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Fim da era dos chafarizes - Por Celso Caus

Jerônimo Monteiro e sua equipe

Somente na gestão de Jerônimo de Souza Monteiro (1908-1912), os capixabas de Vitória, depois de longa espera, finalmente conseguiram desfrutar de água encanada em suas casas, vinda das cabeceiras do Rio Duas Bocas, a cerca de 16 km, no município de Cariacica. Os serviços prestados pela Diretoria da Viação e Obras Públicas estavam sob o comando de Ceciliano Abel de Almeida. Em seu relatório enviado ao governador, em 30 de junho de 1909, Abel de Almeida apresentava informações sobre os serviços de sua Diretoria, sobretudo, o abastecimento de água.

Como o Executivo estadual criou a Prefeitura Municipal de Vitória, Ceciliano Abel de Almeida teve que se desvincular do seu cargo, já que fora nomeado prefeito, o primeiro de Vitória, também em 1909.

Com quatro longos meses de seca, o Governo foi obrigado a adotar medidas em tempo hábil para regularizar o fornecimento de água em domicílio, uma vez que os poucos chafarizes atendiam 12 mil pessoas.

A alternativa emergencial foi contratar o empreendedor Antenor Guimarães por cinquenta réis pelo barril de 16 litros. O contratante recebeu a subvenção de 400$000. A distribuição era feita em seis pipas até as primeiras horas da noite.

Enquanto isso, as águas das duas nascentes dos morros da Lapa e de São Francisco foram captadas e canalizadas em uma caixa na encosta do morro de São Francisco para abastecer o Palácio da Presidência, as repartições públicas e algumas casas particulares. O fato ocorreu em agosto de 1908. Quase um semestre depois, em janeiro de 1909, as duas nascentes secaram. No final da Rua 7 de Setembro, montou-se uma bomba para retirar – de um poço – água não potável para abastecer a caixa do morro de São Francisco. O local, hoje, abriga o Arquivo Público estadual. Uma segunda bomba foi assentada na Rua General Osório, junto à Escola Modelo, nos fundos de uma casa.

Diante da caótica situação e de acordo com o pensamento do Governo de dotar Vitória de um dos serviços mais reivindicados pela população desde 1828, em tom animador, Abel de Almeida relatou ao governador:

Felizmente o abastecimento d’água em Vitória já é um fato do qual não é lícito se duvidar, e a situação aflitiva da população desaparecerá para sempre; os expedientes de bombas e poços que aqui, a maior parte das vezes, só dão água insuficiente e de ínfima qualidade, estarão, de todo, abolidos. Como espírito-santense e como o mais obscuro dos auxiliares do patriótico Governo de V. Exa., só me resta o gratíssimo dever de sinceramente congratular-me com V. Exª. pela próxima realização do melhoramento, que marca, por si só, o fim de uma era de entorpecimento e o começo do franco progresso da Capital do nosso estremecido Estado.” 

O impulso tomou fôlego com os estudos direcionados ao abastecimento de água em Vitória. A Companhia Brasileira Torrens já havia iniciado a construção da represa no Rio Formate e de outras obras destinadas ao assentamento de tubos, no final do século XIX. Ceciliano visitou o manancial, em 24 de junho de 1908, observou a boa qualidade da água, porém, duvidou da quantidade. Tudo se esclareceu com as informações dos moradores antigos, inclusive do proprietário da área onde a represa fora construída.

Em agosto de 1908, Ceciliano visitou o Braço Sul do Rio Jucu e verificou que, na altitude de 102 metros, nas proximidades do primeiro túnel da Estrada de Ferro Sul, Km 34, haveria possibilidade de se fornecer 2.400.000 litros em 24 horas ao reservatório da cidade. Na altitude de 171,5 metros, a vazão do rio era de 7 metros cúbicos por segundo. A confirmação ocorreu em duas fases: outubro daquele ano e janeiro de 1909. Com aquela vazão, evidenciou-se que o Braço Sul não só tinha condição de realizar o abastecimento de água como também de montar a usina elétrica.

A partir de janeiro de 1909, Abel de Almeida, em companhia de Augusto Ferreira Ramos e Raul Ribeiro, visitou outros mananciais, como o Rio Borba, a cerca de 8 Km de Viana, numa cota de 150 metros, com vazão suficiente para abastecer a cidade. Visitaram também o Duas Bocas. Este foi escolhido para atender a capital, já que abastecia a Vila de Cariacica há 15 anos. Mais: com água de qualidade superior e facilidade para transportar material pela Estrada de Ferro Vitória Diamantina e a baía da Vitória. Outra vantagem: demandava menos desapropriações se comparado aos demais rios. Além disso, sua perenidade fora confirmada por informações de moradores que viviam no local, alguns há mais de 100 anos.

Na já citada mensagem ao governador, Ceciliano Abel de Almeida finalizou:

“Enfim, já sendo esse rio empregado no abastecimento da Villa de Cariacica, com resultados esplêndidos, devido à excellência de suas águas, e sendo attestada a sua perennidade por pessoas respeitabilíssimas que fornecem informações seguras, que remontam há mais de 100 anos, não se pode esperar senão, que o seu aproveitamento traga a Victoria todo o beneficio que costumam offerecer às populações as águas potáveis de bôa qualidade.”

O Rio Santa Maria da Vitória foi descartado porque a altitude necessária para abastecer Vitória ficava há mais de 50 km de distância, sem mencionar a necessidade de grandes desapropriações. Seria utilizada a Cachoeira da Fumaça, do Santa Maria, para a instalação da usina elétrica, caso o Braço Sul do Jucu não apresentasse, sob muitos aspectos, maiores conveniências.

Enfim, os estudos concluíram que a instalação da usina elétrica seria no Braço Sul do Rio Jucu e a captação da água pelo Rio Duas Bocas. O contrato firmado com Augusto Ramos, em 13 de novembro de 1908, foi homologado pelo Congresso no dia 16 do mesmo mês. Os objetivos eram executar a captação no Braço Sul, alimentar o reservatório com 2.400.000 litros por dia, ou seja, 27,8 litros por segundo, e manter potência de 400 cavalos elétricos na usina distribuidora. Os serviços foram iniciados em 17 de dezembro de 1908.

Com os levantamentos realizados por Abel de Almeida, a captação de água passava para as cabeceiras de Duas Bocas, denominadas Pau Amarelo, onde o comprimento da adutora era menor.

 

Aditamento de contrato há mais de 100 anos

Decidiu-se pela captação no Rio Duas Bocas e, como medida compensatória pelo encurtamento da adutora e pela mudança da captação, estabeleceu-se um aditamento, em 6 de agosto de 1909, ao contrato original. O contratado obrigou-se às seguintes cláusulas:

1. Fornecer ao reservatório de distribuição 3.600.000 litros ao invés de 2.400.000 litros.

2. Abreviar o prazo para o término dos trabalhos.

3. Levantar a planta topográfica e cadastral da cidade.

4. Fazer a captação no Rio Pau Amarelo a cerca de 3,5 km a montante (antes da barragem) da atual represa e executada pelo Município de Cariacica.

5. Fornecer 800 cavalos elétricos ao invés de 400.

6. Empregar lâmpadas de 50 velas e focos de 800 velas em substituição às de 32 velas e focos de 500 na iluminação da cidade.

7. Fornecer em duplicata a turbina, a geradora e o transformador.

Em virtude desse aditamento, o Estado concederia ao contratado a utilização por 35 anos de 130 Kilowatts, correspondentes à força de 200 cavalos elétricos, sem prejuízo da energia elétrica de 800 cavalos, e facilitaria sem prejuízo de seus interesses a montagem e exploração de fábricas ou empresas que utilizassem 130 kilowatts.

Analisando as condições contratuais daquela época, esse aditivo, se fosse realizado na atual legislação de licitação, dificilmente obteria êxito e a primeira captação de água para a capital teria sido no Braço Sul do Rio Jucu e não no Rio Duas Bocas.

A captação em Duas Bocas, notadamente no Rio Pau Amarelo, ficou a montante da captação inicial da Vila de Cariacica. Com o desnível de 125 metros aproximados entre a captação e o reservatório da cidade localizado há 16 quilômetros, o diâmetro da adutora fora dimensionado em 250 mm de aço. Nessa condição, a adutora veicularia 4 milhões de litros em 24 horas. Situação diferente foi definida para a travessia da baía de Vitória, em direção ao reservatório, feita em duas tubulações de 150 mm cada, com luva e rosca de construção especial. Já naquela época, utilizavam ventosas, registros de parada e descargas. A tubulação tinha proteção asfáltica, com juta alcotroada. As soldas do tubo de 250 mm foram feitas com chenulo desfibrado (filasse). Nas travessias aéreas, os pilaretes eram de alvenaria de pedra. O reservatório foi dividido em duas câmaras. Os tubos para rede de distribuição eram de 250 mm de aço e ferro fundido para 8, 6, 5 e 4 polegadas. Para os diâmetros de 3 e 2 polegadas, utilizou-se o ferro galvanizado.

Em 13 de março de 1909, chegaram da Antuérpia no navio alemão Asuncion, 689 tubos de aço, cinco barricas de asfalto, dois fardos de juta, dois barris de bastão de madeira, 18 volumes contendo peças de chafariz, 25 sacos de cordas de cânhamo, duas caixas de isoladores e 85 peças de acessórios para os serviços destinados à água e à luz elétrica. Em 17 de maio, outro vapor alemão, o Macedônia, trazia mais materiais, incluindo cinco caixas com chumbo para os serviços de tubulação de água. Tanto o material para os serviços de água quanto de luz foram transportados pelas Estradas de Ferro Sul e Vitória Diamantina. Contudo, o transporte dos tubos Mannesmann, de 250 mm, com comprimento variando de 10 a 12 metros, pesando de 500 a 600 quilogramas, foram conduzidos também por carros de bois.

O tubo adutor era todo Mannesmann e tinha quatro trechos principais:

1. Da represa inicial, ou seja, daquela que atendia Cariacica Sede até a atual, projetada no Rio Duas Bocas (Rio Pau Amarelo).

2. Desse último ponto até Guayamuns.

3. Travessia do canal (baía de Vitória).

4. Trecho situado na ilha de Vitória: do canal até o Reservatório de Santa Clara.

O primeiro teste da adutora foi realizado em 9 de julho de 1909 no trecho até Guayamuns, quando o reservatório estava quase concluído, assim como a travessia da adutora na baía. A rede de distribuição começava a ser implantada.

É interessante comentar o diâmetro, o volume do reservatório e a vazão de água para a cidade, definidos pelo engenheiro Ceciliano Abel de Almeida. Como o desnível entre a captação e o Reservatório de Santa Clara era de aproximados 125 metros, e o comprimento da adutora de 16 Km, então, o diâmetro compatível para essa condição era realmente o de 250 mm e, consequentemente, a vazão a ser veiculada de aproximados 46 litros por segundo. Com isso, definiu-se que o volume do Reservatório de Santa Clara seria de 4 milhões de litros por dia, ou seja, 4 mil metros cúbicos. Concluindo: os cálculos de engenharia estavam corretíssimos.

Os serviços de luz, água e esgoto contratados de Augusto Ferreira Ramos, iniciados em 17 de dezembro de 1908, totalizaram em média 623 trabalhadores entre março e julho de 1909. Também atuaram seis engenheiros, seis auxiliares técnicos, dois desenhistas e oito auxiliares de escritório.

Os serviços de luz foram inaugurados em 23 de setembro de 1909. O de água teve até festa no Morro de Santa Clara, local do reservatório. Chegava, assim, o fim da era do abastecimento pelos chafarizes e das tropas de burros fretadas para transportar água pelas ruas, vielas e ladeiras.

Além dos colégios e repartições públicas, no final do Governo Jerônimo Monteiro, 1.279 casas já eram abastecidas com água encanada.

 

O centenário da Reserva de Duas Bocas

No dia mundial da água – 22 de março de 2012 – comemorou-se o centenário da Reserva de Duas Bocas. Vale registrar também que o Governo Jerônimo Monteiro, para proteger a captação e garantir a qualidade e quantidade da água que há três anos já atendia Vitória, tomou providências para desapropriar as terras da Reserva Biológica (Rebio).

Foi necessária a retirada de moradores que viviam às margens da atual barragem maior que abastece, atualmente, em torno de 45 mil moradores de Cariacica Sede e bairros adjacentes. Caminhando 3,5 mil metros até uma antiga barragem – construída em 1918 – é possível verificar vestígios de construções no meio da mata. Uma área com plantações de jaqueiras demonstram que, no passado, houve moradores no local.

 

Esgotamento sanitário

A conclusão dos serviços de esgoto ocorreu em 29 de janeiro de 1911. Consistia de tubos de manilhas, dois poços com estações elevatórias de 30 cavalos de força cada, que bombeavam para o Forte de São João, então, área distante da cidade. Um sifão colocado em ponto apropriado descarregava o esgoto diretamente no mar, em caso de falha no bombeamento. Vale um comentário: como naquela época não existiam leis ambientais, não havia punição para crime contra a natureza.

 

Fonte:  Das Fontes e Chafarizes às Águas Limpas – Evolução do Saneamento no Espírito Santo – Cesan, 2012
Autor: Celso Luiz Caus
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2019

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