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Maracajaguaçu - Por Nara Saletto

Serra, 1875 - Região onde hoje existem as praças João Dalmácio Castello, Praça de Encontro e Barbosa Leão Foto: Albert Richard Dietze

Maracajaguaçu (Gato Grande, em português) era um índio tupi, povo que habitava grande parte do litoral brasileiro na época da chegada dos portugueses. Pertencia à tribo dos maracajás, ou “índios do Gato”, localizados na Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro.

Guerreiro valente e hábil, tomou-se cabeça de uma numerosa parentela, chefe de grande prestígio em sua tribo. Era temido pelos inimigos, os tamoios, vizinhos dos maracajás, aos quais infligira várias derrotas. Mas as lutas entre tribos, que faziam parte do modo de vida dos indígenas naquela época, haviam tomado uma nova feição após a chegada dos europeus.

Inicialmente, estes procuravam atrair os índios das áreas onde se estabeleciam fornecendo-lhes produtos europeus que desconheciam — instrumentos de trabalho, espelhos, tecidos, objetos de adorno — em troca de serviços diversos, referentes à alimentação, transporte, condução de pessoas, etc.... Logo passaram a exigir pau-brasil em troca dos seus produtos. Esse escambo era visto pelos índios como manifestação de amizade, que acabava estabelecendo uma relação de aliança. A partir daí, as disputas de seus parceiros, com outros europeus ou outros índios, passavam a ser também deles, que se viam envolvidos em guerras muito mais frequentes, em áreas mais extensas. A mudança fundamental se deu, porém, com a introdução do tráfico de escravos indígenas. Os portugueses passaram a demandar índios aprisionados nas guerras tribais, estimulando seus aliados a atacar e aprisionar seus inimigos, o que provocava o revide dos atacados e a consequente manutenção da guerra incessante.

Nessas condições viveu Maracajaguaçu no Rio de Janeiro, cenário de encarniçadas lutas entre franceses e portugueses. Seus inimigos tradicionais, os tamoios ou tupinambás, aliaram-se aos franceses, que faziam comércio de pau-brasil e tentaram conquistar a região, chegando a estabelecer uma colônia na Guanabara, onde habitavam os maracajás. Estes eram aliados dos portugueses, que procuravam desalojar os franceses e, além do comércio de pau-brasil, passaram a traficar escravos indígenas, destinados a abastecer os engenhos de açúcar que se multiplicavam nas capitanias, sobretudo em São Vicente. E os índios escravizados eram os tamoios, inimigos de seus aliados, os maracajás e tupiniquins, e muito mais numerosos do que estes em toda a região que vai de Cabo Frio até o litoral norte de São Paulo. A revolta dos tamoios e o fortalecimento dos franceses desequilibraram totalmente a correlação de forças contra os maracajás.

Em 1555, derrotado e cercado pelos inimigos, Maracajaguaçu teve de pedir proteção aos portugueses. Enviou um de seus filhos ao Espírito Santo com um apelo para que viessem buscar sua parentela, e a promessa de que se tornariam cristãos. Vasco Coutinho, que vivia em grandes dificuldades com os índios da região, não podia perder esta oportunidade de trazer aliados valiosos, e rapidamente mandou uma expedição com quatro navios bem armados, que chegou quando a aldeia estava no fim de sua resistência e conseguiu transportar Maracajaguaçu e sua gente para Vitória.

Instalaram-se na Serra, formando uma aldeia (taba), onde os jesuítas logo iniciaram a catequese. Maracajaguaçu foi tratado com grande deferência pela elite da capitania. Um de seus filhos, seriamente doente, recebeu o batismo, tendo como padrinho Duarte de Lemos (ver Vasco Fernandes Coutinho), que lhe deu seu sobrenome. Casou-se em seguida com a mulher com quem vivia, também batizada na ocasião. Os padrinhos do casamento foram dois dos mais poderosos colonos, sendo um deles Bernardo Sanches Pimenta, que substituiu o donatário em uma de suas viagens a Portugal. Quando o índio morreu, meses depois, fizeram-lhe uma cerimônia solene, com a presença do donatário, que fez o chefe indígena sentar-se entre ele e seu filho. Vasco Fernandes Coutinho convidou-o depois a receber o batismo e, ante sua resposta afirmativa, declarou “que lhe queria fazer uma grande festa no dia de seu batizado (...) e queria que tomasse seu nome, e sua mulher o de sua mãe, e seus filhos os nomes dos seus ...” (Jesuítas, 1887, p. 101). A mulher de Maracajaguaçu, que recebeu o nome de Branca, e exercia grande influência em sua aldeia, tomou-se muito devota e ligada aos jesuítas, o que deu grande impulso à catequese. (Valle Cabral, 1887, p. 220)

Apesar de tais honrarias, as relações com os colonos não eram fáceis e o chefe indígena chegou a se afastar dos portugueses, abandonando a aldeia. Foi dissuadido pelos jesuítas que conseguiram convencê-lo, após muitas hesitações, a retomar à aldeia e ali se estabelecer, em caráter permanente, sob a autoridade daqueles religiosos. Certamente não era uma decisão fácil; a transformação da taba em aldeia jesuítica significava a perda do que ainda lhes restava de autonomia e a rápida destruição de sua cultura. Mas Maracajaguaçu havia sido conquistado pelo cristianismo e se tomou ‘‘mui obediente nas cousas que pertencem à lei de Deus", como disse um jesuíta, (Valle Cabral, 1887, p. 212) e essa lei proibia terminantemente várias práticas que eram fundamentais na cultura indígena. Em particular, a proibição da poligamia atingia o sistema de parentesco que constituía a base da organização social, regulando todas as relações entre as pessoas e sua distribuição nas casas (malocas) e tabas.

Aparentemente havia reações contrárias entre a parentela de Maracajaguaçu, pois este se comprometeu com os jesuítas a impor aos índios sua vontade. A aldeia recebeu o nome de Nossa Senhora da Conceição e em 1560 já tinha uma grande igreja e uma casa para os religiosos, quando lá estavam. Havia também uma casa onde um casal devoto cuidava de moças índias, educando-as como cristãs e preparando-as para o casamento. (Valle Cabral, 1887, p.340).

Maracajaguaçu foi nomeado ouvidor (neste caso, juiz) pelos jesuítas, encarregado de aplicar as normas de conduta fixadas pelos religiosos.

Logo nos primeiros anos, a aldeia foi assolada por epidemias que dizimavam sua população e chegaram a provocar a fuga dos moradores. Eram doenças, como a varíola, inexistentes até a chegada dos europeus e, por isso, os índios não tinham resistência orgânica contra elas nem sabiam tratá-las.

Maracajaguaçu e seus guerreiros deram importante apoio militar aos portugueses, inclusive no combate aos franceses, que tentavam carregar pau-brasil no litoral do Espírito Santo e chegaram a atacar Vitória. Quando Estácio de Sá passou pela capitania, na expedição contra os franceses e os tamoios da qual resultou a fundação do Rio de Janeiro, o Espírito Santo enviou um numeroso contingente chefiado por Belchior de Azeredo, incluindo muitos maracajás, que assim tiveram a oportunidade de retomar, em condições vantajosas, a antiga luta contra os tamoios. Desse contingente fazia parte um grupo numeroso de temiminós, chefiados por Araribóia, que permaneceram no Rio de Janeiro e tiveram importante atuação contra os tamoios, particularmente em sua expulsão de Cabo Frio, último reduto que controlaram no litoral. Araribóia formou, com sua gente, a aldeia de São Lourenço que deu origem a Niterói.

Apesar dessa valiosa colaboração, a situação dos maracajás deteriorou-se rapidamente na aldeia da Conceição. Em 1567, o padre Manoel da Nóbrega relatava a violência e a escravização praticadas pelos cristãos contra os índios caetés na Bahia e afirmava: “Depois que isto se praticou na Bahia, se aceitou também no Espírito Santo principalmente com a geração que chamam do Gato (os maracajás), por estarem mais sujeitos, em os quais se fizeram muitas desumanidades, e fazem neste dia, e o mesmo se pratica onde o gentio tem qualquer sujeição ou obediência aos cristãos.” (Leite, 1940, p. 124). Os jesuítas, que haviam defendido a política de sujeição dos índios, implementada por Mem de Sá, como forma de conseguir sua integração ao cristianismo, viam-se agora impotentes para deter a violência dos colonos, mesmo em relação aos maracajás da aldeia da Conceição, que se haviam colocado sob sua autoridade e proteção.

A Aldeia da Conceição deu origem à atual cidade da Serra.

 

Autora: Nara Saletto
Fonte: Donatários, Colonos, Índios e Jesuítas  - O Início da Colonização do Espírito Santo, 1998 (Coleção Canaã Volume 4 Arquivo Público Estadual Secretaria de Estado da Cultura e Esportes Governo do Estado do Espírito Santo)
Compilação: Walter de Aguiar Filho, junho/2019

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