: QUAIS ERAM OS LOCAIS DAS PARADAS DOS BONDES?
João: 
Saindo de Paul, do Cais das Barcas até Piratininga, parava na descida da Ilha das Flores, Vila Batista, aí vinha embora, chegava antes da pedra do Búzio (perto da Ilha da Conceição, do campo do Camelo). No Ataíde era o ponto principal, tinha um abrigo grande, depois parava no Cavalieri, tinha o ponto dos Vereza, depois no Aribiri, onde hoje tem o colégio Polivalente, depois na Glória, onde é a Padaria Vitória. Em frente à Igreja da Glória tinha outro ponto, aí Zé do Lula, no Centro de Vila Velha tinha uns 4, 5 pontos, e chegava até onde hoje é a Praça Duque de Caxias, outro ponto perto da Igreja do Rosário e depois até Piratininga.

Site: O BONDE LEVAVA QUANTO TEMPO DE PAUL ATÉ PIRATININGA?
João: 30 minutos. Era mesmo que um ônibus. Só parava mais nos pontos de cruzamento, como em Aribiri, mas nos outros pontos era igual a um ônibus.

Site: O BONDE ERA BARULHENTO?
João: Não, andava em silêncio.

Site: EXISTIA ALGUMA LENDA NOS BONDES?
João: No meu tempo não existiu. Acontecia era muito acidente. Uma vez um senhor veio do interior para pagar uma promessa. O bonde chegou ali no ponto do Polivalente e naquela descida, o bonde descarrilou, desgovernou, o motorneiro perdeu o controle. O bonde disparou, a chave estava contrária e o bonde entrou para dentro da garagem. O rapaz da promessa pulou na hora, bateu no muro e caiu com a cabeça embaixo da roda. Me lembro também do filho de Antenor Braga. Ele estava no reboque. Foi passar do reboque para o bonde pelo engate, escapuliu e o bonde passou por cima e ele perdeu a perna. Antenor Braga era um grande comerciante.

Site: TINHA ALGUMA TURMA QUE MARCOU ÉPOCA NO BONDE?
João: Teve uma vez que os soldados botaram fogo no bonde. Eles não pagavam passagem. Então arrumaram para eles pagarem 500 réis. A passagem era por exemplo 1500 réis. Aí eles acharam ruim e indignados, botaram fogo. Não pegou em tudo, mas teve um princípio de incêndio, isso eu me lembro.

Site: COMO ERA VILA VELHA ANTIGAMENTE?
João: Naquele tempo as ruas ainda eram de areia, sem calçamento. Não todas. O calçamento era só nas ruas principais, com paralelepípedo.

Site: QUAL ERA O LAZER DA ÉPOCA?
Praia
João: Praia naquele tempo quase ninguém usava. Inclusive a Praia da Costa, dali dos Maristas para frente, se podia andar direto que não tinha casa quase nenhuma. Tinha uma aqui e outra lá. Barracos. Inclusive eu me lembro que tinha uma velhinha que morava lá perto das Castanheiras, onde hoje tem a Terceira Ponte. Ela morava sozinha naquele barraco. 
Cinema
O que mais existia naquele tempo era cinema. Tinha o da Glória e um na praça de Vila Velha, onde hoje tem o Teatro Municipal. Mas para falar a verdade eu não ia muita a cinema não. Eu gostava era de andar quando estava de folga, bailes de carnaval... 
Carnaval
De carnaval eu gostava muito. Me vestia de baiana. Eu morava na Glória e queria ir para o Carnaval, foi o último dia, na terça-feira, eu era casado com a mãe dos meus filhos ainda. Eu estava de folga e disse assim: Ahh, eu vou. Não vou ficar em casa não. A mulher disse: Você não vai ao baile não, já foi ontem. Mas eu quero ir, eu vou. Então ela escondeu o dinheiro. Eu tinha uma peruca toda pretinha, bacana. Me arrumei, botei aquele vestido de mulher, até foi a vizinha que me pintou, um par de brincos grandes, peguei uma bolsa preta que ela tinha, sapato, saí. Lá vou eu. Chegava para os outros e dizia: Ô Moço, por favor, eu sou da Bahia, não sou daqui, eu vim da Bahia de avião, mas o avião foi embora e me deixou aqui e eu não sei pra onde eu vou, estou sem um tostão, estou até com fome, eu não tenho onde comer. Podia me arrumar algum dinheiro? Um dava um dinheiro, outro dava outro. Então encontrei um detetive da polícia e ele disse: Vem cá, você não é Cabeção não? Aí eu contei a história para ele, que era da Bahia, e ele disse: Toma vergonha, Cabeção... Toma cinco mil réis, está bom? Eu disse: Ôoo rapaz, cinco paus! Naquele tempo, com cinco mil réis, eu sei que bebi, me diverti e quando fui para casa estava com quarenta mil réis na bolsa ainda. A mulher disse: Mas você não tem jeito. Eu pulava carnaval na rua.

Site: DO QUE O SR. SENTE MAIS SAUDADE DA ÉPOCA DOS BONDES?
João: Ahh, eu sinto saudades dos amigos, da tranqüilidade. A gente podia andar de madrugada nas ruas de Vila Velha com segurança, não era do jeito que é hoje, com todo mundo preso em casa, sem poder sair.

 

Entrevistadora: Mônica Boiteux em 27/04/2005



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