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Governador Silva Pontes tenta superar o atraso

Rio Doce - Foto: A Tribuna 01/07/2007

Nomeado em 1798, Antônio Pires da Silva Pontes só a 29 de março de 1800 tomou posse como governador da Capitania do Espírito Santo.

Silva Pontes era um homem de espírito invulgar, intelectualmente acima dos seus contemporâneos. Doutor em matemática pela Universidade de Coimbra, geógrafo apaixonado pela flora e fauna, o novo governante do Espírito Santo — subalterno, aliás, do governo da Bahia — estudou demoradamente a situação da terra que passaria a governar. Durante os dois anos que antecederam a sua vinda, mas já nomeado para as novas funções, pesquisou a história, a situação econômica, a política e até a geografia da Capitania.

Astrônomo e geógrafo, preocupava-se especialmente com a abertura e navegação do Rio Doce.

Tendo assumido o governo em 29 de março, em 8 de outubro do mesmo ano assinava, com o governador de Minas Gerais, o Auto de Demarcação de Limites, o chamado Auto de 1800.

O rei de Portugal reconhece oficialmente este documento em Carta Régia de 1816:

"Sou servido ordenar o seguinte: que se promova com a maior atividade a comunicação dessa Capitania (Minas Gerais) com o Espírito Santo por muitas e diferentes estradas, tantas quantas julgarem convenientes, sendo feitas as despesas da sua construção pela junta de Minha Real Fazenda, de cada uma das ditas Capitanias, na parte que fica dentro dos limites das mesmas Capitanias, regulados pelo Auto de Demarcação, celebrado em 8 de outubro de 1800 em que se tomou por limite a linha Norte-Sul tirada pelo ponto mais elevado que se acha entre os Rios Guandu e Manhuaçu, na sua entrada no Rio Doce, ficando, por conseqüência, pertencendo à jurisdição do Governo da Capitania de Minas Gerais o terreno que se acha a oeste desta linha e do Governo da Capitania do Espírito Santo o que se acha a leste da mesma linha."

Alguns historiadores acusam Silva Pontes de apressado, favorecendo a Capitania de Minas Gerais, onde nascera, na cidade de Mariana. Dizem que num tempo de comunicações lentas e de transportes mais lentos ainda, bastaram, a um governador estranho à Capitania do Espírito Santo, apenas seis meses e nove dias para todas as negociações de um assunto tão complexo como os limites com a Província vizinha.

Já foi dito que a nomeação de Silva Pontes datava de dois anos antes da sua chegada. E que, durante esses dois anos, ele estudou demoradamente todos os detalhes da Capitania que iria governar.

Uma das suas idéias era fazer do Rio Doce uma via de progresso. Apoiado por Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, ministro de Sua Majestade, seu amigo e protetor, o empreendimento foi estudado sob todos os ângulos: construção de estradas para a movimentação de homens e mercadorias, de quartéis para a fiscalização e outros detalhes, estabelecimento de comunicações mais rápidas entre a sede do governo e as demais Capitanias. O sistema anterior fundava-se no isolamento total do Espírito Santo. Havia agora a necessidade, tornada urgente, do intercâmbio, principalmente com a Capitania de Minas Gerais. Projetava-se organizar relações comerciais diretas entre Minas Gerais e Lisboa. O Rio Doce seria, naturalmente, a via obrigatória de transporte.

A idéia do governante era fazer do Rio Doce uma via de transporte

O plano era povoar e colonizar a região do Rio  Doce com a mão-de-obra vinda de Minas Gerais. com a decadência da mineração.

A "escritura de terras" era um ato a mais de organização nas dificuldades. Estabelecer limites para evitar dúvidas e antagonismos. A ordem era tentar progredir, superando o atraso, pois o desenvolvimento do Estado ficou estacionado por todo um século.

Há outra acusação a Silva Pontes: que teria doado terras espírito-santenses a Minas Gerais.

Se eram 50 léguas de frente, para obter 800 léguas quadradas seria preciso que o fundo fosse de 16 léguas. Não temos qualquer registro desse fato. Pelo contrário, lembramos mais uma vez Saint Hilaire, que aqui esteve no começo do século XIX:

"A população do Espírito Santo não se elevou a mais de 24 mil almas e não se pode saber da superfície habitada desta província que, em 152 léguas quadradas, cada légua contém, em média, cerca de 150 indivíduos."

Com este número e esta densidade demográfica não havíamos ocupado nem mesmo a área determinada pelo Auto de 1800, que demarcava os limites.

O Auto de 1800 impediu a expansão de Minas Gerais no rumo do mar. Preservou o território do Espírito Santo. Foi também o marco de abertura do Estado.

Silva Pontes escrevia para Portugal dizendo que "só o distrito desta nova Capitania, das cachoeiras para baixo do Rio Doce forma a mais bela província das marítimas do Brasil".

O governador estudou a flora e a fauna. Há, no Arquivo Ultramarino, documentação completa sobre a vegetação existente na Capitania do Espírito Santo. Num tempo em que a preocupação com a ecologia não existia, esse governador era um autêntico preservador do ambiente natural. A documentação existente sobre o assunto leva a sua assinatura.

O Rio Doce era para ele o Nilo Brasiliense. Era necessário promoverem-se ali todas as obras indispensáveis à navegação comercial. Assim, foram determinados estudos para seu aproveitamento.

Compreende-se, nesse tempo, a importância excepcional da região do Rio Doce, por ser geograficamente a saída natural da Capitania das Minas Gerais.

A principal ligação com Minas Gerais viria no início do século XX

A verdade é que demorou mais de um século, até que, sob a chefia de Teixeira Soares, Pedro Nolasco e Álvaro Mendes, em 1904, começasse a ser implantada no solo espírito-santense a estrada de ferro Vitória a Minas. Era o início da ligação entre Minas Gerais e o mar através do Espírito Santo, no rumo do Porto de Vitória.

O Rio Doce, malgrado as tentativas de Silva Pontes, não assumiu o papel de Nilo brasileiro. Não pôde ser aproveitado como via navegável para a desejada interligação. Isso, por causa de uma barra baixa, uma profundidade pequena no Espírito Santo, uma seqüência de corredeiras, em Minas Gerais. Sua profundidade seria para embarcações que não ultrapassassem 40 centímetros de calado. Haveria o recurso de canalização, porém o custo do empreendimento estava sempre acima das possibilidades do governo.

Com a assinatura do Auto de 1800 e o rompimento das ordens de vigilância contra o contrabando do ouro, os caminhos foram abertos. Houve a permissão de estabelecer-se o intercâmbio do Espírito Santo com o interior, mas não houve nenhuma possibilidade do fato acontecer. As comunicações, já estabelecidas para Rio, Santos e Salvador, não mudariam para Vitória como num passe de mágica.

Em 1810, a Capitania libertou-se da tutela da Bahia. Podia tratar dos seus interesses junto ao trono, já então instalado no Rio de Janeiro.

Mas em 1811 as dificuldades eram muito grandes. Os negócios em Vitória se restringiam aos produtos da terra, em pequena escala, porque a agricultura estava praticamente abandonada.

O intercâmbio com Minas Gerais e todo o interior, depois de anunciado e programado entusiasticamente por Silva Pontes, ainda não passava de miragem para um futuro não previsível.

 

Fonte: Jornal A Gazeta, A Saga do Espírito Santo – Das Caravelas ao século XXI – 23/09/1999
Pesquisa e texto: Neida Lúcia Moraes
Edição e revisão: José Irmo Goring
Projeto Gráfico: Edson Maltez Heringer
Diagramação: Sebastião Vargas
Supervisão de arte: Ivan Alves
Ilustrações: Genildo Ronchi
Digitação: Joana D’Arc Cruz    
Compilação: Walter de Aguiar Filho, junho/2016

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