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Francisco Gil Araújo - Por Nara Saletto

Guarapari fundada por Francisco Gil Araújo

Francisco Gil de Araújo nasceu na Bahia, filho de um rico mercador, Pedro Garcia, e de Maria de Araújo, descendente do famoso Caramuru, náufrago português que se integrou a uma comunidade indígena e foi encontrado, quando se iniciou a colonização da Bahia, vivendo como patriarca de uma extensa família mameluca. Francisco seguiu a carreira militar; era soldado em 1635 e alferes três anos depois, quando participou da defesa da cidade de Salvador contra os holandeses fixados em Pernambuco. Foi ferido no combate e portou-se com bravura, recebendo uma recompensa por sua atuação. Continuou com destaque sua carreira, chegando ao posto de coronel.

Simultaneamente, tomou-se um rico senhor de engenho e ocupou pelo menos um cargo importante, o de juiz da Câmara da Bahia. Usava o título de fidalgo e demonstrou ser um homem influente, pois o padre Simão de Vasconcelos dedicou a ele sua famosa biografia do padre José de Anchieta.

Já na meia-idade, rico e poderoso, lançou-se a um empreendimento ousado: comprou a donataria do Espírito Santo, em 1674. O último herdeiro da capitania, Câmara Coutinho, descendente de Vasco Fernandes, homem de grande projeção que ocupou importantes cargos na administração colonial, inclusive o de governador-geral, preferiu vendê-la e obteve autorização da Coroa para isto.

Naquela época, segunda metade do século XVII, a economia açucareira estava em crise. Portugal perdera o monopólio do mercado de açúcar, pois os holandeses haviam conquistado Pernambuco e, quando foram expulsos, passaram a produzir açúcar em grande escala nas Antilhas. Com o aumento da produção e a concorrência, o preço do produto entrou em baixa irreversível, com sérios danos para a economia açucareira do Brasil, que tinha dificuldade de reduzir seus custos e de disputar o mercado com os holandeses, que se haviam tomado os grandes intermediários do comércio europeu.

Diante disso, as expectativas se voltaram, mais do que nunca, para a descoberta do ouro e das pedras preciosas. Multiplicavam-se as “entradas” — estimuladas pela Coroa portuguesa, muitas vezes projetadas pelo governo-geral —, de São Paulo partiam as grandes bandeiras, em vários pontos do território organizavam-se expedições. E o Espírito Santo, segundo as informações acumuladas ao longo do tempo, ficaria próximo das sonhadas jazidas.

Essas, certamente, foram as expectativas de Gil de Araújo quando investiu seus cabedais, acumulados na economia açucareira, na compra da capitania e na realização de várias “entradas”. O investimento foi elevado: a donataria custou 40 mil cruzados e as duas principais “entradas” consumiram 12 mil cruzados, que eram equivalentes ao custo de instalação de um engenho real de açúcar, o tipo mais caro da época. Porém, na ocasião parecia um investimento promissor; poucos anos antes chegara ao rei a notícia do descobrimento de minas na região, por Antônio de Espinha; quando se deu a compra, circulavam outra vez notícias da existência de ouro e pedras nos “serros situados na altura desta donataria”. Ou seja, no lugar onde efetivamente se encontraram, algum tempo depois, as minas de ouro, e aquela região fazia parte da capitania do Espírito Santo, segundo o traçado original das capitanias hereditárias.

As insistentes informações motivaram a articulação de uma “entrada” pelo governo-geral, sob o comando do capitão-mor Gonçalves de Oliveira, que governava a capitania em substituição ao donatário e se propunha a realizá-la às suas próprias custas, o governo garantindo apenas o fornecimento de alguns produtos e a cessão de 150 índios, retirados das aldeias de Cabo Frio, Rio de Janeiro e Porto Seguro, além de recompensas futuras em caso de descoberta.

Confirmada a compra da capitania, Gil de Araújo protestou contra a realização da “entrada”, junto ao governo geral, e escreveu ao rei e a um dos seus ministros, alegando que o Espírito Santo ‘‘não estava em estado de sem sua presença intentar aquela jornada. Se o regente quisesse ele a custearia de bom grado, pois José Gonçalves de Oliveira era incapaz de a levar a cabo. ”

Após algumas hesitações da Coroa, acabou sendo atendido; foi cancelada a expedição e oferecidas a ele as mesmas condições prometidas ao capitão-mor (Documentos Históricos, LXVII, 189).

Segundo as informações até agora disponíveis, o donatário teria realizado duas grandes “entradas”, pelo Rio Doce, provavelmente à procura da legendária Serra das Esmeraldas, e diversas outras de menor porte, sem qualquer sucesso. O fracasso dessas expedições custou caro ao Espírito Santo, pois alguns anos depois as minas de ouro seriam descobertas pelos paulistas e a área onde se localizavam incorporada a São Paulo e depois desmembrada, formando a capitania de Minas Gerais. O Espírito Santo perdeu a parte mais valiosa do seu primitivo território e foi transformado em barreira para proteger as Minas, dos estrangeiros, e o ouro, do contrabando, impedido até de se beneficiar de relações econômicas com a região mineira.

Gil de Araújo passou menos de cinco anos no Espírito Santo, mas, uma “Informação” assinada pelo provedor da Fazenda Real na capitania, sobre sua atuação menciona uma série espantosa de realizações, uma notável eficiência e um inusitado desprendimento (Oliveira, 1975, pp. 168-169). Ele teria cuidado da defesa de Vitória, muito exposta aos ataques inimigos; concluído a construção de um forte, do Monte do Carmo (situado onde é hoje a Avenida Jerônimo Monteiro, perto do antigo Correio), que encontrou nos alicerces - na verdade há registro de que o forte já existia e funcionava havia pelo menos uma década —, teria reformado o forte de São João e projetado o de São Francisco Xavier, na entrada da barra. Dobrou o contingente militar profissional, de 20 para 40 homens, e aumentou o número de companhias de Ordenanças (tropas não profissionais nem permanentes, formadas pelos moradores), de 4 para 9.

Reformou a sede da Câmara de Vitória e a Casa de Misericórdia (Santa Casa); em Vila Velha construiu a Casa da Câmara, que a vila nunca tivera, e o pelourinho. E todas essas obras foram custeadas pelo próprio donatário. Naquela época, e em 5 anos, sem dúvida é demais!

Organizou as finanças, cobrando rigorosamente os impostos, o que permitiu a elevação da renda da capitania, sempre insuficiente para cobrir as despesas. Contudo, a arrecadação foi muito inferior ao nível alcançado durante as primeiras décadas do século, refletindo a crise econômica. O mesmo rigor foi usado na cobrança de duas taxas extraordinárias que a Coroa impusera, “do dote de Inglaterra e da paz da Holanda”, ou seja, as vultosas importâncias pagas como dote da princesa de Portugal que se casou com o rei Carlos II da Inglaterra, e em troca da assinatura da paz com a Holanda, que já havia conquistado grande parte do Império Português. Havia seis anos a capitania não pagava, e provavelmente não arrecadava essas taxas, altamente impopulares. Logo que assumiu o governo, Gil de Araújo cobrou todos os atrasados e regularizou o pagamento, enviando ao todo 4 mil cruzados. O mesmo fez em relação a uma taxa que era devida à Casa de Misericórdia de Lisboa, que importou em 12 mil cruzados!

Gil de Araújo fundou a vila de Guarapari, no lugar onde havia uma aldeia de jesuítas. Era a terceira vila criada na capitania, e talvez sua fundação tenha sido precipitada, pois numa carta ao governador-geral, o rei afirmou ter sido informado de que “Francisco Gil (...) não tem povoado a vila de Guarapari com o número de moradores a que se obrigou quando pediu licença para a sua fundação ... ”(0liveira, 1975, p. 161).

A ação do donatário também se fez sentir na economia. Estimulou a produção de açúcar, fornecendo crédito aos engenhos e aos plantadores de cana, trouxe da Bahia muitos casais de colonos aos quais doou terras e fez empréstimos, e proibiu o cultivo de algodão nas propriedades com mais de seis trabalhadores, alegando que esse produto estava prejudicando o comércio e as demais culturas. Ao que tudo indica, o donatário procurou deter o início da expansão daquele cultivo, e talvez a tenha retardado, em benefício do açúcar. Em todo caso, algumas décadas depois a produção de algodão sobrepujará a de açúcar. E possível que a medida fosse uma reivindicação dos senhores de engenho, cujos fornecedores de cana estariam se passando para o novo produto, deixando seus custosos engenhos ociosos.

Gil de Araújo se envolveu numa questão com o donatário da capitania de Paraíba do Sul, filho do poderoso Salvador Correia de Sá, a respeito dos limites entre aquela capitania e o Espírito Santo. Por duas vezes mandou retirar os marcos divisórios fixados pelo vizinho, e alegou, quando questionado pelo ouvidor geral, que eles invadiam o território de sua donataria.

Em 1682, frustradas suas expectativas de descobrir os minerais preciosos, Gil de Araújo encerrou sua dinâmica gestão da capitania, pedindo ao rei autorização para nomear um substituto, “em razão da perda mui considerável” que tinha em razão de não poder administrar pessoalmente suas propriedades e negócios na Bahia. Atendido, regressou à terra natal, onde faleceu três anos depois.

 

Autora: Nara Saletto
Fonte: Donatários, Colonos, Índios e Jesuítas  - O Início da Colonização do Espírito Santo, 1998 (Coleção Canaã Volume 4 Arquivo Público Estadual Secretaria de Estado da Cultura e Esportes Governo do Estado do Espírito Santo)
Compilação: Walter de Aguiar Filho, junho/2019

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